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Projeto 2025: arquitetando a distopia americana

Projeto 2025: arquitetando a distopia americana

Por Laura Burgos

Lealdade, religião, mulheres, educação. 

Todos esses elementos são marcantes na escrita distópica, tal como 1984, de George Orwell, e o Conto da Aia, de Margaret Atwood. No entanto, cabe lembrar que essa tendência literária é mais uma crítica à realidade atual e aos perigos da inércia política do que a retratação de um futuro macabro e fantasioso. De fato, o que parece longínquo pode estar apenas a um ano, um golpe, um mandato de distância.

É exatamente isso que tornou o Projeto 2025 tão alarmantemente conhecido.

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Projeto 2025/Reuters

O que é o Projeto 2025?

Elaborado pelo think tank Heritage Foundation, o Projeto 2025 é um guia de 900 páginas com diretrizes e ações para o próximo presidente conservador. 

O posicionamento apresentado baseia-se em um discurso de declínio moral e, consequentemente, nacional, cuja culpa é direcionada aos imigrantes, ao “totalitarismo woke”, às mulheres, entre vários outros grupos minoritários ou grupo de ideias que se oponha às conservadoras. Entretanto, apesar da tendência de partes desse setor político em culpabilizar intensamente esses elementos, eles falham em apresentar dados ou fatos que realmente comprovem suas defesas, o que traz um tom, sobretudo para quem não está imerso na realidade republicano-conservadora, conspiratório, alarmista e sensacionalista aos discursos.

Uma ilustração disso é que, logo no início do texto, lê-se que dentre os principais problemas do país está a evasão de jovens da igreja, sem, contudo, prover motivos para tal. Esse comportamento é recorrente ao longo do texto a pressuposição de empecilhos sem o esclarecimento de quais consequências trazem, como isso está “arruinando” o país e se, de fato, eles existem. (Mas, é claro, isso não lhes interessa)

Há algumas relevantes problemáticas que afetam, de verdade, a população estadunidense, como a alta da inflação, a crise de moradia, o aumento do custo de vida e da desigualdade. Contudo, as propostas de resolução oferecidas são, no mínimo, ineficientes, chegando a ser até mesmo nocivas para determinados grupos sociais já marginalizados. 

É compreensível entender a razão pela qual uma parcela considerável da população acredita nessa narrativa. Eles oferecem responsáveis oportunos e soluções ineficazes para problemas reais com uma lógica simples o suficiente para atrair populações já privilegiadas, que, guiadas pela sua percepção de existência ameaçada, tendem a acreditar nisso. Ainda, há a constante reiteração de que as elites são externas ao partido conservador, a elite acadêmica, a elite econômica internacional, como se os principais financiadores e políticos republicanos também não o fossem. 

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Bandeira e marinha dos Estados Unidos/Getty Images

Dentro do projeto

A agenda se monta em 4 pilares para o novo governo, visando a completa reconstrução dos sistemas estatais e ameaçando o sistema de freios e contrapesos, ou seja, a divisão de poderes.

O primeiro passo seria o desmonte do que denominam o “Estado administrativo”, o que significaria a demissão de funcionários do sistema federal – sobretudo aqueles que receberam treinamentos sobre teoria racial crítica durante o governo Obama – e a contratação de candidatos leais aos valores republicanos. Além disso, essa etapa também contaria com a eliminação do Departamento de Segurança Nacional e do Departamento de Educação. Por fim, veria-se a subjugação do Federal Bureau of Investigation (FBI) e o poder judiciário sob a autoridade presidencial, o que aumentaria consideravelmente o poder do presidente e desafiaria o princípio democrático da separação de poderes.

A seguinte etapa seria a chamada de funcionários para preencher as lacunas deixadas pela etapa anterior e garantir funcionários fiéis ao governo republicano. Pode-se dizer que essa fase já está em curso, dado que já está sendo montada uma base de dados com potenciais candidatos por meio de inscrições online, algo como uma rede de “networking” para conservadores. A principal vantagem que essa ação forneceria ao novo governo republicano seria agilidade, dado que a implementação de suas políticas ocorreria com pouca ou nenhuma resistência assim que a equipe fosse trocada.

Depois, a nova equipe participaria de treinamentos online, em uma plataforma chamada “presidential administration academy”, para maior alinhamento de valores, objetivos e formas de implementação das propostas republicanas.

Por fim, a visão conservadora seria concretizada de fato, e ela pode ser analisada em detalhes ao longo das mais de 900 páginas do Projeto 2025, que explicam como seriam os primeiros 180 dias de governo.

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Protestos anti-aborto em frente à Suprema Corte americana/Getty Images

Sonho americano?

As propostas para “salvar a América” se mostram voltadas para a idealização de um passado glorioso do país que foi vivenciado por poucos, ou até mesmo por ninguém. As ideias presentes no texto ora ignoram, ora flertam com a defesa do racismo, xenofobia, desigualdade de gênero e discriminação contra a comunidade LGBTQIA+.

Acerca da “defesa da família”, tema primordial do documento, há um intenso planejamento para o controle e negação de direitos reprodutivos da mulher. Seguindo a lógica da revogação da Roe V. Wade, uma decisão da suprema corte que protegia constitucionalmente o direito ao aborto, em 2022, visa-se banir o direito ao aborto em todo o país, inclusive permitindo a hospitais a negação da operação em casos que ameaçam a vida da mãe, desregularizar a aprovação da Food and Drugs Administration de medicamentos abortivos. Ainda, promover-se-á agendas anti-aborto no Departamento de Saúde e Serviços Humanos, além do desfinanciamento de organizações como a Planned Parenthood, a qual também fornece serviços de exames para infecções sexualmente transmissíveis e alguns tipos de câncer, juntamente com a vacinação contra doenças como o HPV.

Ainda sob o contexto de “proteção da família”, pretende-se multar, demitir, e até listar como agressores sexuais professores e bibliotecários que ofereçam ou inclusive possuam conteúdos considerados inadequados. Dentre eles, qualquer menção à comunidade LGBTQIA +, sobretudo à transsexualidade, que é por eles considerada conteúdo pornográfico. Ademais é defendido que professores que chamem os alunos por seu nome social ou apoiem diretos da comunidade transgênero deverão enfrentar consequências legais, e que pais que colaborem com o processo de afirmação de gênero de seus filhos serão considerados abusadores. 

Todos os termos relativos à diversidade, equidade e inclusão seriam excluídos da constituição, sob a justificativa de que promovem um “complexo de inferioridade” sob a “doutrinação woke”. As escolas seriam proibidas de mencionar a história do país de qualquer forma que não seja celebratória ou teorias como a teoria crítica de raça e a teoria queer, sob a promessa de elaboração da “declaração de direitos dos pais”, fornecendo apoio aos responsáveis que tomem atos legais contra as instituições de ensino em caso de violação dessas diretrizes.

Sobre questões como imigração, a vinda de imigrantes (legais e ilegais) é tratada como a causa de problemas do país como o desemprego e a crise de moradia. Além disso, a pauta de apagamento cultural sobre a cultura (branca) americana em razão do recebimento dessas populações se faz bastante presente. Nesse sentido, o plano para a política migratória não apenas se direciona ao fechamento das fronteiras, mas também ao “maior processo de deportação da história”.

Já os temas ambientais se voltam para retrocessos em relação a acordos pró-clima e pró-ambientais, a justificativa dada é de que os esforços climáticos são “anti-humanos e significam o abandono da confiança na resiliência e criatividade humana”. As medidas pretendidas incluem a remoção do país de acordos climáticos, como o de Paris, e a proteção de petroleiras norte-americanas. 

Enfim, quanto à tributação, o plano é simplificar o sistema de imposto de renda, eliminando o sistema de sete categorias por apenas duas, o que prejudicaria as classes médias. No âmbito corporativo, a ideia é reduzir as taxas de 21% para 18%, visando tornar os EUA mais competitivos globalmente, contudo, isso acarretaria em menor arrecadação para o país e beneficiaria primordialmente grandes corporações. Uma última mudança significativa nessa esfera é a adoção do sistema de imposto sobre consumo, o que seria mais sentido nas populações de classe média e baixa.

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Fronteira americana co o México em Nogales, Arizona/Monmouth University

O candidato conservador

O Projeto 2025, apesar de se encontrar em um espectro político mais próximo das tendências de Donald Trump, não está oficialmente associado ao projeto de governo do candidato presidencial.

Essa lacuna de oficialidade acerca de um plano tão intenso gerou preocupações na população estadunidense. 

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Candidato Donald Trump em comício/AP

Por um lado, parte dos opositores de Trump passaram imediatamente a associá-lo com o projeto, fornecendo um forte argumento contra o candidato. De fato, a candidata do partido democrata, Kamala Harris, usou o projeto para atacar Trump no debate do dia 10 de setembro. Isso também decorre do fato de que o documento é bastante claro e detalhado em seus planos controversos, não tentando amenizar-se para atrair eleitores do outro lado do espectro político, o que causou antagonismo veemente por parte de não-republicanos.

“O que estamos tentando fazer é garantir que todo americano que vá às urnas no dia 5 de novembro saiba exatamente o que receberão se Donald Trump vencer” Daniel Goldman, deputado democrata

Trump, no entanto, nega o envolvimento ou intenção de implementação desse projeto, declarando que, intencionalmente, não leu e nem lerá a proposta. 

Todavia, as declarações do ex-presidente não foram suficientes para desvinculá-lo do projeto. Um pertinente argumento para tal é que importantes contribuições para a elaboração do texto foram feitas por funcionários do governo sob o mandato de Trump, e muitos deles estariam em um próximo. Ademais, há consideráveis convergências entre a Agenda 47, plano oficial do partido republicano, e o Projeto 2025, em especial nas questões imigratórias, econômicas, ambientais, na demissão e substituição da equipe de governo e na eliminação do Departamento de Educação. 

O próprio presidente da Heritage Foundation, Kevin Roberts, declarou que vê a tentativa de distanciamento por parte de Trump como uma manobra eleitoral.

“Não fiquei surpreso ao ouvir a declaração de Trump e não há ressentimentos” Kevin Roberts, presidente da Heritage Foundation

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Presidente da Heritage Foundation, Kevin Roberts/Wikimedia Commons

O futuro dos Estados Unidos é incerto, desde a acirrada disputa pela Casa Branca até a implementação de fato do Projeto 2025, caso Trump venha a ser o próximo presidente do país. Entretanto, a própria elaboração desse documento demonstra a crescente expressividade e ambição dos movimentos estadunidenses de ultradireita, que, considerando a inegável influência global do país, podem reforçar outras tendências de extrema direita ao redor do mundo, especialmente caso seja levado a cabo. Isto posto, o Projeto 2025 se fez um fomentador de debates políticos ferventes que, em última instância, se voltam para um ponto principal: quem merece viver a liberdade e o “sonho” americano? 

Fontes:

https://static.project2025.org/2025_MandateForLeadership_FULL.pdf

https://www.nytimes.com/2024/10/01/us/politics/jd-vance-project-2025.html?smid=nytcore-ios-share&referringSource=articleShare

https://www.forbes.com/sites/antoniopequenoiv/2024/09/10/trump-denies-project-2025-links-in-debate-with-harris-nothing-to-do-with-it

https://apnews.com/article/trump-project-2025-heritage-foundation-e2b1be71422f4afcfd4a397828f7cab6#

https://www.newsweek.com/donald-trump-says-project-2025-author-coming-onboard-if-elected-1966334

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