EUA vão às urnas, o que esperar?
Por Maria Isadora Castelli Dias e Matheus Veríssimo.
Entre Harris e Trump.
A corrida presidencial nos Estados Unidos, iniciada no dia de hoje, é uma das mais acirradas em memória recente. O fenômeno das redes sociais inegavelmente contribuiu para o clima de polarização nas democracias contemporâneas, com a “Terra da Liberdade” não fugindo dessa desafiadora tendência. Contrapondo visões de mundo antagônicas e propostas de políticas públicas com vieses distintos, o pleito demonstra uma profunda clivagem nos anseios do povo estadunidense.
Na disputa concorrem, primariamente, a democrata Kamala Harris e o republicano Donald Trump, os quais vêm trocando ferrenhas críticas, justas e injustas, na esperança de, respectivamente, manter ou reconquistar a Casa Branca. Neste artigo buscaremos analisar o duro processo eleitoral, os seus candidatos, as propostas das campanhas e os principais focos de contenda entre os adversários.
Como funciona o Sistema Eleitoral estadunidense?
Apesar dos Estados Unidos configurarem uma democracia, como o Brasil, há inúmeros pontos de distinção entre os sistemas eleitorais de ambos países. Assim, é importante a compreensão do funcionamento do sistema de pleito norte-americano, já que suas particularidades interferem diretamente nos resultados das eleições.
Em primeiro lugar, cabe destacar que o sistema eleitoral norte-americano funciona com base em um Colégio Eleitoral, composto ao todo por 538 eleitores (também chamados delegados). No processo de votação, portanto, apesar de cada cidadão indicar o candidato à presidência de sua preferência, são contabilizados os votos válidos por estado da federação, e, o candidato que alcançar a maioria na região, elege seus respectivos delegados. Os delegados, por sua vez, representam as escolhas dos cidadãos de cada estado na votação do Colégio Eleitoral, que acontece em dezembro, nela é eleito formalmente o presidente a partir da conquista da maioria simples das cadeiras, a saber, pelo menos 270 votos eleitorais.
Ainda nesse sentido, é importante marcar o caráter majoritário desse sistema, isto é, o candidato à presidência que conquistar a maioria numérica de votos dos cidadãos, não necessariamente é eleito. Por exemplo, em um estado com 11 delegados, caso haja o resultado de 52% dos votos ao partido democrata e 48% ao partido republicado, diz-se que o partido democrata conquista a maioria, portanto, os 11 delegados eleitos representarão essa organização política. Em suma, tal caráter torna os resultados finais das eleições extremamente influenciáveis por algumas regiões estratégicas, onde a disputa é acirrada e uma margem pequena de votos pode culminar em vantagens profundas para algum dos partidos: os chamados “swing-states”.
Harris e Trump: quem são os candidatos em disputa?
É importante abordar, em linhas gerais, quais são os indivíduos que concorrem à presidência nas eleições do presente ano. Conforme já comentado, no cenário político dos Estados Unidos, dois partidos possuem destaque, sendo eles o Partido Democrata – que tem como candidata à presidência Kamala Harris, e vice Tim Walz – e o Partido Republicano – que possui o ex-presidente Donald Trump como candidato ao segundo mandato, e Mike Pence como vice.
O candidato do partido republicano Donald Trump governou os Estados Unidos entre os anos de 2017- 2021, após vencer as eleições de 2016 contra a candidata democrata Hillary Clinton. Já nas eleições americanas de 2020, Trump competiu com o democrata Joe Biden, contudo, após uma acirrada disputa, Biden elegeu-se, e Trump não garantiu seu segundo mandato. Nessa conjuntura, houve uma forte resistência do republicano em declarar a derrota, o que, por sua vez, provocou instabilidades políticas internas e graves repercussões internacionais.
Além disso, Trump mantém posicionamentos de seu primeiro mandato, com temas como o desenvolvimento econômico e a questão imigratória adquirindo caráter central nos debates. Deste modo, o candidato republicano enfatiza nos últimos debates a questão do aumento do custo de vida no país, bem como a desaceleração econômica que, segundo ele, são fruto de uma administração democrata falha.
Harris, por sua vez, atuou como vice no mandato do democrata Joe Biden, de 2021 aos dias atuais. Ao longo do governo de Biden, a vice-presidente teve importante papel no que tange às crises migratórias, bem como aspectos administrativos gerais. A democrata foi anunciada como candidata do partido às eleições presidenciais em julho, após um período de incerteza diante de um possível segundo mandato de Biden. Nesse contexto, questões relacionadas à idade avançada do então presidente reduziram a confiança no líder, principalmente diante da instabilidade de sua saúde.
Em linhas gerais, nos últimos dias antes das eleições, Harris tem apostado em um discurso contra extremismos políticos, adepto à defesa de direitos de minorias, como a questão do aborto no país e à defesa dos direitos da classe média.
As pesquisas nacionais.
Apesar da quantidade absoluta de votos de um candidato à presidência dos EUA não garantir a sua eleição no Colégio Eleitoral, como mencionado anteriormente no caso da vitória de Trump sobre Clinton em 2016, a opinião geral da população do país ainda assim é uma métrica interessante para a reflexão sobre o pleito. Feitas essas ressalvas, podemos mergulhar nas pesquisas nacionais de intenção de votos.
Segundo dados da 538, no começo da disputa, após o anúncio da substituição de Joe Biden por sua vice-presidente como candidata do partido democrata à presidência, ambos candidatos estavam tecnicamente empatados na opinião nacional. Ao longo da corrida, com o bom desempenho de Harris nos debates e com a inocuidade da estratégia de Trump de instrumentalizar o atentado por ele sofrido, Kamala passou a liderar as intenções de voto. A maré, porém, foi revertida em outubro, após uma mudança estratégica da campanha de Trump que visava associar a imagem da democrata a um “extremismo ideológico”, fazendo com que o ex-presidente reduzisse a vantagem de sua oponente.
Às vésperas do pleito, no dia 4 de novembro, Harris lidera as intenções de voto por uma margem muito apertada, com 48,0% declarando voto à vice-presidente, contra os 46,8% de seu adversário. Ao se considerar a margem de erro das pesquisas, podemos considerar os candidatos tecnicamente empatados, reforçando a constatação do alto grau de incerteza sobre o resultado que será observado ao serem abertas as urnas.
Além dessas considerações, vale ressaltar algumas tendências vindas de particularidades dos eleitores. O gênero do eleitor é um fator de relevância, com Harris apresentando uma larga vantagem no voto feminino (57% de preferência contra 41%) e Trump no voto masculino (58% contra 40%). Ademais, o republicano lidera no público de homens brancos sem ensino superior e a democrata lidera no de mulheres brancas com ensino superior e nas minorias étnicas estadunidenses.
Iowa e Nevada mudando de lado?
Cabe comentar uma possível mudança de posição nos estados de Iowa, no qual Trump venceu com larga margem nos últimos dois pleitos, e Nevada, no qual os democratas venceram em 2016 e 2020, e com cada um possuindo 6 delegados. O que se observa é uma real possibilidade de que Harris vença em Iowa, mas perca em Nevada, o que, se ocorrer simultaneamente, implica uma “soma zero” no Colégio Eleitoral, mas suscita uma reflexão sobre os posicionamentos dos candidatos em certas questões.
Sobre o caso de Iowa, uma pesquisa recente mostra uma vantagem de 3 pontos percentuais de Kamala sobre Trump na cidade de Des Moines, estratégica para a vitória no estado. Essa vantagem, apesar de estar dentro da margem de erro da pesquisa, pode contribuir para uma virada desse estado e parece ser puxada pelo voto feminino pró-Harris. A defesa dos direitos reprodutivos das mulheres pela democrata, em contraste com a retórica trumpista contrária a defesa desses direitos em âmbito nacional, certamente influencia esse público a tomar o lado de Harris na disputa e ameaça a vantagem do ex-presidente nesse estado.
O caso de Nevada, porém, é muito mais incerto, com uma vantagem de Trump de apenas 0,3 pontos percentuais nas pesquisas. A pauta econômica é central nessa disputa, com ambas campanhas buscando angariar mais apoio da decisiva classe trabalhadora desse estado turístico (onde se localiza Las Vegas, por exemplo), propondo um corte na tributação de gorjetas. Harris incrementa essa medida defendendo um aumento do salário mínimo federal, já Trump alega que seu governo proporcionaria melhores condições gerais para a economia, baseando-se em uma percepção de menor custo de vida em sua presidência.
Arizona e Geórgia voltando para Trump?
Além disso, vale a pena citar um possível retorno de dois swing states estratégicos para Trump: Arizona e Geórgia. Esses dois estados, nos quais o ex-presidente venceu em 2016, foram protagonistas na trama trumpista de alegar fraude nas urnas em 2020, após o eleitorado migrar para o lado democrata. No Arizona, estado que proporciona 11 delegados, Trump lidera as pesquisas com uma vantagem de 2 pontos percentuais, enquanto na Geórgia, com 16 delegados, a vantagem de Trump é ainda mais apertada, de apenas 0,8%.
Em Arizona, três grandes pautas são o centro da disputa eleitoral: a economia, o aborto e a imigração. No primeiro caso, Trump leva vantagem com certa adesão de um discurso que culpabiliza o governo democrata por um “descontrole inflacionário”, enquanto no segundo, Harris leva vantagem devido a defesa dos direitos reprodutivos. A questão da imigração é profundamente polarizada no estado fronteiriço, com o discurso anti-imigração de Trump ganhando força em alguns distritos rurais, ao passo que Harris detém vantagem nas comunidades de imigrantes. Nesse contexto, o condado de Maricopa é decisivo (exatamente o distrito que fez Trump perder o estado em 2020), bem como a decisão dos públicos latino e jovem.
Na Geórgia, estado do sul dos EUA, as problemáticas raciais ganham forte destaque (cerca de um terço da população sendo negra), além de questões mais amplas como a criminalidade nos centros urbanos e a economia. Na economia, o debate volta a seguir a polarização ideológica nacional, com setores defendendo a política de Trump de cortes tributários a empresas, enquanto outros acreditam nas medidas de tributação dos mais ricos, proposta pelos democratas, para financiar programas de bem estar social. Para Trump, é estratégico minar o apoio das minorias à Harris e manter seu apoio rural, enquanto a vice-presidente precisa garantir seu apoio nessas comunidades, no público jovem e nos grandes centros urbanos de Savannah e Atlanta (contornando a retórica republicana de complacência democrata com a criminalidade).
Carolina do Norte e Pensilvânia em aberto?
Dois estados fundamentais na atual disputa presidencial são a Carolina do Norte e a Pensilvânia. Isso pois ambos são inseridos na categoria já comentada dos “swing states”, onde a disputa ainda não possui perspectivas definidas devido à diferença pequena entre as preferências dos cidadãos. Além disso, ambos são estados com alto número de delegados representantes, sendo que, enquanto a Pensilvânia possui 19 delegados, a Carolina do Norte conta com 16 cadeiras no Colégio Eleitoral.
A Carolina do Norte é um estado historicamente republicano, porém, nas eleições presidenciais de 2020 surpreendeu os analistas, já que o partido, apesar de conquistar a maioria dos votos, o fez com a margem de apenas 74 000 de vantagem à Trump. Os números, então, apontam para uma crescente onda democrata na região, principalmente entre pessoas negras e pessoas menores de 40 anos.
Nesse contexto, duas importantes pesquisas indicam um cenário indefinido no território. No levantamento da CNN, o republicano aparece com 47% das intenções de voto, enquanto a democrata apresenta 46% delas, intervalo quase inconclusivo devido à margem estatística de erro da pesquisa. Já na pesquisa mais recente do The New York Times os dois candidatos surgem em um empate, ambos com 48% dos votos.
Deste modo, o comparecimento do eleitorado hoje às urnas é um fator essencial para o resultado, haja vista que no país o voto não é obrigatório. Assim, fatores como a destruição causada pelo recente furacão Helena no estado, fenômeno que atingiu regiões predominantemente republicanas, podem ser decisivos na disputa.
A conjuntura da Pensilvânia é similar em alguns aspectos, é extremamente estratégico para ambos os lados. Sendo historicamente uma região decisiva, foi alvo de insistentes campanhas pelos candidatos, sendo que foi onde Trump sofreu o polêmico atentado fracassado ao longo de um comício, em Julho deste ano.
Nas últimas eleições, Biden conseguiu maioria com um intervalo pequeno de 82 000 votos em relação aos republicanos. Contudo, atuais insatisfações no campo econômico, devido ao aumento do custo de vida e inflação, ameaçam o predomínio democrata no estado, tendo em vista que, conforme comentado, críticas às atuais políticas econômicas mostram-se uma vantagem para o republicano Donald Trump.
Michigan e Wisconsin sob disputa.
Em continuidade com os parâmetros dos seis estados em que a disputa eleitoral presidencial está mais intensa, é importante mencionar os casos dos estados de Michigan e Wisconsin, com 15 e 10 delegados respectivamente.
Nos dois últimos pleitos, o estado de Michigan desempenhou um papel decisivo para a vitória dos candidatos presidenciais, sendo conquistado por Donald Trump em 2016 e reconquistado pelos democratas com a vitória de Joe Biden em 2020. No entanto, o apoio aos democratas na região tem diminuído nos últimos anos, especialmente devido ao descontentamento em relação à política pró-Israel adotada por Biden no contexto do conflito em Gaza. Vale destacar que Michigan abriga a maior concentração de cidadãos árabe-americanos dos Estados Unidos, grupo que reivindica o fim do envio de recursos financeiros e militares ao aliado do Oriente Médio. Assim, as últimas pesquisas do New York Times indicam um empate técnico entre os candidatos, ambos com 47% das intenções.
Enquanto isso, em Wisconsin o cenário de indecisão é semelhante. Nesse estado Biden teve vantagem em 2020, porém com margem de apenas 21.000 votos. Por ser um estado que abarca tanto áreas rurais, quanto regiões urbanas, a candidata democrata aposta em maioria nas grandes cidades, fortalecida por seu discurso de defesa aos direitos das mulheres, enquanto Trump busca vantagem nas regiões rurais. No recente estudo do New York Times, Kamala surge com uma pequena vantagem: 49% das intenções frente a 47% das intenções a Trump.
Perspectivas para os próximos dias.
Para além da acirrada disputa mencionada nos últimos tópicos, outros debates foram levantados nos últimos dias sobre o processo eleitoral. Nos Estados Unidos, os cidadãos podem optar por enviarem suas escolhas presencialmente hoje (05/11) ou podem votar antecipadamente pelos correios. Contudo, imagens de locais de depósito desses votos antecipados em chamas viralizaram nas redes sociais, causando comoção e alimentando discursos extremos, que atacaram o sistema eleitoral do país, principalmente por meio de acusações de supostas fraudes.
Além do mais, os votos nos Estados Unidos são impressos e, em certas regiões, a contagem dos resultados pode demorar dias, o que preocupa diversos entes, haja vista o processo tumultuado das últimas eleições de 2020.
Por fim, cabe destacar a possibilidade de um cenário instável nos próximos dias, devido à ausência de padronização nacional para a contagem, de modo que certas regiões contam os números rapidamente, enquanto outras têm o processo alongado; à comportamentos antidemocráticos dos candidatos, por meio da propagação de desinformação, como o caso de denúncia de fraude por Trump em 2020; e à possível judicialização da disputa.
Referências Bibliográficas.
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- https://www.nytimes.com/interactive/2024/us/elections/polls-president.html
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