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A Ruptura Étnica No Sudão

A Ruptura Étnica No Sudão

Como a Segunda Guerra Civil no Sudão impactou a atual crise humanitária na região

Por Carolina Astúa e Lara Belezia

”Dois países, uma história: o panorama geral”

Dentre as notícias presentes na mídia recentemente, pouco se discute a deterioração da situação política e humanitária no Sudão e no Sudão do Sul: dois países que compartilham uma só história. 

Conhecida como uma das áreas mais etnicamente diversas do continente africano, a região do Sudão e do Sudão do Sul é palco de uma conjuntura sociopolítica alarmante: a violência gritante, uma crise humanitária avassaladora e milhões de refugiados deixando suas casas. Segundo a Agência para Refugiados das Nações Unidas, mais de 2,4 milhões de pessoas já deixaram o Sudão do Sul fugindo da crise pela qual o mais jovem país do mundo tem passado. No Sudão, uma disputa pelo poder entre militares levou a comunidade internacional a falar de “genocídio” e “limpeza étnica” ao se referir à região. Além disso, a fronteira entre os dois países também é alvo de interesses econômicos internacionais, relacionados à posse de recursos petrolíferos localizados na área.

Dessa forma, para entender toda a complexidade que cerca as relações dos dois países, é preciso conhecer a guerra que levou à sua separação, ou melhor dizendo, à criação do Sudão do Sul a partir do Sudão. Além disso, é essencial conhecer os desdobramentos étnico-religiosos dos conflitos que já tiveram as terras sudanesas como palco, trazendo assim maior visibilidade às crises que devastam a região atualmente.

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Em 1993, o fotojornalista Kevin Carter, em uma missão para ONU no Sudão, capturou esta imagem, conhecida como “a menina e o abutre”. A fotografia, tirada em frente a um posto de atendimento, chocou o mundo, trazendo maior visibilidade à fome e à crise humanitária no país. Em 1994, Carter ganhou um Prêmio Pulitzer pela foto. Fonte: cafehistoria.com

“Um berço cultural: a diversidade étnico-religiosa”

Tanto o Sudão quanto o Sudão do Sul apresentam geografia rica, caracterizada por planícies desérticas, savanas, pântanos e rede hidrográfica centralizada no rio Nilo. O Sudão é o terceiro maior país do continente africano em extensão territorial, enquanto o Sudão do Sul é o mais jovem país independente do mundo. Tais aspectos físicos e formativos permitem conceber uma visão da distribuição demográfica do país. Entretanto, a complexidade dos estudos populacionais vai além de sua disposição geográfica, tendo sua origem na diversidade étnico-religiosa sudanesa. 

Enquanto isso, no Sudão do Sul, a maior parte da população é cristã, pertencente ao grupo de povos nilóticos, ou seja, oriundos da região do Nilo-Saara. Dentre as etnias incluídas nesse grupo estão os Dinka, pastores e migrantes sazonais que representam mais de 35% da população do país. O segundo maior grupo, que representa quase 15% da população sul-sudanesa, é o dos Nuer, uma comunidade com cultura extremamente homogênea, mas politicamente descentralizada em clãs e linhagens. Para ambos, Dinka e Nuer, a criação de gado é essencial, mas para outras etnias, como os Shilluk, grupo altamente centralizado em reinos locais, a agricultura tem o papel fundamental.

No Sudão, aproximadamente 70% da população é árabe, enquanto os outro 30% colocam-se como minorias negro-africanas das etnias Fur, Beja, Nuba, Fallata e Masalit. No total, são mais de 500 etnias que falam em torno de 400 idiomas distintos, em sua maioria vivendo na fronteira sul do país. Os Fur e os Masalit são, em grande parte, agricultores tradicionais, vivendo espalhados pelo país. Já os Zaghawa, por exemplo, são agricultores e pecuaristas, oriundos da fronteira com o Chade. Além destas, os Nubas apresentam-se como um conglomerado de etnias regionais que usam uma identidade comum para distinguirem-se de outros povos árabes da região de Cartum, a capital do Sudão. 

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Agricultores refugiados e da comunidade anfitriã se reúnem para semear sorgo no campo de refugiados de Ajuong Thok, no Sudão do Sul, lar de muitos refugiados que fugiram do conflito no Sudão. Fonte: ACNUR/Samuel Otieno.

Diante desse cenário, pode parecer difícil ou impossível diferenciar muitas destas inúmeras etnias. Entretanto, as fronteiras étnicas foram restabelecidas após décadas de conflitos armados e manipulação política da identidade nacional dos dois países. Assim, entender a profundidade das relações entre comunidades e minorias no Sudão é essencial para compreender as múltiplas faces dos conflitos que vêm assolando a região, ou mesmo para entender por que expressões como “genocídio” e “limpeza étnica” vêm sendo usadas para descrever a atual situação do Sudão do Sul.

Desse modo, uma das principais rixas históricas do antigo Sudão unificado decorrem da diferenciação religiosa das populações no norte e no sul, uma herança da era colonial do país. No norte, a influência islâmica sunita, e no sul, uma maioria cristã e animista. Mas essa não foi a primeira vez que a região enfrentou uma era de fragmentações.  

“Antecedentes: a história ainda viva”

  • Caminhos para a Independência

A história dos mais recentes conflitos no Sudão remonta a um passado distante, que ganha forma concreta de análise no século XIX. Esse período foi marcado por embates contra o domínio estrangeiro e pela alternância de autoridades locais. Dentre elas, destaca-se a influência religiosa no contexto do país, evidenciada desde o governo teocrático mahdista, que perdurou de 1885 até 1898, e pelo controle omisso internacional, visto pela submissão da área a um protetorado conjunto do Egito e do Reino Unido, conforme estabelecido pelo Acordo de Berlim. Esse cenário compõe um dos marcos das profundas cicatrizes deixadas pelos colonizadores em todo o continente africano, sendo de extrema relevância para o entendimento do cenário atual. 

Para o Sudão, o domínio anglo-egípcio representou uma divisão fronteiriça sem respeito à diversidade étnica e a promoção de desigualdades no desenvolvimento regional. Nesse sentido, o norte foi privilegiado com investimentos e o sul condenado à situação de periferia, com um desenvolvimento precário e sem acesso aos serviços básicos. Como consequência dessas tensões e da pouca representatividade do sul, a assinatura do tratado de independência sudanesa, em 1956, se deu já passado um ano do início da Primeira Guerra Civil. 

  • Primeira Guerra Civil: A Rebelião de Anyanya

  De modo geral, a Primeira Guerra Civil pode ser resumida pelos combates violentos entre o governo sudanês, representante do norte, e o movimento separatista militar criado no sul, que possuía como liderança os rebeldes Anyanya. Entretanto, deve-se considerar a constante instabilidade política como um fator-chave e agravante. Em 1958, as forças armadas nacionais realizaram um golpe de Estado, instaurando um regime autoritário. Essa gestão promoveu a centralização administrativa em Cartum — até hoje capital da porção norte — e reprimiu os interesses da população sulista. 

Nesse contexto, destacam-se as tentativas do governo de supressão do sul, composto majoritariamente por cristãos ou praticantes de religiões tradicionais africanas. Dentre elas, estão as perseguições religiosas e medidas de islamização do Sudão, favorecendo a maioria muçulmana, de língua árabe, do norte.

Assim, em ciclos, a população negligenciada passou a reivindicar mais autonomia, defendendo seu maior envolvimento econômico, forças militares e um serviço público próprio. Entretanto, considera-se alarmante que, em uma guerra que se estendeu de 1955 até 1972, a primeira conferência de discussão diplomática sobre o tema só tenha ocorrido em 1965. Após mais de 17 anos de guerra, o conflito, ao menos no papel, chegou ao fim com o Acordo de Adis Abeba e a criação da RASS — Região Autônoma do Sudão do Sul. Todavia, o documento não refletiu fielmente a realidade, e os grupos divergentes em cultura, economia e interesses seguiram em confronto, tornando a situação sudanesa uma escalada constante rumo à fragilidade e à ruína do país.

“Os Ventos Começam a Mudar: A Segunda Guerra Civil”

Mesmo após as negociações de paz, o norte deixou de respeitar as cláusulas do acordo que garantiam certa autonomia ao sul, principalmente após a descoberta de recursos fósseis no local, passando a interferir novamente na região e reacendendo as tensões adormecidas desde o primeiro conflito. Foi em 1983 que o então presidente do Sudão, Gaafar Nimeiry (ou Jaafar Nimeiri), estabeleceu a imposição da Sharia, legislação islâmica, em todo o país. Tal medida encerrou o autogoverno do sul, e sua população, de maioria cristã e animista, enfureceu-se. Em resposta às imposições nortistas, os militares do sul formaram um movimento guerrilheiro, o Exército de Libertação do Povo do Sudão (SPLA, sigla em inglês), apoiados pela Líbia, Etiópia e pelos rebeldes Anyanya, muitos deles da etnia Nuer, ainda na luta contra o norte desde a Primeira Guerra Civil. 

     Liderados pelo tenente coronel Dinka, John Garang, os sulistas instituíram o Movimento Popular de Libertação do Sudão (SPLM, sigla em inglês), para lutar por seus interesses dentro da política regional. Vale notar que, diferentemente dos anyanistas da Primeira Guerra Civil, os quais lutavam pela separação do sul em relação ao norte, o SPLM era inicialmente a favor de uma unificação, apesar das diferenciações étnico-culturais.

    Em 1985, uma revolta popular do sul derrubou o governo de Nimeiry, abrindo espaço para que Sadiq al-Mahdi, um governante civil, chegasse ao poder. Mahdi trouxe ao país, pela primeira vez, a Frente Islâmica Nacional (NIF, sigla em inglês). Entretanto, quando o governo conseguiu negociar um cessar-fogo com o SPLA, em 1988, a NIF viu divergências entre seus interesses e os de Mahdi. Assim, em 1989, a NIF implementou um golpe de Estado, liderado pelo coronel Omar al-Bashir. A partir de então, os ventos da Segunda Guerra Civil sudanesa começaram a mudar.

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Omar al-Bashir durante um pronunciamento à nação. Foto: Ashraf Shazly/AFP

A segunda mostrou-se ainda mais brutal que a primeira. Em 1993, a NIF estabeleceu-se no país como o Partido do Congresso Nacional (NCP, sigla em inglês), passando a aplicar as leis islâmicas de forma ainda mais rigorosa, com a ajuda do Conselho do Comando Revolucionário para a Salvação Nacional (RCC). Censura a jornais, proibição de partidos políticos, uso da retórica jihadista e até mesmo incentivo ao tráfico de pessoas, em sua maioria de minorias étnicas sulistas, foram práticas promovidas por habitantes árabes do norte. Concomitantemente, a SPLA colhia os frutos de sua desorganização interna, já que a coalizão de múltiplas milícias e os movimentos distintos para a sua formação causaram conflitos de interesses que culminaram em sua fragmentação e enfraquecimento. 

     Paralelamente,  o governo do Sudão aproveitou-se das fragilidades internas da SPLA, fomentando intrigas entre as diferentes comunidades no sul, apoiando inúmeros grupos armados e negociando de forma independente com cada um deles. Grande parte dos esforços do governo para acentuar as divisões no sul estavam envolvidos com o desejo de Bashir de manter as reservas petrolíferas recém descobertas sob seu controle. Exemplo disso foi o envolvimento do governo sudanês com uma política de “limpeza étnica” na região petrolífera dos Nuer, realizada em sua maioria por grupos armados sulistas com o apoio de Cartum.

     O petróleo começou a fluir em 1999, concedendo ao governo de Bashir mais recursos para estender a guerra. No entanto, foi nessa mesma época que os esforços do SPLA e de Garang, apoiados por pressões internacionais, começaram a trazer resultados. Com as negociações bem sucedidas da Conferência de Paz de Wunlit (1999), houve a implementação dos planos de criação de sistemas jurídicos base para governança no sul, além de acordos de paz entre os Dinka e os Nuer que foram o trampolim para processos de reconciliação dali para frente. Ainda assim, a violência encontrou brechas e voltou a arrasar o país no início dos anos 2000.

     Em 2003, teve início um dos mais cruéis e sangrentos conflitos da história do Sudão: a Guerra de Darfur. Omar al-Bashir financiou e armou uma milícia árabe, que ficou conhecida como Janjaweed, para perseguir e exterminar rebeldes de etnias sulistas, como os Fur, os Zaghawa e os Massalit. A guerra matou mais de 300 mil pessoas, enquanto os sobreviventes foram alvo de estupros em massa e tiveram suas casas incendiadas pelo grupo armado.

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Guerrilheiros de Darfur. Fonte: worldpress.com

O conflito provocou o debate internacional, tendo sido escopo de uma reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) em março de 2005. Foi nesse mesmo ano que o Acordo de Paz Abrangente (CPA, sigla em inglês), também conhecido como Tratado de Naivasha, foi assinado em Nairóbi, no Quênia, pondo um fim à Segunda Guerra Civil do Sudão, a mais longa guerra civil da história da África. O acordo estabeleceu uma administração autônoma ao sul, que culminou na independência do Sudão do Sul anos mais tarde. 

“O Nascimento do Mais Jovem País do Mundo: Consequências do Conflito”

Após quase meio século de conflitos ininterruptos, um período de relativa paz tomou conta do Sudão. A porção Sul permaneceu autônoma por mais seis anos. Em 2011, foi realizado um referendo no qual 99% dos votantes apoiaram a divisão oficial do território do país, reconhecendo assim o Sudão do Sul como uma nação independente: a mais jovem do mundo. Uma série de negociações foram feitas, sobretudo sobre a delimitação de fronteiras, os direitos civis da população sulista e, principalmente, como seriam divididos os royalties do petróleo no novo país. O Sudão preocupou-se em manter para si parte dos lucros advindos da atividade petrolífera na fronteira sul, já que o país é dono da maior parte dos oleodutos que escoam combustível para o Mar Vermelho, mas a maioria das reservas passou a ser do Sudão do Sul. Enquanto isso, o governo do Sudão do Sul, comandado pela etnia Dinka, tentou estabilizar a situação política e social interna e manter boas relações com os países vizinhos.

     No entanto, o governo sul-sudanês e a SPLA, ainda muito influente na região, foram acusados de abuso de poder e discriminação contra as demais etnias do pais, como os Nuer. A insatisfação popular com o novo governo cresceu, estimulando uma onda de violência étnica em todos os cantos do país, o que levou a SPLA a implementar políticas de desarmamento de civis, as quais, por sua vez, só deixaram a população mais insatisfeita. 

Em 2013, uma nova guerra civil eclodiu no Sudão do Sul, após um conflito entre guardas Dinka e Nuer membros da Guarda Nacional. Conflitos armados, violência direta contra civis e divisões internas marcaram o retorno da guerra, que nasceu de um mesmo padrão de combate político binário, tendo de um lado o presidente Salva Kiir, representante das Forças de Defesa do Povo do Sudão do Sul, e do outro o opositor Riek Machar, apoiado pelo Exército de Libertação do Povo do Sudão. O conflito perdurou até 2015, com a negociação de acordos de paz e o restabelecimento das fronteiras estaduais do país. 

     Já no Sudão, Omar Al-Bashir foi reeleito em 2015, mesmo após tentativas de boicote eleitoral por parte dos partidos de oposição. A milícia Janjaweed ganhou força e autonomia, continuando sua atuação no país, agora como as Forças de Suporte Rápido (RSF, sigla em inglês). Em 2019, muitos protestos contra o governo de Al-Bashir eclodiram, levando à deposição de seu governo no mesmo ano. Em 2020, o governo sudanês aceitou entregar o ex-líder ao Tribunal Penal Internacional (TPI), pelo qual foi acusado de cometer crimes contra a humanidade (homicídio, tortura, extermínio, estupro), crimes de guerra (ataque intencional a populações civis) e genocídio na região sudanesa de Darfur. 

“Recursos e Geopolítica: A Disputa por Abyei no Sudão”

Historicamente, a economia do Sudão esteve centrada na produção agrícola — em grande parte de subsistência — e na exportação majoritária de algodão. Ao longo dos anos, impactando o olhar nacional e internacional, foram introduzidas atividades mineradoras e a exploração de combustíveis fósseis. Essa mudança de rumos acarretou em cruéis disputas territoriais, desastres ambientais e intervenção estrangeira.

Apesar da existência de demais áreas de interesse, como Jebel Amir e Kordofan, a região de Abyei se destaca como ponto essencial para a compreensão dos conflitos. Localizada na zona fronteiriça entre o norte e o sul, é especialmente rica em petróleo, compondo o conjunto de reservas que garantiram a entrada do Sudão na OPEP+ em 2017. Todavia, os conflitos na região antecedem esse marco. 

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Fonte: Maps SVG; Nicolay Sidorov

A questão de Abyei já havia sido contemplada no Acordo de Paz Abrangente (CPA), assinado em 2004 durante a Segunda Guerra Civil. Na negociação, Abyei recebeu status administrativo especial, sob simultânea gestão do norte e do sul. Apesar da tentativa de amenização das tensões, o território permaneceu como foco de instabilidade, alimentado pela divisão étnica local entre a maioria Ngok Dinka, aliados ao Sul, e minoria Messiria, grupo árabe associado ao Norte. 

Ademais, mesmo com a presença dos Observadores Militares da Organização das Nações Unidas (ONU) e das Missões no Sudão, a ação efetiva internacional tem sido repetidamente limitada. Em consequência, episódios marcantes de violência tomaram Abyei, como os confrontos de 2006, a invasão da capital por forças subordinadas a Omar al-Bashir em 2011, entre outros. 

Ainda com a independência do Sudão do Sul, uma nova onda de preocupações assolou a área. A posse de três quartos da reserva petrolífera do país foi concedida à porção Sul, reacendendo a disputa, em especial quanto à regulação do comércio, já que o norte é dono da maior parte das refinarias e dos oleodutos que escoam combustível para o Mar Vermelho.

Embora tenha havido a tentativa de consolidação de diversos acordos de paz, a violência na região vive até os dias atuais e os avanços diplomáticos seguem constantemente revertidos e jogados para escanteio em meio às demais crises vigentes. Atualmente, a ONU mantém apelos por uma gestão pacífica, em conjunto com a Força de Segurança Provisória das Nações Unidas para Abyei (UNISFA, sigla em inglês). No entanto, dados demonstram uma piora crescente da situação. 

Somente em 2023, ao redor de 212 mil pessoas foram classificadas em uma situação de vulnerabilidade. Entre dezembro de 2023 e fevereiro de 2024, a ACLED (Armed Conflict Location & Event Data Project) registrou 14 ataques na região, e morte de mais de 136 pessoas – comparados aos 48 ataques contabilizados ao longo de todo o ano de 2022. Para futuras previsões, a escalada de violência acompanha a tendência nacional de exacerbação dos conflitos e redução da ajuda humanitária, intensificada devido ao congelamento de recursos promovido pelo governo Trump nos Estados Unidos. 

”Projeção na Atualidade: Uma História Inacabada”

No século XXI, a Segunda Guerra Civil Sudanesa deixou como legado uma série de conflitos viscerais nos dois países que dela se originaram. No Sudão, cuja capital é Cartum, Omar Al-Bashir governou de 1993 até 2019, quando foi deposto em meio a protestos populares e militares. Apesar da posterior instauração de um governo provisório com promessas democráticas, um golpe liderado por uma junta militar assumiu o poder em 2021. 

O desvio autoritário foi encabeçado pelo chefe das Forças Armadas Sudanesas (FAS), Abdel Fattah Al-Burrham, em aliança com Mohamed Hmadan Dagalo, comandante do grupo paramilitar das Forças de Apoio Rápido (RSF) — anteriormente conhecida como a milícia Janjaweed. Todavia, essa colaboração se desfez, e a discórdia entre os dois líderes iniciou uma disputa direta entre as forças armadas mais poderosas do país. 

Em 2023, a mobilização de tropas da RSF ao redor do território foi estopim para uma nova onda de violência. A inauguração desse período de terror catalisou novamente a atenção do TPI, que já havia acusado o governo sudanês em 2002. Em 2024, as investigações apontaram para a ocorrência de novos crimes de limpeza étnica cometidos pela RSF em Darfur, onde o grupo minoritário Massalit, juntamente com demais comunidades não árabes, têm sido perseguidos, abusados e assassinados. 

Segundo a ONU, apenas em 2023, entre 10 e 15 mil pessoas foram mortas na cidade de El Geneina, na região de Darfur Ocidental. Nas proporções de toda a guerra, a Organização Internacional para as Migrações (OIM), em meados de 2024, já havia registrado um total de 12 milhões de pessoas forçadas a migrarem, em estado de refugiados.  

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Fonte: Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil

De forma análoga, no Sudão do Sul, a independência também culminou em um conflito armado. A guerra civil, de 2013 até 2015, com retomada de conflitos em 2016, somou mais de 400 mil mortos e suas tensões periodicamente são revividas. Riek Machar, um dos protagonistas da guerra, por exemplo, tomou posse do cargo de vice-presidente em 2020, mas teve seu exercício de poder interrompido por sua prisão recente no final de março de 2025.

 Apesar de acordos de paz firmados em 2018, hoje o país voltou a ser um epicentro de instabilidades. A entrada de demais milícias, como o Exército Branco Nuer –  contrário ao exército oficial -, também resulta em tragédias, como os bombardeios na região do Alto Nilo em março deste ano. 

Os últimos dados da ONU, de abril de 2025, expõem que mais da metade da população sul-sudanesa, que se aproxima a 11,5 milhões de habitantes, sofre com insegurança alimentar. No Alto Nilo, 60% da população sobrevive com menos de uma refeição por dia. Além disso, nas pesquisas da organização, 2,3 milhões de pessoas foram classificadas como refugiados ou requerentes de asilo até fevereiro deste ano.

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Grupo de refugiados do Sudão do Sul. Fonte: Médicos Sem Fronteiras

Para mais informações sobre conflitos na África subsaariana, acesse: https://laibl.com.br/conflitos-no-sahel-africano/

Referências:

https://opeb.org/2023/06/13/a-guerra-civil-sudanesa-e-o-futuro-sombrio-de-um-gigante-africano

https://minorityrights.org/country/south-sudan/

https://minorityrights.org/country/sudan/

https://sites.ufpe.br/oci/2021/08/02/10-anos-de-sudao-do-sul-da-independencia-a-guerra-civil/

https://www.cfr.org/global-conflict-tracker/conflict/power-struggle-sudan

https://reporting.unhcr.org/operational/situations/south-sudan-situation

https://youtu.be/guh_NYp3SrM?si=PZhJGIZG0zYIkSHu

https://news.un.org/pt/story/2023/05/1814147

https://www.jstor.org/stable/45313944?read-now=1&seq=7#page_scan_tab_contents

https://peaceaccords.nd.edu/accord/sudan-comprehensive-peace-agreement

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51394536

https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/07/110708_sudaosul_q-a_pai 

https://concernusa.org/news/timeline-south-sudan-history/  

https://www.britannica.com/place/Sudan/Challenge-to-Bashirs-rule-and-the-2019-military-coup

https://news.un.org/pt/story/2013/05/1439351

https://news.un.org/pt/tags/abyei

https://news.un.org/pt/story/2024/01/1826987

https://news.un.org/pt/story/2025/03/1846786

https://adf-magazine.com/pt-pt/2023/12/situacao-nao-resolvida-da-regiao-de-abyei-contribui-para-surtos-de-violencia/

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/03/06/onu-libera-us-110-milhoes-para-compensar-cortes-brutais-de-ajuda-humanitaria-do-governo-trump.ghtml

https://repositorio.grupoautonoma.pt/server/api/core/bitstreams/b4b7cc6b-32f7-49d3-934b-8505604b2f4d/content

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/assassinatos-etnicos-em-cidade-do-sudao-deixaram-ate-15-mil-mortos-indica-onu/

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/sudao-podera-ter-a-maior-crise-de-deslocamento-do-mundo-diz-agencia-da-onu/#:~:text=A%20OIM%20registou%20nesta%20semana,crian%C3%A7as%20que%20est%C3%A3o%20gravemente%20desnutridas

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