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O novo conclave e a sua relevância geopolítica

O novo conclave e a sua relevância geopolítica

Por Lara Belezia e Rachel Zaleschi

No dia 21/04, segunda-feira, foi anunciado ao mundo o falecimento, aos 88 anos, do Papa Francisco. A morte do pontífice insere a Igreja Católica e o Estado do Vaticano em uma condição excepcional, na qual, após o período de luto, os cardeais irão se reunir e iniciar o conclave no dia 07/05, com o objetivo de nomear um novo líder. 

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Fonte: BBC News.

O que é o conclave?

O conclave consiste em um evento institucionalizado pelo qual é eleito o Sumo Pontífice da Igreja Católica. As eleições possuem tanto um caráter canônico, quanto político, sendo regulamentadas por meio de documentos específicos da Santa Sé e legitimadas pelo Poder Canônico. 

A organização atual da reunião de cardeais conta com a austera contribuição da Constituição Apostólica “Universi Dominici Gregis” , elaborada pelo Papa João Paulo II em 1996, a qual inovou o processo de eleição ao sistematizar regras e procedimentos eclesiais a serem seguidos. Entre os principais artigos elaborados por João Paulo II que ainda vigoram estão: o período de oito a nove dias de luto pelo que antecedem o conclave no caso da vacância devido ao falecimento do líder, o estabelecimento de eleições secretas e estritamente reclusas, a idade máxima de 80 anos para os cardeais exercerem o voto, e a necessidade de uma maioria de ⅔ para a nomeação do novo Papa. 

O conclave de 2025, convocado após o falecimento do Papa Francisco, reúne cardeais de diversas nacionalidades, e tem previsão para ser iniciado no dia 7 de maio. Segundo o chefe do escritório do Vaticano para sacerdotes, Lazarus You Heung-sik, não é esperado que os fiéis reunidos na Praça de São Pedro tardem a enxerguem a tradicional fumaça branca a qual anuncia que há um novo Papa. 

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Fonte: Getty Images.


Muito mais que um bispo: a função de um Papa no tabuleiro geopolítico 

Durante séculos, a Igreja Católica mostrou-se como um agente preponderante no andar de discussões políticas, sociais e até mesmo econômicas ao redor do mundo. Desde a Idade Média, a instituição assumiu um papel central ao tornar-se uma super burocracia, sustentada financeiramente por seus fiéis e mantida por membros clericais, que atuavam também como funcionários do Estado. Apesar das mudanças e rupturas no decorrer de sua história, a Igreja sustentou sua estrutura e hierarquia eclesiástica. Com a consolidação do papado, a suma autoridade clerical passou a exercer uma extrema influência na esfera sociocultural, ditando normas, práticas e costumes que moldaram a mentalidade cristã predominante, e ajudou a expandir a fé católica para além dos portões da Igreja. No entanto, sua profunda ligação com a política nunca deixou de existir. Pelo contrário: apenas se fortaleceu. 

Os laços existentes entre a política e a religião não são uma realidade recente. Tal relação foi uma ferramenta essencial para a manutenção da geopolítica e das relações internacionais ao longo da história. Com isso, ao contrário do que muitos possam pensar, a função papal não se limita apenas à sua atuação na esfera religiosa. Para além de representar uma unidade supranacional da Fé, o cardeal também detém uma expressiva relevância na política interna e externa ao Vaticano. Mas essa intrínseca relação nem sempre esteve presente na estrutura da Santa Sé.

Foi apenas em 1929, com a ratificação do Tratado de Latrão, assinado por Benito Mussolini e o Cardeal secretário de Estado na época, Pietro Gasparri, que a Itália reconheceu a soberania papal sob a Cidade do Vaticano. Com o tratado em vigor, as atribuições ao cargo de pontífice foram exponencialmente expandidas, e tornaram o ocupante do cargo de líder da Cidade do Vaticano um ator célebre nas relações internacionais, ao assumir o posto de chefe de Estado da Santa Sé. Desse modo, o Papa passou a atuar não apenas como máxima autoridade da Igreja Católica, mas como líder do Estado do Vaticano, responsável pela organização interna e pelas relações diplomáticas exercidas pelo  país. 

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Assinatura do Tratado de Latrão. Fonte: Vatican News.

Diante desse cenário, a Igreja Católica compreende uma organização coesa com uma estrutura hierárquica que vem consolidando sua influência há mais de dois mil anos. Do Vaticano a capelas locais, a Igreja criou um sistema internacional capaz de transmitir informações, doutrinas e ideologias de uma forma jamais feita por qualquer outra instituição religiosa. Dessa forma, ao encabeçar este mecanismo incomparável, o Papa passou a exercer a função de “político transnacional”, elevando a autoridade papal a um papel de messias diplomático, cruzando fronteiras territoriais e ideológicas a favor da paz, da solidariedade e de outros princípios cristãos.   

Quer saber mais sobre a influencia da Igreja Católica na historia? Acesse:https://laibl.com.br/cartografia-dos-primordios-a-contemporaneidade/

Paralelamente, essa influência internacional ganha ainda mais força devido às inúmeras relações que o Estado da Santa Sé mantém com distintos países. Como membro observador permanente da Organização das Nações Unidas (ONU), o país  dialoga com diversas nações, além de ter embaixadas e missões diplomáticas (conhecidas como Nunciaturas) em grande parte delas. Assim, como chefe de Estado, o Papa é responsável por assumir uma posição de interlocutor sem interesses definidos, ou seja, prezar por uma “diplomacia de paz” acima de qualquer outro interesse nacional. Por meio de visitas prestadas por diplomatas ao Vaticano e reuniões do pontífice com outros líderes e organizações mundiais, a chamada diplomacia da Santa Sé adquiriu grande prestígio internacional. O país também esteve à frente de discussões relevantes com olhar voltado para a solidariedade, garantia dos direitos humanos e preservação da paz, reafirmando a importância da capacidade de diálogo para diplomacia.

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Papa Francisco em uma reunião com o líder cubano Raul Castro, durante as mediações feitas pelo Vaticano nas negociações diplomáticas de Cuba com os EUA no governo Obama. Fonte: Getty Images.

Por sua vez, tais impactos internacionais das diretrizes do Vaticano, assim como sua relevância geopolítica, podem ser analisados do ponto de vista religioso. Nesta esfera, dentre suas funções de maior impacto global está a escrita das chamadas Encíclicas. Consideradas um meio pelo qual o Papa exerce o seu magistério ordinário, as Encíclicas são cartas, ou ainda documentos pontifícios, destinados à Igreja e aos fiéis em geral. Elas podem tratar de diversos temas, como a moral religiosa e doutrinas católicas, ou mesmo servir para comunicar decisões da Santa Sé. Mas as Encíclicas não são o único exemplo do vasto alcance do papado no cenário religioso internacional. As reformas realizadas nas diretrizes da Igreja Católica têm impacto direto na vida de milhões de pessoas. À exemplo, pode-se citar as reformas do Papa João Paulo II (em exercício de 1978 até 2005) que lançou para a fé católica o Catecismo (obra que melhor expõe a fé católica e as diretrizes da Igreja a serem ensinadas), e incentivou a maior promoção de batizados e a ampla participação dos fiéis ao redor no mundo.

Da espada ao papiro: o soft power como política externa do Vaticano

Embora a atuação diplomática oficial da Igreja Católica tenha se iniciado após a criação do Estado do Vaticano, sua influência nunca foi limitada à existência de um Estado oficial. Contudo, a Instituição nem sempre exerceu seu poder de maneira branda e, fundiu-se à máquina estatal a fim de instrumentalizar a massa de fiéis para o cumprimento dos desejos da elite. Porém, com o surgimento da Reforma Protestante e da erupção do pensamento iluminista, o conceito de laicidade do Estado se difundiu e fez com que grande parte do mundo ocidental desvencilhar-se da fusão da lei com a fé.

Com a ratificação do Tratado de Latrão, em 1929, a Igreja Católica volta a ser representada por um Estado, agora plenamente devoto às suas doutrinas, e passa a ser reconhecido na política internacional como um “Estado sem exército”, profeta da paz e advogado de grande parte das causas humanitárias. Se antes a Instituição Católica empunhava a espada de São Jorge, agora impõe os papiros de São Paulo, com encíclicas que abordam questões sociais e promovem a redação de documentos que almejam a paz, conferindo, assim, ao menor país do mundo a posição de uma potência do soft power — o poder sem o uso da força.

Um grande consolidador da política do poder brando adotada pela Igreja Católica foi o Papa João Paulo II. Considerado o “papa pop”, o líder carismático da ecclesia conquistou enorme relevância política em um tempo extremamente delicado e polarizado. Durante a Guerra Fria, teceu a construção de relações cruciais para o Estado por meio de visitas apostólicas e diálogos, como a que fez aos Estados Unidos com o objetivo de alinhar seu posicionamento com o presidente americano Jimmy Carter. Segundo Mikhail Gorbachev, o último presidente da União Soviética, “tudo o que aconteceu na Europa Oriental nos últimos anos teria sido impossível sem os esforços do papa e o enorme papel, inclusive político, que ele desempenhou na arena mundial”.

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O Papa João Paulo II (à esquerda) e Carter (à direita), falam com jornalistas na Casa Branca, em Washington, em 6 de outubro de 1979. Fonte: AFP / AFP.

Ao exercer sua influência moral de forma cativante, o Estado da Santa Sé participou de diversos diálogos a respeito de conflitos globais e foi responsável pela elaboração de várias soluções pacificadoras. Seguindo a tradição de “viajar para construir” de João Paulo II, que mediou o Tratado de Paz e Amizade, em 1984, entre o Chile e a Argentina, o Papa Francisco deu continuidade à aproximação do Vaticano com a América Latina, ao mediar a reaproximação dos Estados Unidos e Cuba e evocar a sinodalidade, por meio de atos da publicação do Sínodo da Amazônia, em 2009, o qual abriu uma porta de diálogo com populações ameríndias. 

Dois anos após a mediação política, o papa argentino executou um feito histórico na diplomacia religiosa e avançou em direção à esfera de influência oriental. Em 2016, ele se encontrou com o Líder da Igreja Ortodoxa Russa, o Patriarca Cirilo, na cidade de Havana, Cuba. A união foi extremamente significativa pois deu fim à cisma de mil anos entre o cristianismo Ocidental e Oriental, e permitiu que o Estado da Santa Sé realizasse missões onde a presença do cristianismo é pouquíssimo apreciada.

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Papa Francisco e o Patriarca Cirilo Maurix/Gamma-Rapho. Fonte: Getty Images.

A aproximação com os continentes historicamente marginalizados se tornou um traço distintivo da diplomacia atual. Atenta às fragilidades da instituição no continente americano, a Santa Sé tem intensificado as suas relações com os continentes asiático e africano, especialmente ao longo dos últimos doze anos, por meio das missões diplomáticas conduzidas pelo Papa Francisco. Essa atuação tem se revelado eficiente: o Estado, desprovido de forças armadas, aprofundou suas relações com a China com o estabelecimento de um acordo referente à nomeação de bispos no país, que vigorará até 2028, e tem expandido sua presença no continente africano de modo a respeitar às especificidades culturais e políticas dos locais onde vem atuando.  O exemplo que destaca-se o é o acordo estabelecido com Angola, em 2019, que reconheceu a personalidade jurídica da Igreja Católica no país e instituiu uma cooperação baseada em benefícios mútuos.

No entanto, a atual erosão da ordem multilateralista global coloca em xeque o papel dialoguista desempenhado pelo Sumo Pontífice. O legado de influência no cenário político, agora depende das próximas jogadas do Estado do Vaticano, que deve se sensibilizar às frequentes mudanças no cenário político e antecipar possíveis jogadas que ameacem a sua posição privilegiada no tabuleiro. Dito isso, os 133 cardeais votantes do Conclave de 2025 irão desempenhar um papel sublime para a Igreja Católica, e de certa forma, têm em suas mãos o futuro da diplomacia papal. 

A crise católica

Na atualidade, a Igreja Católica enfrenta uma crise difundida e multifacetada. Ainda que o seu legado permita uma certa perenidade de influência, a instituição se depara com a questão da queda de fiéis, em especial na América Latina, a secularização europeia e a mudança do eixo do catolicismo.

A colonização, acompanhada pelas missões civilizatórias, conferiu à América Latina uma ligação indissociável com a vertente romana da religião católica. Contudo, uma pesquisa realizada pelo Centro Pew Research, em 2014, revelou que cerca de 15% dos cidadãos da América Latina procuraram outras religiões, mesmo tendo crescido dentro da Instituição. Essa queda expressiva no número de fiéis é sintomática, e inversa ao fenômeno do crescimento do protestantismo nessa mesma região, preocupando a Igreja.

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Eventos evangélicos reúnem cada vez mais grandes multidões. Fonte: Masao Goto Filho/AE/VEJA.

Com esse cenário, a escolha do Papa Francisco, em 2013, foi uma decisão estratégica por parte do conclave. Por meio do exercício de uma fé aberta e acolhedora, o Papa argentino procurou reinventar a dinâmica, muitas vezes vista como mais elitizada, da fé católica, na tentativa de aproximar novamente o Sul Global da eclesiástica. No entanto, o pensamento pentecostal apresentou uma maior adaptabilidade no ambiente do capitalismo tardio das periferias latino-americanas.

Emergido nos anos 20, das camadas marginalizadas nos Estados Unidos, o pentecostalismo prega a presença e as ações diretas de Deus naquele que crê, em oposição à verticalidade imposta pela Instituição Católica. Essa política abrangente configurou o estabelecimento de diversos desses centros. Como exemplo, temos o Brasil que, segundo o IPEA, entre os 124.529 estabelecimentos existentes no país, 52% são evangélicos pentecostais ou neopentecostais, em oposição aos 11% de católicos. O estabelecimento desses centros, principalmente nas periferias, conferiu a essa ordem de fé uma grande massa de fiéis engajada e devota, que agora desempenha um papel crucial na política, elegendo Jair Messias Bolsonaro no Brasil, Andrés Manuel López Obrador no México e a ascensão de Luís Fernando Camacho na Bolívia.

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Fonte: Editora de Arte / FolhaPress.

Somadas a essa situação, a rápida secularização da Europa, o aumento do agnosticismo e a queda do multilateralismo entre as grandes potências, o eixo da Igreja Católica aparenta estar se desvencilhando do dogmatismo europeu e avançando em diagonal para a Ásia e África, onde o crescimento do número de fieis supera a taxa de crescimento populacional, significando que há uma onda de conversão de à fé católica nas regiões. Nesse cenário crítico, a diplomacia de Francisco executou uma espécie de “sacrifício grego”, jogada de xadrez na qual o bispo é sacrificado com o objetivo de atacar o rei do oponente. Assim, o póstumo Papa executou o seu “sacrifício romano”, no qual abriu mão de aspectos dogmáticos e eurocêntricos da fé com o objetivo de atacar a crescente impopularidade da Instituição.

O legado do Papa Francisco

Um rosto empático. Um olhar sensível. Palavras que comoveram até mesmo os não devotos aos lemas católicos. Estas são apenas algumas das qualidades pelas quais o Papa Francisco será lembrado. Sucessor de Bento XVI (2005 – 2013), o único papa a renunciar ao cargo em mais de 600 anos, Francisco foi o primeiro latino-americano a ser escolhido para o ofício, e de quebra, o primeiro não europeu a exercer a função desde o século VIII. Entretanto, seu pioneirismo não representa o único aspecto de seu legado que pode ser descrito como memorável.

Nascido em Buenos Aires, Argentina, em 1936, Jorge Mario Bergoglio deu início à carreira eclesiástica na Companhia de Jesus (Jesuíta) na década de 50. Sempre descrito como um homem simples e amável, que valorizava suas origens e a comunidade, lecionou literatura, filosofia e teologia durante as décadas de 60 e 70. Ascendeu na carreira episcopal, realizando viagens missionárias pela América Latina e tornou-se arcebispo de sua cidade natal no fim da década de 90. Participou inclusive do conclave realizado em 2005, pelo qual foi eleito Bento XVI. Em 2013, com a renúncia de seu antecessor, foi eleito chefe da Igreja Católica, e afirmou ter escolhido o nome “Francisco” pois queria seguir o exemplo de São Francisco de Assis, aquele que teria um olhar prioritário para com os mais pobres.

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Fonte: O Globo.

Francisco mudou as regras do jogo que vigoravam na Santa Sé a séculos, assumindo uma firme mudança no tom tradicionalista adotado pela Igreja até então. Passou a expressar opiniões cada vez mais diretas sobre temas polêmicos de forma ambiciosa, mas sútil, com práticas diplomáticas e jesuíticas. Voltou-se cada vez mais para o progresso, embora tenha mantido a estrutura eclesiástica de poder e certos pontos de vista conservadores acerca de temas como aborto. 

Dessa forma, o Papa Francisco buscou alterar a forma como o Estado da Santa Sé se colocava no cenário mundial. O pontífice preparou o terreno para inúmeras reformas que ele considerava necessárias nos tempos atuais. Entretanto, ciente do trabalho árduo que teria pela frente ao tentar implementá-las, Francisco passou a considerar a abertura da Igreja o primeiro passo. O papa inclusive costumava relembrar uma frase de um antigo arcebispo belga: 

“Fazer reformas em Roma é como limpar a esfinge do Egito com uma escova de dentes.”

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Papa Francisco. Fonte: Vatican News.

A partir dessa mentalidade, Francisco redigiu Encíclicas com temas recorrentes na sociedade contemporânea, como a Encíclica Laudato Si (2015), que trata das questões ambientais, e a Fratelli Tutti (2020), que aborda a importância da amizade e da solidariedade entre indivíduos, comunidades e nações. Ainda com ideias progressistas, levou a sério pautas como a diversificação do clero componente da Igreja, apoiando a maior participação de mulheres em baixos cargos episcopais e a nomeação de cardeais de regiões sub representadas e não europeias. O chamado “papa do povo” voltou-se até mesmo para a questão da relação da Igreja com a comunidade LGBTQIA+. No entanto, apesar de manifestar-se a favor da união civil entre pessoas do mesmo gênero e contra a criminalização da homosexualidade, o líder reservava opiniões conservadoras quanto à presença de homossexuais no clero ou à união matrimonial entre pessoas do mesmo gênero perante a Igreja.

Concomitantemente, com o intuito de romper o isolacionismo da Igreja em relação ao mundo, o cardeal passou a atuar como uma voz pacificadora em meio a tantos conflitos. Atuou como mediador no retorno das negociações diplomáticas entre os EUA e Cuba, durante o governo Obama, e posicionou-se abertamente contra a violência perpetrada na guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Em seu último pronunciamento, já em estado de saúde crítico, Francisco abordou a questão Palestina ao telefonar para o líder da paróquia na Sagrada Família na Faixa de Gaza, condenando os atos do Hamas e a postura agressiva de Israel. Desse modo, a voz pacificadora do pontífice atuou como exemplo da diplomacia e do diálogo em prol da resolução de conflitos ao redor do mundo, marcando o comprometimento do líder com a garantia dos direitos humanos e da paz mundial.

Ademais, seguindo as diretrizes que o levaram a adotar o nome “Francisco”, o papa denunciou a pobreza generalizada e a fome avassaladora, associando-as às consequências do imperialismo nas regiões mais afetadas. O pontífice realizou inúmeras visitas a países marginalizados ou em crise, como Síria, Sudão do Sul e Timor Leste, totalizando 65 países visitados em 12 anos de papado. Além disso, posicionou-se abertamente contra a pedofilia e os abusos sexuais cometidos, sobretudo, por membros da Igreja. O papa também buscou combater a corrupção enraizada na estrutura eclesiástica, mostrando-se a favor de uma maior transparência por parte da Santa Sé.

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Túmulo do Papa Francisco na Santa Sé. Fonte: BBC News.

Em suma, o Papa Francisco deixou sua marca como um líder político e religioso cheio de empatia e solidariedade, com um olhar sensível às questões do mundo moderno. Com a sua morte, não é apenas o luto que toma conta do coração dos fiéis, mas também a grande dúvida: o que o futuro reserva para a autoridade da Santa Sé após a sua morte? Será seguida a linha progressista de Francisco, ou haverá uma guinada de volta ao tradicionalismo?

Habemus Papam? O que esperar do Conclave de 2025

O Conclave de 2025 representa um momento decisivo para a Igreja Católica que, ao anunciar a escolha do Sumo Pontífice, anunciará para o mundo a direção espiritual e política da Igreja. 

Carregando o legado do multilateralismo do falecido Papa, 80% dos votantes foram escolhidos por ele em vida, e, entre os 133 votantes, 70 nações diferentes estão representadas. Contudo, é equivocado presumir que as nomeações feitas pelo Papa Francisco foram orientadas à continuidade de seus ideais ou à promoção de um candidato específico que deva “dar continuidade ao seu legado”, como ocorreu com Bento XVI. O sociólogo Ribeiro Neto aponta que o critério adotado para a nomeação dos cardeais parece seguir mais uma lógica de descentralização do eixo europeu da Igreja Católica do que uma linha pastoral. 

Francisco também não privilegiou segmentos da fé ao nomear os futuros votantes. O Papa procurou respeitar as nuances de autodeterminação do segmento da fé adotadas pelas nações ao escolher cardeais. Dessa maneira, nomeou candidatos que representassem fidedignamente a fé de seu povo, indicando ao conclave cardeais de diversas nuances da fé. 

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Papa Francisco em uma multidão de fiéis. Fonte: Getty Images.

Ainda assim, o caráter plural do novo Conclave não significa, necessariamente, que esta será uma reunião com um resultado progressista. O grupo que contém uma maioria mais expressiva é o dos “moderados”, o qual contém cardeais os quais não seguem em restrito posturas conservadoras ou progressistas, o que representa a tendência de escolha de um candidato forte, que se ponha à frente dos assuntos da Igreja e consiga consolidar as as reformas iniciadas por Francisco. 

O restante dos cardeais encontra-se dividido entre dois principais segmentos. A ala conservadora, a qual se caracteriza pela oposição a pautas políticas contemporâneas, tais como os direitos das pessoas LGBTQIA+ e a reavaliação do papel da mulher na Igreja, as quais avançaram ligeiramente dentro da Santa Sé durante os doze anos em que o Francisco a presidiu. Em contrapartida, a ala liberal busca aprofundar as flexibilizações progressistas no interior do dogmatismo católico, e dar continuidade ao processo de emancipação da fé de seu eixo tradicional europeu.

O colegio de cardeais conta com 252 membros, sendo 133 votantes, e entre tantos candidatos, algumas figuras se destacam. A primeira delas o Cardeal Pietro Parolin, ex -diplomata da Santa Sé e atual secretário do Vaticano, Pietro Parolin é um candidato forte devido a sua articulada rede de relacionamentos globais e a possibilidade de continuidade às reformas franciscanas.  

As alas conservadora e liberal apontam para outros dois destaques deste Conclave. Com um pensamento mais dogmático, destaca-se o cardeal Robert Sarah, natural da Guiné, o qual a postura ortodoxa e conservadora cativou um grande público nas redes sociais. Por outro lado, alinhado a uma perspectiva mais progressista, sobressai o cardeal Matteo Zuppi, atual arcebispo de Bolonha, conhecido por seu engajamento com questões sociais e pelo estabelecimento de um diálogo aberto com diferentes camadas da sociedade. 

Apesar das análises políticas a respeito do possível resultado do conclave de 2025, é necessário reconhecer que o processo de escolha do novo chefe da Igreja Católica não é meramente político, mas é um processo sacro e extremamente espiritual. Dito isso, aspectos como, a predileção popular por determinados candidatos, às posições ocupadas por eles como indicadores de sucesso dentro das eleições, entre outros, tem uma influência mínima dentro das portas fechadas da Capela Sistina.

Dito isso, o resultado do Conclave de 2025 se torna extremamente imprevisível. Isolados sob os mantos de Michelângelo, os cardeais se protegem das vozes do mundo e, assim como na cena pintada pelo mestre, são guiados pelo Espírito Santo, tocando enfim a mão de Deus, e elegendo um novo Papa, que guiará um novo mundo.

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“A criação de Adão”, por Michelangelo. Domínio público.

Referências

https://oglobo.globo.com/mundo/especial/o-que-e-um-conclave-como-funciona-veja-o-passo-a-passo-em-infograficos.ghtml

https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2025/04/21/quem-sao-os-favoritos-para-suceder-o-papa-conheca-os-cardeais-mais-cotados.ghtml

https://www-britannica-com.translate.goog/biography/Pietro-Gasparri?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=tc

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/04/21/raio-x-da-igreja-catolica-veja-o-numero-de-seguidores-no-brasil-e-no-mundo.ghtml

https://revistas.pucsp.br/index.php/culturateo/article/view/25048/17879

https://www.economist.com/graphic-detail/2025/04/17/searching-for-the-catholic-churchs-centre-of-gravity

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https://www.ipea.gov.br/portal/categorias/45-todas-as-noticias/noticias/14594-crescimento-dos-estabelecimentos-religiosos-no-pais-e-liderado-por-igrejas-pentecostais-e-neopentecostais#:~:text=Entre%20os%20124.529%20estabelecimentos%20existentes,n%C3%BAmero%20de%20estabelecimentos%2C%2014%25.

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-55965481

https://militares.estrategia.com/portal/materias-e-dicas/historia/alta-idade-media-o-papel-da-igreja-catolica-na-formacao-do-mundo-feudal

https://www.ihu.unisinos.br/noticias/546057-por-que-o-papa-francisco-e-importante-especialmente-no-mundo-de-hoje

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http://www.historia.va/content/dam/scienzestoriche/documenti/sezionestoriadellachiesa/Papal%20Diplomacy%20CURRENT.pdf

https://cursosedicoescnbb.com.br/o-que-sao-documentos-pontificios/

https://veja.abril.com.br/religiao/morte-do-papa-francisco-deixa-legado-de-simplicidade-e-impoe-dilema-a-igreja-catolica/#google_vignette

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