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A liderança do Chile na Operação Condor

A liderança do Chile na Operação Condor

O que foi o Plan Cóndor 

A Operação Condor, formalizada em 1975, foi a aliança secreta formada pelas redes de inteligência de 6 ditaduras sul-americanas: Argentina, Chile, Brasil, Uruguai, Paraguai e Bolívia. O acordo permitia a intervenção destes países na segurança nacional um dos outros desde de que com o objetivo de erradicar o comunismo no hemisfério.

Principalmente durante a década de 1970, a operação permitiu a troca de informações sigilosas sobre os inimigos políticos dos governos colaboradores e expandiu a perseguição, prisão e tortura dos opositores domésticos para além das fronteiras nacionais.

Chocando o ovo: antecedentes da Operação Condor

O Golpe de Estado de 11 de setembro de 1973 inaugurou não somente o regime militar que duraria quase 20 anos (1973-1990), como também a institucionalização da violência. A Junta de Governo liderada pelo general Augusto Pinochet reformulou as políticas de Estado, reestruturando-as a partir do Terrorismo de Estado e da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), fortemente inspirados no imperialismo norte-americano e, no caso chileno, diretamente financiados por este. Como no exemplo norte-americano, a DSN chilena traçava o perfil do inimigo doméstico e, a partir daí, definia seus alvos.

Sob o pretexto de “restabelecer a ordem” a qualquer custo, a violência já aplicada imediatamente após o bombardeio do palácio La Moneda passa ser organizada e institucionalizada a partir da criação de um órgão de inteligência capaz de monitorar as movimentações esquerdistas no país, identificar os “agentes do caos” e, mais do que isso, sem limitações de poder ao chefe de Estado, respaldar o projeto de Refundação da República. Surge, então, a DINA.

A Dirección de Inteligencia Nacional (DINA) começa a agir na clandestinidade já em 1973 sob comando do coronel Manuel Contreras Sepúlveda. O que se sabe é que, ainda em setembro desse mesmo ano, imediatamente após a deposição de Salvador Allende, Pinochet convocou Contreras para uma reunião com chefes de diversos serviços de inteligência do país. Nesse encontro, foi acordada a necessidade de se ter a disposição do governo militar um organismo superior que centralizasse as atividades de inteligência e de troca de informação entre os setores do regime

A DINA já havia começado o treinamento de seus membros e a coleta de informações sobre os militantes, inclusive com ajuda dos Estados Unidos, quando, em 5 de janeiro de 1974, sob o carimbo de “secreto”, o órgão é oficializado por Pinochet. Em seu documento de criação, ficava estabelecido os seguintes pontos: Subordinação total à Junta Militar e colaboração irrestrita quando solicitada as investigações da DINA, centralização de todas as forças policiais e militares e sigilo absoluto sobre as atividades exercidas.

 Assim como qualquer governo, o regime militar chileno não administrava somente as pastas nacionais, havia diálogos interamericanos constantes, principalmente com o forte aliado do Norte, os Estados Unidos, mas também com seus vizinhos do Sul. Em meados da década de 1970, com a inundação da onda anti-democrática na América Latina, os ventos regionais estavam a favor de Pinochet e da Junta Militar.

Fundación Documentación Y Archivo Vicaría de la Solidaridad. Decreto de Criação da DINA. Santiago, 1974

Santiago: o ninho do pássaro

Manuel Contreras e Augusto Pinochet. Fonte: ARCHIVE

No dia 26 de novembro de 1975, uma terça-feira, Augusto Pinochet deu início a sessão de abertura da cúpula em Santiago que reunia membros dos Serviços de Inteligência de seis países. Além do Chile, Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai estavam sentados à mesa para ouvir o plano chileno de atacar o inimigo em comum em qualquer parte do mundo. Conhecido como o Primeiro Encontro Interamericano de Inteligência Nacional, o meeting foi presidido pelo coronel Manuel Contreras, símbolo do sucesso do país na perseguição à oposição pelo seu trabalho estando à frente da DINA. Para Contreras, era essencial superar a informalidade na cooperação entre os países quando o assunto era a segurança nacional.

A proposta de Contreras era um plano estruturado em 3 partes: Primeiramente, a Fase Um consistia na elaboração de um banco de dados comum aos países membros. A partir de um Centro Coordenador sediado no Chile, informações sobre pessoas ou organizações subversivas seriam coletadas e compartilhadas a cada um dos serviços de inteligência participantes. A Fase Dois já requeria uma integração mais coordenada e ensaiada. A partir do banco de dados disponível, as forças policiais orquestrariam operações transfronteiriças no Cone Sul, impedindo a disseminação do comunismo internacional e ultrajando à velha regra de proteção a refugiados. Já a Fase Três, chocou até mesmo alguns dos presentes na reunião. O plano de operação visava monitorar e exterminar atividades subversivas fora da América Latina, internacionalizando o Terrorismo de Estado. A Fase Um era basicamente o alimento das fases Dois e Três de caráter operacional.

Neste dia, por sugestão de um dos coronéis da Força Aérea Uruguaia, a aliança ali formada foi batizada, em homenagem ao país sede, de Condor, nome de uma das maiores aves de rapina do mundo que sobrevoa a Cordilheira dos Andes. 

Voando como um Condor: o desenrolar da Operação

Nos primeiros dias do ano de 1976, a Operação já entraria em vigor após sua ratificação no dia 30 de janeiro. Ficou definido a criação de um sistema de informação com todas as tecnologias de espionagem disponíveis à época para o desenvolvimento da Fase Um, assim como sugerido na ata da reunião de novembro do ano anterior. O Condortel, como foi apelidado, dispunha de serviço de telégrafo, microfilmagem, recursos criptográficos, chamadas telefônicas com modificadores de voz, sistema de correios e, surpreendentemente para a época, uma rede de computadores. À ele pode-se atribuir parte do sucesso da operação que conseguiu solidificar uma base bastante robusta antes de partir para o campo das operações.

Entrando na segunda fase, um dos casos que mais marcou a história dos anos Condor, sai um pouco do eixo chileno e, embora o artigo se proponha a falar sobre o papel do Chile no desenrolar do Condor, merece ser mencionado. O sequestro do casal de jornalistas uruguaios Lilián Celiberti e Universindo Díaz, em Porto Alegre, em 1978, por militares uruguaios e por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) explicitou a facilidade em ignorar fronteiras e soberanias da Operação Condor. O Brasil, que entrara no acordo posteriormente, já em 1976, também dialogava diretamente com os Estados Unidos, tendo participação ativa, inclusive, no golpe de 1973 que depôs o presidente Salvador Allende. O sequestro dos uruguaios, como muito bem narrado na obra de mesmo nome do jornalista Luiz Cláudio Cunha, foi um caso fora da curva em que o modus operandi dos agentes do Condor foi fracassado quando da descoberta do ato pelo jornalista da Veja, mas, ainda sim, é um retrato de seu tempo. 

O presidente Geisel (de terno) recebe os cumprimentos do general Augusto Pinochet ao tomar posse, em 1974. No ano seguinte, equipou o exército chileno para a repressão interna Foto: O Globo / Arquivo

Para completar os anseios do coronel Manuel Contreras, só faltava uma coisa: internacionalizar a rede de operações. Chegava a hora de reger a terceira, e mais ambiciosa, fase do plano e ultrapassar as fronteiras da América Latina. Obviamente, o símbolo máximo da Fase Três do Condor só poderia ser chileno, um inimigo de Pinochet “escolhido a dedo”. Em setembro de 1976, o ex-ministro chileno Orlando Latelier, foi assassinado a poucos metros da Casa Branca

O caso Latelier

Fotografía de Orlando Letelier no Museu da Memória e dos Direitos Humanos, Santiago, Chile

Orlando Latelier nasceu em Temuco, uma cidade ao sul de Santiago, em 1932. 44 anos depois, sua nacionalidade seria retirada, dando à ele a imposta posição de apátrida. Às vésperas do aniversário do Golpe, em 10 de setembro de 1976, o líder chileno anulou sua nacionalidade através da promulgação do decreto-supremo 588. Latelier foi um dos mais emblemáticos inimigos do regime militar desde os primeiros instantes do bombardeamento de La Moneda. Ainda ocupava o cargo de ministro da Defesa de seu amigo pessoal, Salvador Allende, quando se tornou um dos primeiros presos políticos de alto escalão do regime, sendo torturado por 12 meses em diversas prisões pelo país. 

O ex- ministro conseguiu se exilar em Washington após escapar das prisões clandestinas no Chile. Já nos EUA, se ergueu rapidamente como um dos mais críticos opositores do governo militar. Usando de sua influência com os congressistas norte-americanos e de seus contatos da época que atuou como embaixador no país, Orlando Latelier teve participação em duas decisões que afetaram diretamente Pinochet e a Junta. A primeira sendo a aprovação da emenda Kennedy que demandava a suspensão da assistência militar norte-americana ao Chile e condicionava sua retomada ao melhoramento efetivo da situação dos direitos humanos. E a segunda, o bloqueio de empréstimos holandeses ao Chile. Ambas em meados de 1976.

Em 1987, em um memorando que permaneceria secreto por décadas, George Schultz, secretário de Estado dos EUA na época, informava ao presidente Ronald Reagan que, segundo fontes confiáveis da Central de Inteligência Americana (CIA), o general Augusto Pinochet tinha ordenado pessoalmente a morte de Letelier. Além disso, o caráter internacionalista do atentado não se limita somente às relações bilaterais entre Washington e Santiago. Para elaborar o atentado contra a vida de Latelier, Pinochet contou com a ajuda do também ditador Alfredo Stroessner, para a emissão de dois passaportes paraguaios em nome dos agentes da DINA, Armando Fernández Larios e Michael Townley, responsável por armar as bombas que matariam o político chileno. O ocorrido foi a maior realização da Operação Condor e o símbolo do êxito da Fase Três. Contudo, o feito seria o início da lenta queda de Augusto Pinochet, que só cairia de fato em 1990. 

Orlando Latelier foi dado como morto às 9h50 da manhã do dia 21 de setembro de 1976 junto a sua assistente, Ronni Moffitt, vítimas do atentado arquitetado pelo Condor, e encabeçado pela DINA, que explodiu seu carro naquele dia. A morte de uma cidadã estadunidense e de um político do calibre de Latelier, a poucos quilômetros da Casa Branca, estremeceu as relações bilaterais entre EUA e Chile ao acender o alerta vermelho no Departamento de Estado norte-americano. 

O atual presidente do Chile, Gabriel Borich, presta homenagem a Latelier e Moffitt em frente ao memorial em Washington. Fonte: Governo do Chile

Repercussões a longo prazo

Seis meses depois do homicídio de Orlando Latelier e sua assistente, a DINA foi dissolvida e substituída pela Central Nacional de Informações (CNI). Nos anos seguintes, as tensões regionais do Chile com o Peru, Bolívia e, principalmente, com a Argentina enfraqueceriam a teia tecida pela Operação Condor. Acredita-se que uma das últimas ações do Condor tenha sido a desarticulação de um grupo de guerrilheiros peruanos em 1980. Nas décadas seguintes, processos de redemocratização simultâneos pegariam fôlego no Cone Sul. Sobre a perspectiva de uma diplomacia globalizada menos hostil florescente no final do século XX, uma a uma, as ditaduras instauradas na onda antidemocrática das décadas de 60 e 70 foram caindo. O Chile resistiu, foi o último regime a ser substituído somente em 1990. 

Mural de fotos das vítimas do regime pinochetista no Museu da Memória e dos Direitos Humanos, Santiago, Chile. Fonte: Acervo Pessoal – Marcela Caproni

Fontes:

  1. QUADRAT, Samantha Viz, “Operação Condor: o “Mercosul” do terror”. Estudos Ibero-americanos, Porto Alegre, v. XXVIII, n. 1 (jun. 2002).
  2. DE MATTOS, Renata dos Santos, “A dirección de inteligencia nacional (DINA), o terrorismo de estado no Chile e as relações com o imperialismo estadunidense (1973-1977)”, Dissertação de Mestrado, UFRGS, Porto Alegre (2019), p. 35.
  3. RABE, Stephan, Kissinger and Latin America: Intervention, Human Rights, and Diplomacy. Ithaca, Cornell University Press, 2020, p. 2.
  4. MANZANO, Valeria, “Sex, Gender and the Making of the ‘Enemy Within’ in Cold War Argentina.” Journal of Latin American Studies, Cambridge, Cambridge University Press, vol. 47, n. 1 (fev. 2014), pp. 19-24.
  5. MENDES, Clécio Ferreira, “IDEOLOGIA E PODER NO CHILE: A DINA e a repressão na ditadura do general Augusto Pinochet”, XVII Simpósio Nacional de História, AMPUH, Natal (jul. 2013), p. 1. 
  6. DINGES, John, Os Anos do Condor: uma década de terrorismo internacional no Conde Sul. São Paulo, Companhia das Letras, 2005, p. 32
  7.  BRAGA, Leonardo Marmontel, “Operação Condor: A internacionalização do terror”. Estudios Avanzados, Santiago, n. 21 (jun. 2014), p. 119.
  8. DE LIMA, Gabriel Amato Bruno, “Voando como um Condor: a Operação Condor segundo John Dinges”. Veredas da História, [on line], v. 3, n. 2 (2010). 
  9. SIMON, Roberto, O Brasil Contra a Democracia – A Ditadura, O Golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul. São Paulo, Companhia das Letras, 2021, pp. 179 – 185. 
  10.  CUNHA, Luiz Claudio, El secuestro de los uruguayos – un reportaje del tiempo de la dictadura. Motevideo, SERPAJ, 2017.
  11. DE SOUZA, Fabiano Farias, “Operação Condor: Terrorismo de Estado no Cone Sul das Américas”. AEDOS, Porto Alegre, n. 8, vol. 3 (2011), p. 160.
  12.  AVILA, Carlos Federico Domínguez, “O Caso Latelier quarenta anos depois, 1976-2016”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Brasília, vol. 32, n. 95 (2017), p. 5.
  13. As pernas cortadas de Orlando Letelier. CartaCapital, https://www.cartacapital.com.br/blogs/brasil-debate/as-pernas-cortadas-de-letelier-sobre-violencia-e-neoliberalismo/, 20  jun. 2017. 



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