Da Alemanha oriental socialista até a AfD : A guinada do leste alemão para a extrema-direita 35 anos após a reunificação.
Por Lucas Meurer e Enrico Spinelli.
Após o colapso da última coalizão entre os partidos social-democrata, verde e liberais, foram realizadas eleições novamente na Alemanha em fevereiro de 2025. O partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) teve o seu melhor resultado nacional, obtendo cerca de 20% dos votos, sendo o segundo partido mais votado. Observando a porcentagem de votos da AfD por distrito, fica óbvio que a força eleitoral do partido vem do leste alemão. A AfD conseguiu 38,6% na Turíngia, 37,3% na Saxônia, 37,1% na Saxônia-Anhalt, 35,0% em Mecklemburgo, e 32,5% em Brandenburgo. Todos esses estados faziam parte da antiga República Democrática Alemã, um estado socialista.
Esse histoRIando buscará responder essas perguntas: Por que uma parcela considerável dos eleitores do leste alemão, muitos dos quais viveram o período socialista, estão optando por um partido de extrema direita trinta e cinco anos após a reunificação alemã? Como a divisão da Alemanha na Guerra Fria entre duas Alemanhas com sistemas econômicos e políticos antagônicos molda os resultados eleitorais hoje em dia?

Após o fim da segunda guerra mundial, a Alemanha foi dividida em 4 zonas de ocupação pelas potências vitoriosas. Os Estados Unidos, União Soviética, França e Inglaterra deram início a um processo de desmilitarização e desnazificação da sociedade alemã. Posteriormente, as 3 zonas ocidentais se fundiram, dando origem à República Federal Alemã. A zona soviética se transformou na República Democrática Alemã (RDA) em 1949. A criação de dois estados alemães foi consequência direta da bipolaridade entre os EUA e a URSS que caracterizou a guerra fria. A República Federal Alemã (RFA) estabeleceu uma democracia liberal capitalista alinhada aos EUA, enquanto a República Democrática Alemã se tornou um regime socialista autoritário de partido único alinhado à URSS. No Brasil, pouco se estuda sobre a República Democrática Alemã. Neste artigo, buscaremos nos aprofundar mais sobre esse país.

A Alemanha Oriental socialista era um estado muito mais diverso do que se imagina. Esse país, que durou cerca de 40 anos, teve um desenvolvimento político e econômico muito distinto da Alemanha Ocidental. A RDA, ao contrário da RFA, não se beneficiou do plano estadunidense de ajuda econômica para a reconstrução no pós-guerra, conhecido como Plano Marshall. Assim, a Alemanha Oriental não teve acesso aos bilhões de dólares que a Alemanha Ocidental teve para reconstruir a sua infraestrutura e economia. A União Soviética também extraiu o equivalente a bilhões de marcos em reparações de guerra da sua zona de ocupação, que se tornaria a República Democrática Alemã. Ferrovias, fábricas e maquinários no leste alemão foram desmontados e enviados para a União Soviética. Uma parcela considerável da produção industrial da RDA também foi enviada para lá até 1953. Além disso, a RFA era territorialmente muito maior, mais populosa e mais rica em recursos naturais que a RDA, contando ainda com o coração industrial da Alemanha: o Vale do Ruhr. Portanto, é perceptível que os dois estados alemães que surgiram das divisões políticas e ideológicas da Guerra Fria tiveram pontos de partida econômicos muito distintos.

Política e sociedade na RDA
A RDA tinha um sistema político autoritário, já que o poder residia na alta cúpula do partido da unidade socialista, que governava o país por meio do SED (Partido Socialista Unificado da Alemanha), o qual possuía um sentimento de medo e desconfiança contra seus próprios cidadãos. Logo, o partido utilizava a coerção e a ameaça de violência contra opositores políticos, assim como a censura, repressão e vigilância excessiva contra a população. Havia eleições, mas a votação era apenas simbólica, já que todos os candidatos foram pré-selecionados pelo partido. Mesmo assim, é notável que a RDA tenha alcançado o maior padrão de vida de todo o bloco socialista na Guerra Fria. A Alemanha Oriental possuía um sistema de creches universal, níveis baixos de desigualdade e criminalidade, moradia e acesso à saúde garantidos à população. Havia uma ênfase nessa sociedade em valores como solidariedade, ajuda e apoio mútuo, bem como um forte senso de comunidade e coesão social. Os cidadãos não tinham direitos políticos, mas tinham direitos sociais e econômicos garantidos pelo estado, já que as suas necessidades básicas eram asseguradas.

No final da década de 1980, a insatisfação da população com o regime da República Democrática Alemã atingiu seu ápice. Houve uma onda de protestos populares pedindo por reformas e pela liberalização do regime. Os manifestantes queriam direitos como liberdade de expressão, assembleia e movimento. Havia também uma crise do socialismo como sistema econômico, que apesar de promover avanços sociais notáveis, falhou em entregar o mesmo nível de prosperidade dos países da Europa Ocidental. A própria RDA passava por uma crise de dívida e financeira, o que enfraqueceu severamente o regime. Em 1989, o governo da RDA anunciou sob imensa pressão o fim das restrições de viagens internacionais para a população. Milhares de pessoas se dirigiram ao Muro de Berlim, e os guardas fronteiriços não tiveram opção senão deixar os alemães orientais cruzarem a fronteira para Berlim Ocidental. Manifestantes começaram a destruir o muro, resultando no fim da divisão entre as duas Alemanhas e a posterior reunificação do país em 1991.
Reunificação e choque econômico
Após a queda do muro de Berlim, houve o início do processo de reunificação das duas Alemanhas. Na esfera econômica, isso foi marcado pela privatização das empresas estatais da antiga Alemanha Oriental socialista. A RDA possuía um sistema econômico de planejamento central, onde comitês do estado eram responsáveis por alocar os recursos para a produção industrial e agrícola. Nesse processo de transição de uma economia socialista para uma capitalista, mais de 3400 fábricas foram privatizadas e vendidas para competidores da Alemanha Ocidental. Muitas empresas foram fechadas posteriormente. Esse processo de privatização, junto com uma união monetária apressada entre as duas Alemanhas, resultou num grande choque econômico e na desindustrialização do leste alemão. No início dos anos 2000, a taxa de desemprego no leste beirava os 20%. Isso fez com que muitos alemães orientais migrassem para a Alemanha Ocidental após a queda do muro em busca de melhores oportunidades de trabalho, o que apenas exacerbou o declínio populacional da região. A Alemanha Oriental foi a região mais afetada do antigo bloco soviético pela desindustrialização e pelo desemprego em massa após o fim do socialismo, resultando numa desestruturação dessa sociedade e um grande trauma econômico. Apesar de o choque econômico ter sido mitigado pela integração do leste alemão no estado de bem-estar social alemão, ainda hoje os estados do leste alemão possuem menos investimentos, maior taxa de desemprego e uma renda per capita menor que a Alemanha Ocidental.
O processo de reunificação também foi marcado por um sentimento de “colonização econômica” por parte da Alemanha Ocidental. Muitos alemães ocidentais foram para a Alemanha Oriental para assumir cargos de gerência no serviço público e privado, já que muitos funcionários do partido socialista haviam sido demitidos. Isso gerou um clima de ressentimento entre os alemães orientais, que viram elites políticas e econômicas ocidentais assumindo cargos de liderança no leste alemão após a reunificação. Ainda hoje, muitos alemães orientais se sentem “cidadãos de segunda classe” em seu próprio país.
Historicamente, partidos fascistas e de extrema-direita prosperam em cenários de insegurança e insatisfação econômica. O desespero generalizado resultante de crises econômicas é comumente utilizado por políticos fascistas para atingir seus objetivos. Em seus infames discursos, Hitler atribuiu a culpa da crise econômica de 1929 aos judeus. É consideravelmente mais fácil convencer e iludir um eleitorado socialmente e economicamente vulnerável. Com a AfD não é diferente. O partido se beneficia da fragilidade e do trauma econômico experienciado pelo leste após a reunificação e por um sentimento compartilhado pelos alemães do leste de terem sido “deixados para trás” pelo processo de reunificação. A AfD não precisa resolver de fato os problemas da população, mas apenas dar a impressão aos eleitores que eles estão sendo ouvidos e que suas angústias e preocupações são válidas e importantes. Apesar do partido defender na prática uma agenda neoliberal que prejudicaria seus eleitores, a AfD angaria considerável suporte no leste entre as classes média e baixa. Com a Guerra da Ucrânia e as sanções ocidentais ao gás e ao petróleo russo, o custo da energia e o custo de vida aumentaram consideravelmente na Alemanha, o que somado com baixo crescimento econômico, aumentou o grau de insatisfação da população. Isso contribuiu ainda mais para a força eleitoral da AfD nas eleições nacionais de 2025.
Imigracão nas duas Alemanhas e a AfD
A República Democrática Alemã era um estado bastante etnicamente homogêneo. Em 1989, enquanto 8% da população da Alemanha Ocidental era composta de imigrantes, apenas 1% da população da Alemanha Oriental pertencia a esse grupo. Assim, os alemães orientais tiveram significativamente menos experiência com outras culturas do que os alemães ocidentais. Atualmente, o leste alemão permanece uma sociedade demograficamente mais branca, masculina, e velha, com imigrantes ou descendentes de imigrantes representando cerca de 11,4% da população. No ocidente, os imigrantes e seus descendentes são 32,9 % da população. Assim, a Alemanha Ocidental possui uma sociedade muito mais diversa que a Alemanha Oriental. Lá, há uma maior concentração de imigrantes principalmente devido ao maior número de empregos e oportunidades econômicas disponíveis. No ocidente, os imigrantes estão muito mais presentes em diversos setores da sociedade e da economia, como saúde, educação, setor de serviços e indústria. No leste alemão, por outro lado, os imigrantes estão bem menos presentes na sociedade e enfrentam maior marginalização. Um nível baixo de interação multicultural e convívio com pessoas de etnias diferentes no leste pode fazer o eleitorado mais suscetível a narrativas anti-imigração.

Um dos principais motivos que fazem eleitores alemães tanto no oeste quanto no leste escolherem a AfD é a oposição à imigração, que é uma das principais plataformas do partido. Um dos motivos que explicam o sucesso eleitoral da AfD no leste é a maior presença de um sentimento de hostilidade e rejeição da população contra imigrantes, que seriam menos tolerantes devido a um baixo nível de diversidade cultural e étnica na região. O baixo contato no cotidiano com pessoas de culturas diferentes impossibilita a desconstrução de preconceitos contra tais culturas, facilitando o surgimento de atitudes preconceituosas ou racistas. A AfD utiliza a retórica anti-imigrante de modo a construir uma narrativa onde a Alemanha estaria perdendo sua soberania, o controle sobre as suas fronteiras e sua identidade cultural devido a imigração. O partido apresenta a imigração como uma questão de “perda de controle”, um discurso que ressoa com uma população já ansiosa e incerta em relação ao futuro. Assim, a AfD defende que a identidade étnica e cultural alemã estaria sendo ameaçada pela imigração de pessoas não-brancas, e se apresenta como o único partido capaz de defender os alemães. Portanto, o partido desumaniza os imigrantes, utilizando esse grupo como bode expiatório para mobilizar suas bases e angariar apoio.
Recentemente, a AfD popularizou o uso do termo “remigração”, defendendo a deportação em massa da Alemanha de todos os imigrantes e seus descendentes que não estivessem integrados à cultura alemã. A radicalização progressiva da AfD não prejudicou sua performance eleitoral, muito pelo contrário, apenas normalizou ainda mais o discurso de extrema-direita na sociedade alemã. Há uma clara semelhança entre o plano de deportação em massa da AfD com a deportação dos judeus durante a Alemanha nazista.
Autoritarismo e aspectos culturais do leste
Apesar do processo de reunificação ter sido completado há mais de 30 anos, as diferenças culturais entre leste e oeste ainda permanecem. A Alemanha Oriental viveu durante 1949-1990 sob um sistema autoritário socialista. Os cidadãos do leste alemão não tinham liberdade de expressão, de ideias ou de associação política, e viviam em uma economia planificada, ou seja, controlada plenamente pelo Estado. Havia poucos estrangeiros no país e viajar para o ocidente não era permitido. Durante os 41 anos sob esse sistema político, os cidadãos incorporaram diversos ideais e valores depositados sobre eles, algo que permanece até hoje. A maior base de eleitores da AfD são pessoas com idade entre 40-59 anos, justamente as que cresceram e foram educadas na Alemanha Oriental socialista. Em sistemas autoritários, há um espaço limitado para o desenvolvimento de pensamento político independente e capacidade crítica, já que o cidadão deve aceitar as normas políticas e sociais impostas pelo governo. A Alemanha Oriental possui um sistema político e econômico altamente centralizado, onde o estado era o principal responsável por prover e cuidar da população. Assim, não é necessário tomar tantas decisões, já que o próprio estado decide pelos cidadãos em um sistema autoritário. Um exemplo disso é que na RDA havia uma agência estatal que organizava quando e onde os trabalhadores tirariam férias, algo impensável em democracias liberais. O fato de os alemães orientais terem sido socializados em um sistema autoritário como a RDA se traduz hoje em dia em uma população mais propensa a aceitar uma liderança forte e central em tempos de incerteza, já que há uma expectativa de que esse é o papel do estado. As pessoas estavam acostumadas a uma liderança forte e centralizada, com estruturas políticas claras e fixas, o que pode fazer com que a narrativa da extrema-direita, que normalmente é simples e autoritária, seja mais sedutora.
Após a reunificação da Alemanha e o fim da Guerra Fria, o leste foi introduzido ao mundo capitalista. Foi dado início a um processo de desestruturação social e política dessa sociedade, já que os alemães orientais viram seu estado colapsar rapidamente, com o leste sendo incorporado a república federal alemã. Os valores socialistas como igualdade e senso de comunidade foram substituídos pelo consumismo, competição e livre mercado. Professores universitários, artistas e administradores de instituições culturais foram demitidos e substituídos por alemães ocidentais. Com isso, as experiências de vida na RDA foram tratadas como se não importasse, alimentando o sentimento de “cidadãos de segunda classe” compartilhado entre muitos alemães do leste atualmente.
No leste alemão há, de forma geral, uma grande decepção com a democracia liberal, que é considerada instável e imprevisível. Atualmente, a política alemã também vive momentos de instabilidade, devido ao desmantelamento da Grande Coalizão, às divergências políticas no cenário interno, e o aumento do custo de vida na Europa em razão da Guerra na Ucrânia. A desigualdade social também tem crescido na Alemanha nos últimos anos, retomando o sentimento de grande decepção com a democracia liberal, levando essa população, que já apresenta um menor vínculo para com os partidos políticos tradicionais, a procurar por alternativas. Esses fatores colaboram para uma romantização do período autoritário vivido entre 1949 e 1990 na RDA. Embora a população fosse privada de muitos direitos políticos, suas necessidades básicas eram atendidas pelo governo socialista, e a instabilidade política era muito menor do que se vivencia na democracia liberal. Há um sentimento no leste de que se pode viver muito bem em sistemas autoritários e um anseio coletivo por um Estado que volte a se preocupar em atender as necessidades básicas da população.
Portanto, nota-se que a desilusão pela democracia liberal, a decepção com a atuação política partidária alemã no leste e o sentimento de segunda classe que muitos compartilham levam grande parte da Alemanha Oriental a romantizar o governo autoritário socialista que comandou a região entre 1949 e 1990, marcado por uma liderança central e fortalecida, por pouca instabilidade política e por propostas que buscavam atender as necessidades básicas da população. Sob essas condições, o partido de extrema-direita alemão AfD surge como alternativa, com propostas e discursos que ressoam com mais força no leste, onde a insatisfação da população com o sistema político e os partidos tradicionais, além de sua suscetibilidade a discursos autoritários, favorece um partido extremista e populista como a AfD.
Política na Alemanha reunificada e a ascensão da AfD
Após a queda do Muro de Berlim, se deu início ao processo de reunificação das duas Alemanhas. Em 1990, os alemães do leste puderam, pela primeira vez em 44 anos, votar em eleições livres e justas em quem os representaria no Parlamento. Com o slogan “Socialismo nunca mais”, a coalizão CDU (União Democrata Cristã)- CSU (União Social Cristã), apoiada pelo chanceler da Alemanha ocidental Helmut Kohl, venceu as eleições, dando o primeiro passo político rumo à reunificação. Tal coalizão permaneceu no poder de 1990 a 1998. Apesar da vitória no Parlamento, o processo de reunificação com a Alemanha Oriental ainda não estava plenamente garantido, uma vez que soldados do Exército Nacional Popular (as forças armadas da RDA, em especial os de alta patente), ainda apoiavam o antigo governo socialista e, por isso, havia o risco de um movimento contrário em resposta à ocidentalização da Alemanha Oriental. Contudo, após uma reforma forçada, a nova liderança do SED descartou o uso da força contra a população civil.
De 1990 a 1998, a coalizão entre os democratas cristãos e os social-democratas comandou a nova Alemanha reunificada . Porém, uma crise econômica fez a coalizão colapsar nas eleições de 1998, abrindo espaço para uma nova coalizão entre os Social-Democratas e o Partido Verde. Assumindo o poder em 1998, o governo entre social-democratas e o partido verde permaneceu até 2005, aprovando diversas pautas que geraram certa instabilidade política, como uma nova lei de imigração que facilitava a integração e estadia de imigrantes e refugiados no país.
O fortalecimento da extrema direita se concretizou durante o governo da chamada “Grande Coalizão” entre CDU e SPD, que durou de 2005 a 2021, sob a chancelaria de Angela Merkel, tratada durante muito tempo como “ A mulher mais poderosa do mundo”. Seu governo representou um marco importante para o futuro fortalecimento da AfD. Durante sua chancelaria, Merkel “abriu as portas” aos imigrantes, recebendo milhões de requerentes de asilo, principalmente refugiados sírios. Esse salto repentino no número de refugiados e imigrantes que entraram na Alemanha beneficiou eleitoralmente a AfD, que associou os imigrantes ao aumento da criminalidade e os retratou como uma ameaça à sociedade e à identidade cultural alemã. A decisão de Merkel de acolher os refugiados intensificou os atritos dentro de sua coalizão. A postura anti-imigração e xenofóbica da AfD rapidamente ganhou espaço na mídia e apoio popular, fortalecendo uma narrativa política de extrema-direita que culpava os imigrantes pelos problemas sociais da Alemanha.
A AfD (Alternativa para a Alemanha) foi fundada em 2013, sendo inicialmente um partido de orientação liberal favorável à saída da Alemanha da zona do euro. Porém, a AfD se radicalizou rapidamente, ganhando espaço no noticiário em 2015 pela sua retórica anti-imigração, já que a Alemanha havia acabado de receber 1 milhão de refugiados sírios. Nesse momento, sua aprovação começa a crescer consideravelmente nos estados federativos do leste, já que uma boa parcela da população era contrária a imigração. A AfD foi classificada recentemente pelo tribunal de proteção a constituição alemão como “garantidamente extremista de direita”, o que significa que o próprio estado alemão reconhece que a AfD representa uma ameaça a ordem democrática alemã. Não é raro que líderes políticos da AfD façam apologia ao nazismo. Bjorn Höcke, o líder estadual da AfD na Turíngia, utilizou em um de seus discursos um slogan da era nazista (“Tudo pela Alemanha”), e foi condenado a pagar uma multa por um tribunal alemão. O partido também é acusada de relativizar e minimizar o holocausto. Embora apenas uma minoria dos eleitores da AfD possuam uma visão de mundo neonazista, a alta cúpula do partido certamente simpatiza, de forma implícita ou não, com muitas dessas ideias racistas.

Outro fator relevante para entender a força da AfD no leste é o contato tardio do eleitorado com a política partidária-eleitoral. Enquanto o sistema multipartidário alemão foi estabelecido apenas em 1990 no leste alemão, na Alemanha Ocidental esse sistema estava em vigor desde 1948. Assim, o vínculo partidário entre os partidos tradicionais alemães e o eleitorado do leste é consideravelmente menor do que na parte ocidental da Alemanha. No oeste alemão partidos como o SPD (social-democratas) e o CDU (democratas-cristãos) já têm muitos redutos eleitorais consolidados há décadas, enquanto no leste isso é algo menos comum. Isso faz com que partidos anti-establishment como a AfD tenham maiores chances de conquistar o voto da população no leste. No leste alemão, há também um grande sentimento de insatisfação com a representação política. Muitos alemães do leste não se sentem representados pelas elites políticas e pelos partidos tradicionais, que, na visão desse eleitorado, não levam seus problemas e angústias a sério.
A AfD se aproveita desse sentimento generalizado de insatisfação ao afirmar que é o único partido que escuta as demandas políticas dos cidadãos e defende seus interesses. Muitos desses eleitores acreditam que as elites liberais estão destruindo a Alemanha ao impor uma agenda “multiculturalista” pró-imigração. A AfD propaga essa narrativa, culpando os imigrantes pelos problemas econômicos e sociais do país. O partido sabe utilizar as redes sociais para aumentar seu apoio e atingir mais eleitores, sendo o partido alemão mais popular no TikTok. A AfD também consegue atrair jovens desiludidos com a situação econômica e política do país, principalmente no leste, que possui uma economia mais frágil. Conservadores que também estão desiludidos com a atual situação econômica, social e migratória do país tem se deslocado em direção ao espectro mais radical da política.

Fontes:
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/1467-923X.12859
https://thesis.unipd.it/handle/20.500.12608/68197
https://www.zdf.de/nachrichten/politik/deutschland/afd-wahlerfolg-protest-parteien-100.html
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