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Eleições na Venezuela

Eleições na Venezuela

Chavismo 

Maduro é internacionalmente conhecido como o sucessor de Hugo Chávez, criador do movimento político que levou seu nome, o chavismo. Este possui suas raízes em correntes socialistas, nacionalistas e no bolivarianismo. Essa corrente tem impacto significativo na Venezuela uma vez que Hugo foi presidente do país de 1999 até 2013 quando Maduro assumiu a presidência, cargo que possui até hoje com o novo mandato.
Hugo Chávez subiu ao poder em um momento de instabilidade e de muitos olhares sobre a Venezuela pela questão das reservas de petróleo, uma vez que elas são as maiores de todo o mundo. Desse modo, ele utilizava de um discurso que prometia a redistribuição das riquezas obtidas pelo petróleo venezuelano, o combate à pobreza e o fim da corrupção. Tudo isso com inspirações em Simón Bolívar, ícone da luta pela independência da América espanhola, uma vez que Chávez dizia muito a respeito das intervenções estrangeiras no país por conta do petróleo venezuelano. Nesse sentido, o chavismo se pauta, principalmente em uma retórica anti-imperialista, principalmente contra os Estados Unidos, a intervenção estatal na economia e a nacionalização de indústrias petrolíferas estratégicas.
Em seus governos, Chávez ficou conhecido pela implementação das “Missões Bolivarianas”, uma série de políticas públicas sociais que visavam o melhoramento  do acesso à saúde, educação, e moradia principalmente para as camadas mais pobres da população. Isso foi financiado pela receita da produção do petróleo venezuelano, que estava especialmente em alta no início dos anos 2000 graças ao boom dos commodities. Além disso, Hugo também foi responsável por passar reformas constitucionais que permitiram a concentração no poder nas mãos do presidente e a reeleição indefinida.
Muitas críticas são feitas ao chavismo ao apontarem a centralização do poder, falta de transparência, restrição de liberdades e má gestão econômica nas lideranças. Por ser altamente dependente apenas no petróleo, sem algum tipo de diversificação, a economia venezuelana entrou em uma crise econômica profunda, que é acentuada por sanções econômicas impostas por países opositores e gera também uma crise humanitária no país.

Os governos de Maduro

Nicolás Maduro, presidente venezuelano eleito para seu terceiro mandato.

Nicolás Maduro assumiu a presidência da Venezuela pela primeira vez em 2013, após a morte de Hugo Chávez, sendo o sucessor escolhido pelo próprio chavista. O presidente passou por forte oposição interna e externa desde o início de seu mandato.
Ele herdou um país já passando por certas dificuldades financeiras que se aprofundaram em seu mandato. Isso pelo fato de que a economia venezuelana é fortemente dependente do petróleo, que passou por uma queda de preços, causando uma crise econômica profunda no país, o que desencadeou uma hiperinflação, a desvalorização da moeda e escassez de produtos básicos para a população. O primeiro mandato de Maduro foi marcado por uma crescente crise humanitária e econômica, uma erosão das instituições democráticas e um isolamento crescente da Venezuela na arena internacional.
Maduro foi reeleito em 2018 em uma eleição amplamente contestada, com denúncias de fraude e boicote por parte da oposição. Muitos países, incluindo os Estados Unidos e membros da União Europeia, não reconheceram a legitimidade de sua reeleição. A crise econômica se intensificou durante o segundo mandato, com a inflação atingindo níveis hiperinflacionários e a pobreza aumentando drasticamente. Milhões de venezuelanos fugiram do país em busca de melhores condições de vida, criando uma das maiores crises migratórias da América Latina. Além disso, Maduro enfrentou sanções internacionais mais severas, principalmente dos EUA, que visavam enfraquecer seu regime
Em janeiro de 2019, Maduro começou a ter que lidar com uma oposição cada vez mais efetiva e furiosa, com Juan Guaidó, no momento presidente da Assembléia Nacional, proclamando-se presidente interino da Venezuela, desafiando diretamente Nicolás. Guaidó foi rapidamente reconhecido por mais de 50 países, mas Maduro manteve o controle das instituições do Estado e do apoio militar. Esse “governo interino” durou até o início de 2022, quando Guaidó deixou o país.

Relação com o Brasil nas últimas décadas

Nicolás Maduro assumiu seu primeiro mandato enquanto no Brasil Dilma Rousseff era a presidente. Ela manteve a política de proximidade com a Venezuela, mas essa relação começou a enfrentar desafios devido à crescente crise econômica na Venezuela. O colapso da economia venezuelana começou a afetar o comércio bilateral e as relações políticas. Nos últimos anos de seu mandato, Dilma começou a enfrentar pressão interna e internacional para criticar mais abertamente a situação política na Venezuela, especialmente em relação à repressão de protestos e violações dos direitos humanos.
Com a ascensão de Michel Temer à presidência após o impeachment de Dilma Rousseff, o Brasil adotou uma postura mais crítica em relação ao governo de Nicolás Maduro. O Brasil, sob Temer, juntou-se a outros países da região para condenar as práticas autoritárias do regime venezuelano. O governo de Temer reconheceu Juan Guaidó, líder da oposição, como presidente interino da Venezuela, juntando-se à pressão internacional para que Maduro deixasse o poder. A crise migratória venezuelana também se tornou uma preocupação significativa, com o Brasil recebendo um grande número de refugiados venezuelanos na fronteira norte.
Durante o governo Bolsonaro, as relações entre Brasil e Venezuela se deterioraram ainda mais. Bolsonaro, alinhado com a política externa dos Estados Unidos sob Donald Trump, foi um dos críticos mais ferozes do regime de Maduro. O Brasil continuou a reconhecer Juan Guaidó como presidente legítimo da Venezuela. A crise migratória intensificou-se, com milhares de venezuelanos cruzando a fronteira para o Brasil.
Em 2023, com o retorno de Lula à presidência, houve uma tentativa de reaproximação com a Venezuela. Lula tem procurado restaurar laços diplomáticos e econômicos, buscando uma posição mais conciliadora e crítica à política de isolamento imposta durante o governo Bolsonaro. A ênfase tem sido na solução pacífica para a crise venezuelana e no fortalecimento do diálogo regional. O presidente enfatizou muito durante o ano sua preocupação com o acontecimento de eleições presidenciais limpas e transparentes no país.

Pré-eleições

O início do ano de 2024 foi muito marcado por uma tensão internacional acerca das eleições venezuelanas que viriam a ocorrer mais tarde no ano. Isso, pela visão de que Maduro é uma liderança autoritária e que poderia vir a não promover eleições limpas a fim de estender seu poder como presidente para mais mandatos.
Nesse sentido, temas que foram muito levantados durante toda a campanha eleitoral foram a crise econômica que vem acometendo o país nos últimos anos, a hiperinflação, o desemprego elevado, escassez de alimentos e medicamentos e a questão dos venezuelanos que vem se refugiando em outros países da América Latina (principalmente a Colômbia e o Brasil) para fugir das questões econômicas que resultaram em uma crise humanitária no país.
A oposição venezuelana estava fragmentada e passou por problemas de representação, uma vez que a sua figura mais forte, Guaidó, estava fora do país e impedido por  decisões judiciais e administrativas de concorrer a cargos públicos de se candidatar nas eleições. Com isso, vários candidatos tentaram se destacar como a principal alternativa a Nicolás Maduro.
O principal nome que despontou da oposição e que ganhou  maior apoio foi María Corina Machado, ex-deputada e líder do partido Vente Venezuela. O que aconteceu foi que ela, vencedora das prévias da oposição com mais de 90% de apoio e favorita para vencer Maduro nas eleições, foi impedida de ocupar cargos públicos por 15 anos, numa decisão do Supremo Tribunal de Justiça em janeiro. Isso se deu na justificativa de que ela havia realizado irregularidades administrativas durante seu tempo como deputada, incluindo o desvio de fundos e omissões em suas declarações de patrimônio.
Mesmo assim, a figura de oposição continuou com um papel de importância nas eleições no apoio da candidatura de Edmundo González, candidato escolhido pela coalizão de oposição e pouco conhecido pelo povo venezuelano.
As sanções impostas principalmente pelos Estados Unidos e pela União Europeia também foram um dos temas principais da eleição. De um lado, os países que as impuseram alegavam que essa seria uma maneira de pressionar o governo de Maduro de realizar eleições livres e justas, já que uma vez que elas fossem realizadas dessa forma, elas seriam retiradas, algo que foi apoiado pela oposição. De outro lado, essas medidas foram apontadas pelo atual presidente venezuelano como as principais culpadas pelos problemas econômicos do país e como uma forma de agentes internacionais de promoverem intervenções em processos internos da Venezuela, no caso, a escolha de um representante.

Corina Machado, figura de oposição impedida de se candidatar.

As eleições

Conforme mencionado anteriormente, o período que antecedeu as eleições venezuelanas de 2024 foi marcado por uma conjuntura conturbada, que envolveu polêmicas relativas ao bloqueio de candidaturas de oposição, e o desgaste da figura de Maduro, resultado de profundas crises econômicas instauradas no país. Na presença desse cenário foram realizadas as eleições nacionais, no último dia 28 de julho, contudo, o período que sucedeu o processo não se deu de forma diferente.
No mesmo dia do referendo, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) divulgou que o então presidente, Nicolás Maduro, havia sido reeleito para o terceiro mandato, ocupando o cargo da presidência por mais um período de 6 anos. Entretanto, imediatamente diversas forças da oposição alegaram fraude no processo, estopim para a eclosão de uma série de protestos no país, marcados pela violência contra os manifestantes, inúmeras mortes e uma sequência de prisões em massa.
As declarações de inconsistência na divulgação dos resultados se baseiam na imparcialidade do CNE diante da disputa, haja vista que três dos seus cinco dirigentes têm aliança direta com Maduro. A situação se agravou ainda mais quando a líder da oposição, María Corina Machado, anunciou que seu partido havia recolhido boletins de urna em cerca de 70% dos centros eleitorais, divulgando em um site dados para uma apuração paralela, na qual Edmundo González era indicado como vencedor, dispondo de mais de 67% dos votos válidos.
Paralelamente, Maduro negou os fatos expostos pela corrente opositora. O líder afirmou tratar-se de uma tentativa de golpe de Estado contra o país, vindo de uma oposição “fascista e contra revolucionária”. Ademais, sob alegação de atividades terroristas e criminosas, o então presidente ordenou forte repressão àqueles que contestavam o pleito, o que levou às prisões mencionadas anteriormente. Desse modo, segundo a ONG Foro Penal, até o dia 18 de agosto, mais de 1,5 mil pessoas haviam sido detidas, de maneira que esse número tem apenas aumentado desde essa data.
Diante de tais circunstâncias, Nicolás Maduro também decretou investigações contra os resultados publicados no site pela oposição, bem como contra o que a CNE chamou de “um ataque cibernético massivo” que teria ocorrido, segundo o órgão, na noite da eleição, impedindo que fossem divulgadas as atas, fundamentais para a devida audição do processo.

As repercursões

Frente às polêmicas que permearam o período anterior ao dia da eleição e o dia do pleito em si, na Venezuela, inúmeros agentes nacionais e internacionais criticaram o posicionamento dos órgãos do país, afirmando a falta de caráter democrático do processo.
Nesse sentido, a observação eleitoral em si já ocorreu de forma aquém do desejado, haja vista que, apesar da alta preocupação internacional para a garantia de eleições justas, é notável como instabilidades políticas comprometeram essa atividade. Isso pois, dois meses antes do pleito, Maduro retirou o convite para observadores da União Europeia, sob a justificativa de que a vinda desses especialistas seria inconcebível, já que o bloco mantém sanções contra o país. Outro caso foi o cancelamento do envio de observadores do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), devido a uma tensão diplomática fruto de críticas de Maduro contra o sistema eleitoral brasileiro. Ambos fatores se somam à ida de equipes reduzidas de organizações como o Centro Carter, fundamentais na defesa de princípios democráticos e registro das ações frente às urnas.
O grave adiamento da publicação dos resultados pela CNE agravou ainda mais a imagem do regime de Nicolás Maduro no cenário internacional. Além de países como Argentina, Chile, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai, membros da União Europeia e os EUA não reconhecerem Maduro, organizações internacionais relevantes como a Organização dos Estados Americanos (OEA) se manifestaram em repúdio à índole do processo do dia 28 de julho, declarando que as eleições foram fraudadas e não democráticas.

O papel do Brasil

Segundo o que foi previamente dito, a relação entre Brasil e Venezuela envolveu momentos de proximidade e de afastamento ao longo das últimas décadas. Mais recentemente, a política externa do governo Lula envolve uma maior proximidade com o governo vizinho, incluindo a retomada de conversas diplomáticas e o reconhecimento da legitimidade do cargo de Nicolás Maduro.
Apesar disso, ao longo do início do último ano, o país enfatizou sua posição de preocupação frente ao processo eleitoral. Cabe destacar que, em âmbito global, espera-se que o Brasil, como uma potência regional na América Latina, exerça um papel ativo na busca pela consolidação de democracias na região. Isso pode ser exemplificado com a ida de diversos entes para o país no dia da eleição, como o assessor-chefe da Assessoria Especial do Presidente da República, Celso Amorim, principalmente para atuar na observação do processo.
Todavia, a relação entre ambos países tem se desgastado devido à falta de transparência do processo. Tendo em vista a recusa da divulgação dos dados pela CNE, o Brasil vem enfatizando a necessidade urgente da comunicação dos relatórios. O presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou em uma entrevista recente ser incapaz de reconhecer tanto a eleição de Maduro, quanto da oposição, pois, segundo ele, é necessária a apresentação de provas para então averiguar quaisquer fatos alegados.

Maduro com Lula, atual presidente brasileiro.

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Referências

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  • Maria Isadora Castelli Dias

    Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (IRI-USP), onde faço parte do núcleo de comunicação do Laboratório de Análise Internacional e da diretoria de projetos da Empresa Júnior de RI. Sou apaixonada por leitura e escrita, assim como me interesso muito por temas de atualidades e geopolítica.

  • Rafael Paoliello