Escalada das Tensões entre Índia e Paquistão

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Por: Gabriela Abarca e Sarah Oliveira
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O mês de Maio de 2025 trouxe uma escalada das tensões entre Índia e Paquistão. No último dia 7, um ataque de mísseis da Força Aérea Indiana atingiu parte do território da Caxemira administrado pelo Paquistão, deixando 31 mortos e 57 feridos. O ataque veio em resposta, segundo as tropas indianas, a um atentado contra turistas ocorrido em 22 de abril na cidade de Pahalgam, na Caxemira indiana, que matou cerca de 26 pessoas. O Paquistão negou envolvimento, mas a polícia indiana afirma ter confirmado a identidade paquistanesa de dois dos quatro suspeitos. Os episódios recentes são apenas novas páginas na história do conflito, que já dura quase 80 anos.
Na ocasião do atentado, a Índia acusou o governo do Paquistão de fornecer apoio a grupos terroristas da região da Caxemira. O primeiro-ministro Narendra Modi, através de uma postagem na rede social X (antigo Twitter), afirmou que “A Índia vai identificar, rastrear e punir todos os terroristas, seus mandantes e apoiadores. Vamos persegui-los até os confins da terra. O espírito indiano nunca será quebrado pelo terrorismo”.
O ataque do dia 7 de maio deu início a uma série de confrontos entre os exércitos dos dois países. Foram registrados ataques indianos a Rawalpindi, a cerca de 10 km da capital do Paquistão, Islamabad, e também em Chakwal e Shorkot. Já na Caxemira administrada pela Índia, as cidades de Jammu e Rajouri sofreram bombardeios paquistaneses. A Índia alegou estar realizando ações focadas, cujos alvos seriam somente instalações militares, e acusou o Paquistão de escalar o conflito a partir do ataque a civis. No entanto, o ministro da informação do Paquistão, Attaullah Tarar, afirmou à BBC News que o país tem “direito de responder” às agressões da Índia e que o Paquistão não foi o provocador dos ataques.
Negociação do Cessar-Fogo
Após quatro dias de hostilidades, os dois países concordaram com um cessar-fogo, anunciado na tarde do sábado (10/05). Os detalhes do acordo não foram divulgados. Todavia, o que se sabe é que militares de alta patente dos dois países oficializaram a troca, que contou com a presença de intermediários. O anúncio do acordo ficou marcado pela declaração do presidente dos EUA, Donald Trump, que através de uma postagem em sua rede social Truth Social, afirmou que coube aos Estados Unidos o papel de mediar as negociações de paz. Trump parabenizou os dois Estados pelo “uso do senso comum e da inteligência”.
Enquanto as autoridades do Paquistão exaltaram a participação americana na trégua, as indianas minimizaram o envolvimento do país ocidental. O primeiro-ministro paquistanês Shehbaz Sharif declarou que “Agradecemos ao Presidente Trump por sua liderança e papel proativo para a paz na região”. Já o Ministério das Relações Exteriores da Índia, em nota oficial, afirmou que a negociação ocorreu “diretamente entre os dois países”.

Prédio atingido por ataque indiano em Bahawalpur, Paquistão Imagem: Stringer/REUTERS
Origens do Conflito
A enorme tensão que marca as relações entre Índia e Paquistão inicia-se na Partição da Índia Britânica de 1947. Na ocasião, a Grã Bretanha não conseguia mais arcar com o domínio sob o território indiano. Foi então que, em 1946, decidiu anunciar a concessão de independência à Índia. À época, a população do país era majoritariamente formada por hindus, 25% por muçulmanos e o restante, em minoria, por sikhs, budistas e cristãos. Assim se deu a divisão das fronteiras traçadas por um funcionário público britânico, Cyril Radcliffe, que dividiu o subcontinente em uma parte central e sul, com maioria hindu, a atual Índia, e em uma parte a noroeste e nordeste de maioria muçulmana e atual Paquistão. Entretanto, tal divisão foi estabelecida a grosso modo, não havendo consideração sobre o fato de que haviam comunidades de ambas religiões espalhadas por toda a Índia britânica.

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Isso levou, na pós- divisão, o deslocamento de cerca de 15 milhões de pessoas a cruzarem fronteiras recém criadas por centenas de quilômetros. Ademais, houveram também muitos casos de expulsão dessas cidades por violência comunitária, como dos Assassinatos de Calcutá de 1946, com a morte de cerca de 2 mil pessoas. Assim, as consequências trazidas com a divisão giram em torno, sobretudo, sobre o controle da província de Caxemira.

Mapa mostra a divisão da Índia em 1947 — Foto: BBC
A Região da Caxemira
A Caxemira é um dos pontos de conflitos mais tensos no mundo, uma vez que tanto Índia como Paquistão reivindicam a totalidade do território. Desse modo, essa região vem sendo o epicentro desta disputa territorial violência há 70 anos entre as potências nucleares e já provocou três guerras entres os países. A disputa por ela resultou em uma fronteira chamada Linha de Controle, que divide a região entre Nova Délhi e Islamabad.
A primeira destas guerras ocorreu devido ao longo histórico de subjugamento e negligência da província por impérios conquistadores, que fez com que o marajá (príncipe da Caxemira) almejasse a independência da região. Entretanto, ficou acordada a junção do território com a Índia em troca de ajuda contra pastores paquistaneses invasores, o que desencadeou a Guerra Indo-Paquistanesa de 1947-48. Foi então que, através do Acordo de Karachi de 1949, encerrou-se temporariamente a violência na região de Jammu-Caxemira ao estabelecer uma linha de cessar-fogo (CFL) supervisionada por membros de um subcomitê de trégua da ONU. Neste acordo, 37% ficaria sob administração paquistanesa ( Azad- Kashmir) e 63% sob controle indiano (Estado de Jammu e Caxemira).
Segunda Guerra na Caxemira
A Guerra indo-paquistanesa de 1965 (ou a Segunda Guerra na Caxemira) inicia-se quando o Paquistão lança a Operação Gibraltar a fim de infiltrar guerrilheiros na província de Jammu e Caxemira para liderar uma revolta e realizar atos de sabotagem e, assim precipitar uma insurreição do Estado contra o domínio indiano. As cinco semanas de guerra causaram milhares de vítimas em ambos lados. Em 22 de setembro, o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução exigindo o fim das hostilidades e o conflito cessou no dia seguinte. Sob a intermediação soviética, os dois países assinaram um acordo prevendo a retirada das tropas para um retorno às fronteiras anteriores, que ocorreu eficazmente mais tarde em fevereiro de 1966. Dessa forma, a guerra terminou em um mandato das Nações Unidas de cessar-fogo e a posterior emissão da Declaração de Tashkent.
Terceira Guerra na Caxemira
Diferentemente das primeiras, não se desenvolveu pelo conflito político entre a região da Caxemira. Desde sua descolonização, o Paquistão tentou lidar com o equilíbrio na disputa de poder entre os representantes das duas regiões: Paquistão Oeste e Bengal do Leste. Assim, durante as eleições de 1970 houve um impasse político devido a uma falta de acordo entre esses dois grupos representantes, que disputavam o poder. Com o cenário retaliativo no país, um grande número de civis do Leste passam a buscar abrigo no território indiano.
Desse modo, a primeira-ministra indiana, Indira Gandhi, opta por declarar guerra ao Paquistão e apoiar a criação de um país independente controlado pelos bengalis. Aproveitando o conflito, o Paquistão abriu frentes pelo território da Caxemira e do Punjab durante as batalhas. Mesmo tentando ludibriar a superioridade bélica indiana, os paquistaneses não resistiram por muito tempo. Depois de sitiar Dhaka, capital paquistanesa, as tropas do Paquistão anunciaram o cessar-fogo. Após nove meses chega ao fim com a conquista da independência pelo território, atual região de Bangladesh.
O ínicio da disputa nuclear
Em 1972 houve tentativas de uma nova era para as relações bilaterais entre Índia e Paquistão com o Acordo de Simla de 1972, levando ao estabelecimento da Linha de Controle (LOC) e responsável por dividir a Caxemira em duas regiões administrativas. Já em 1974, com a introdução das armas nucleares, o conflito assumiu outro rumo e aumentou as apostas de qualquer confronto. Nesse mesmo ano, teve ínicio uma corrida armamentista nuclear, com a Índia promovendo testes nucleares pela primeira vez. Por fim, em 1989, o Paquistão promoveu uma crescente movimentação de resistência na Caxemira administrativa pela Índia a fim de acabar com o controle rival. Isso acabou por reacender tensões e deu início a décadas de violências comunitárias.

Fonte: Reuters
A Guerra de Kargil, ocorrida em 1999, foi o primeiro conflito após o desenvolvimento de armas nucleares pelas nações. Se desenvolveu pela infiltração de soldados e militantes paquistaneses no lado indiano da Linha de Controle e foi com apoio da força aérea e da diplomacia internacional que o exército indiano forçou essa retirada. No Paquistão, as repercussões causaram instabilidade no governo e na economia, e em 12 de outubro de 1999 ocorreu um golpe de Estado do então chefe do exército, Pervez Musharraf.
A escalada das tensões no século XXI
Em 26 de Novembro de 2008, 166 pessoas morreram após militantes sitiarem Mumbai, capital indiana. Tanto os Estados Unidos quanto a Índia culparam um grupo militante chamado de Lashkar -Service Intelligence (ISI) pela perpetração do ataque. Com a cooperação dos governos paquistanês e indiano, abriu-se caminho para uma melhora nas relações e na condução dos julgados à justiça. Contudo, os conflitos na fronteira intensificaram-se novamente no período entre 2016 e 2018. Mais de três mil ataques fronteiriços foram relatados em 2017 e durante o mesmo período protestos anti-Índia que pediam uma Caxemira independente também se faziam presentes.
Após meses de operações militares ficou acordado um cessar fogo, pela primeira vez em quase duas décadas, durante o mês de Ramadã. Mais tarde, formalmente o cessar fogo foi estabelecido, restaurando os termos de 2003. Em fevereiro de 2019 ocorreu o mais mortal ataque na Caxemira em três décadas. O grupo militante paquistanês Jem avançou sob um comboio de forças paramilitar indianas em Pulwama, na Caxemira indiana.

Foto: Reuters/Mukesh Gupta
Foi então que, em agosto o governo indiano decidiu revogar o Artigo 370 da Constituição indiana, removendo o status especial da zona de Jammu e Caxemira e acabando por diminuir sua autonomia, o que reforçou a propriedade indiana e seu direito consuetudinário. Considerada de enorme injustiça pelo Paquistão, essa decisão fez com que, por mais de um ano a Caxemira administrada pela Índia ficasse em estado de completo confinamento, com os serviços de internet e telefone interrompidos.
Ademais, em 2022 e 2023, as mídias independentes na região foram reprimidas e o mapa eleitoral redesenhado, promovendo privilégio a áreas de maioria hindu na Caxemira. Ademais, houve um significativo aumento da violência contra os hindus e o governo respondeu com uma postura cada vez mais militarizada.

Foto: Adnan Abidi/Reuters
Acordo sobre as águas
Outro importante aspecto dessa relação remonta a um tratado negociado pelo Banco Mundial em 1960. O Tratado das Águas do Indo tem a finalidade de distribuir a água entre os dois países, para utilização do Indo e dos seus afluentes. Enquanto o Paquistão recebeu 70% do total de água transportada, a Índia ficou responsável por 30%. Devido a sua localização a jusante da Índia, os paquistaneses temem que eles possam causar inundações ou secas no seu país mesmo que o acordo não esteja relacionado à segurança nacional. No entanto, foi suspenso pelo governo da Índia, agora em 2025, pela primeira vez, após o ataque de Pahalgam.
O temor da Guerra Nuclear
O conflito entre Índia e Paquistão ganhou novos contornos a partir do momento em que ambos os países se firmaram no status de potências nucleares. Agora, ambos se acusam mutuamente de falhas no controle dessas armas. Na última quinta-feira (15), o ministro da Defesa indiano, Rajnath Singh, discursou em uma base militar da Caxemira, onde classificou o Paquistão como uma “nação irresponsável e desonesta” cujas armas nucleares deveriam ser colocadas sob supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
Em resposta, o ministério das Relações Exteriores do Paquistão afirmou que “a AIEA e a comunidade internacional deveriam se preocupar com os repetidos voos e incidentes de tráfego de material radioativo e nuclear na Índia”, solicitando uma investigação. Contudo, Nova Delhi não se pronunciou. Na ocasião do pronunciamento, que levantou dúvidas sobre a continuidade da trégua, o ex-secretário geral da ONU Ban Ki Moon afirmou que, no caso de haver uso de armas nucleares por qualquer um dos países, “existe a possibilidade de que o sistema de segurança internacional seja completamente destruído”.

Raveendran/AFP/Getty Images
Referências
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c14x4vz3yn5o
https://www.bbc.com/portuguese/articles/ckg5g5dpeqlo
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62546859
https://pt.wikipedia.org/wiki/Jamu_e_Caxemira_(territ%C3%B3rio_da_Uni%C3%A3o)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Indo-Paquistanesa_de_1965
https://www.bbc.com/news/world-asia-49101016
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Indian_soldiers_fighting_in_1947_war.jpg
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