Hezbollah, Israel e Líbano: escalada de violência no Levante
Escrito por: Laura Burgos e Luiza Krueger
Invasão de Israel no Líbano e o ataque ao Hezbollah
Depois de aproximadamente um ano de tensões e hostilidades na fronteira de Israel com o Líbano, desencadeadas principalmente pela guerra na Faixa de Gaza, tropas israelenses partiram pela primeira vez em anos para a ofensiva terrestre no território libanês, em um conjunto de ataques declarados como direcionados ao Hezbollah, na segunda-feira do dia 30 de setembro. Os ataques aéreos atingiram fortificações do Hezbollah em Beirute, capital do Líbano, perto do aeroporto, e sucederam os alertas israelenses de evacuação dos residentes que habitavam prédios supostamente utilizados pelo grupo-alvo de Israel.
Os ataques de Israel ao país vizinho representam uma escalada das agressões entre as forças armadas israelenses e o grupo paramilitar Hezbollah, que, até então, ocorriam de modo mais pontual. As últimas operações do lado israelense já deixaram 1000 mortos e 6000 mil feridos, além de mais de um milhão de deslocados. Enquanto isso, o Hezbollah segue enviando mísseis ao território de Israel e combatendo na fronteira sul do Líbano.
A escalada marca uma nova fase no conflito da região do Levante. Nas palavras do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, ”A próxima fase na guerra contra o Hezbollah começará em breve”. O primeiro-ministro de Israel também fez um apelo ao povo libanês em meio à expansão de sua invasão contra o Hezbollah por meio do aumento do número de tropas envolvidas no conflito, pedindo que expulsassem o Hezbollah e evitassem “destruição e sofrimento como vemos em Gaza”.
Precursores da invasão de Israel
Os combates fronteiriços intensificaram-se após 8 de outubro de 2023, quando o conflito entre o Hamas e as autoridades israelenses eclodiram. Nessa conjuntura, o Hezbollah declarou seu apoio ao Hamas e solidariedade ao povo palestino ao disparar mísseis, drones e outras armas de combate contra postos e posições de Israel pela fronteira. Embora as autoridades do Hezbollah neguem ter auxiliado o Hamas no planejamento dos ataques em 2023, há discordâncias com relação à extensão da proximidade entre os grupos, e muitos afirmam que suas atividades são coordenadas, muito em virtude do auxílio do Irã a ambos.
Por conta da oposição declarada e evidenciada por parte do Hezbollah por meio desses avanços, a iminência de que o conflito em Gaza se expandisse e que uma guerra em mais de uma frente eclodisse passou a inquietar o governo de Israel e a comunidade internacional.
Em julho de 2024, o governo de Israel acusou o Hezbollah de um ataque de foguetes direcionado às Colinas de Golã, ilegalmente ocupadas por Israel perante grande parte da comunidade internacional desde sua anexação formal em 1981, que matou 12 crianças em um campo de futebol. Como retaliação, a Força Aérea Israelense investiu contra alvos do Hezbollah no interior e no sul do Líbano, e o Primeiro-Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, prometeu publicamente que o grupo “pagaria um preço elevado” por suas ações. Entretanto, as autoridades do Hezbollah negaram relação com os ataques à Golã, a exemplo de Mohammad Affi, alto-funcionário do grupo militar, que afirmou que o Hezbollah não tinha “absolutamente nada a ver com o incidente”, acusando as mídias de falsas acusações.
Posteriormente, em setembro de 2024, Israel foi acusado de conduzir uma operação responsável por assassinar membros e, principalmente, comandantes do Hezbollah através da detonação de explosivos implantados em pagers e rádios comunicadores do grupo, além de outros dispositivos como celulares e computadores. Ao fim da operação, cerca de 50 pessoas morreram e mais de 3000 foram feridas, incluindo civis.
Essas ondas de ataques israelenses no Líbano culminaram com a morte, em 27 de setembro, do histórico líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, em um bombardeio israelense de bunkers militares pertencentes ao grupo em Danieh, um subúrbio localizado no sul de Beirute. Esse foi um golpe crucial direcionado ao grupo em virtude, principalmente, da relevância de Nasrallah dentro e fora do Hezbollah. Nesse sentido, ele participou da fundação do Hezbollah, e serviu como seu líder por trinta anos, até sua morte em setembro. Dentre suas principais funções dentro do Hezbollah, Hassan Nasrallah supervisionava o Conselho da Shura e os seus cinco subconselhos principais: o político, o militar, o parlamentar, o executivo e o judicial.
Ademais, Hassan Nasrallah foi morto em uma conjuntura de ausência de sucessor claro a sua posição, devido a falta de uma figura que possua os atributos do antigo líder, cruciais ao longo dos anos para a ascensão do Hezbollah como maior força militar do Líbano a partir das ofensivas internacionais e das defesas do país. Esse cenário foi resultado da eliminação sistemática dos comandantes e figuras de liderança no topo do movimento ao longo das semanas anteriores à morte de Nasrallah, a exemplo de Fuad Shakur, chefe da divisão estratégica e maior autoridade militar do Hezbollah, no final de julho, além de vários outros.
Israel, Oriente Médio e Não Conciliação
Como todos os eventos globais, os acontecimentos recentes se inserem dentro de um contexto histórico longo, o qual é imperativo para a compreensão de sua complexidade.
A arquitetura do Estado de Israel envolveu dinâmicas históricas intrincadas, dentre as quais a ocupação britânica da região palestina após a 1ª Guerra Mundial, o sionismo e os movimentos de resistência palestinos são fundamentais.
O período que sucedeu o surgimento oficial de Israel foi marcado pela persistência de expulsão de palestinos do território que havia se tornado israelense e resistência palestina. Entretanto, o surgimento desse novo agente no sistema internacional escalonou as tensões já existentes entre povos locais e sionistas, levando a violência a nível estatal.
As guerras que ocorreram desde então foram desencadeadas tanto por apoio de países árabes à causa palestina quanto pela troca de agressões entre Israel e grupos militantes palestinos situados em países vizinhos, como o Fatah, na Síria. Dentre os principais conflitos estão a Primeira Guerra Árabe Israelense (1948), a Guerra dos Seis Dias (1967), a Guerra de Yom Kippur (1973), e a Guerra do Líbano (1982).
O resultado foram consideráveis ganhos territoriais para Israel, que até hoje ocupa as Colinas de Golã, Cisjordânia e Jerusalém Oriental, e o aumento do deslocamento e violência contra a população palestina. Além disso, esse contexto propiciou o surgimento de mais grupos militarizados para a defesa palestina, como o Hezbollah, surgido em meio à segunda invasão israelense do Líbano, em 1982.
Algumas tentativas de apaziguamento pela ONU, como os Acordos de Oslo, foram temporariamente bem-sucedidas em reduzir as hostilidades. As promessas de desocupação de território palestino por Israel e de instalação de um governo autônomo palestino não violento pela Autoridade Palestina trouxeram a perspectiva de paz entre os povos da região. Contudo, o não cumprimento dos compromissos por ambas as partes retomou o clima de desconfiança e antagonismo entre os lados.
Desse modo, é essencial considerar as relações entre Israel, Oriente Médio e Palestina ao longo do último século, incluindo suas origens, motivações e consequências para uma compreensão mais holística dos fatos atuais.
O que é o Hezbollah?
O Hezbollah é um grupo militar mulçumano e xiita sediado no Líbano e que também atua como partido político no país, tendo como principal motivação a oposição a Israel e a resistência à presença ocidental do Oriente Médio. O Hezbollah é considerado um grupo terrorista pelos Estados Unidos, desde 1997, Israel, Reino Unido, Arábia Saudita, além de outros países. Somado a isso, algumas nações distinguem a ala militar da política dentro do Hezbollah, classificando somente a primeira como organização terrorista, a exemplo da União Europeia desde 2013.
O grupo originou-se durante a Guerra Civil do Líbano (1975-1990), um conflito de longa duração que eclodiu em virtude das tensões políticas, ideológicas e sociais entre os diferentes grupos que almejavam e disputavam o poder no país, e que agravaram-se pela presença massiva de refugiados palestinos, o que resultou em um aumento da população muçulmana sunita, afetando diretamente as divisões religiosas da região.
Nessa conjuntura de conflito, a invasão de tropas israelenses no sul do Líbano, em virtude da presença de palestinos guerrilheiros que utilizavam o território libanês como base de ataque à Israel, tal como membros da Organização para a Libertação da Palestina (PLO) desde 1971, gerou um cenário de instabilidade que motivou a criação do Hezbollah, ou “Partido de Deus” (Hizb Allah). Nesse sentido, contando com o apoio por meio de treinamento e recursos, e influência do Irã, país dirigido por um governo de bases teocráticas xiitas, os membros desse novo grupo passaram a mobilizar forças de ataque diretamente contra a presença israelense.
Posteriormente, o grupo expandiu-se e passou a apresentar reputação de milícia extremista em virtude dos subsequentes ataques a todos os opositores, a exemplo do bombardeio da embaixada americana em Beirute em abril de 1983, que resultou na morte de 63 pessoas.
As motivações por trás das ações do Hezbollah foram concretizadas pela então elaboração de objetivos enunciados pelo grupo através de seu primeiro Manifesto, publicado em 1985, e um segundo em 2009. Esses documentos evidenciaram os objetivos centrais do Hezbollah no Líbano, sendo eles a expulsão definitiva dos americanos, franceses e seus aliados do país, justificada pela necessidade de extinguir resquícios de presença colonialista em seu território, submeter a Falange Líbanesa (ou Kataeb) – um partido político maronita cristão que fora aliado de Israel durante a guerra civil – à justiça, e promover a criação de um governo apoiado pela população, embora evidencie que um governo islâmico seja a única fonte de justiça e liberdade para todos. Somado a isso, no âmbito externo, o grupo busca extinguir o Estado de Israel, realçando que a ocupação sionista usurpa as terras dos muçulmanos, e os ataques externos coordenados por Israel objetivam estender esse alcance, inclusive no Líbano.
Além disso, o grupo destaca o papel dos Estados Unidos como fonte fundamental da opressão direcionada à população do Líbano e também aos palestinos, algo evidenciado no Manifesto a partir da declaração de que “Suas bombas caíram sobre nossos parentes como chuva durante a invasão sionista de nosso país e o bloqueio de Beirute. Seus aviões atacaram nossos civis, crianças, mulheres e feridos dia e noite, enquanto as áreas dos agentes falangistas permaneceram seguras do bombardeio do inimigo e um centro para direcionar e guiar as forças inimigas”.
Entretanto, as ações do Hezbollah ultrapassam as fronteiras do Líbano e de Israel, algo exemplificado pelo envio de tropas na Guerra Civil da Síria em auxílio do regime de Bashar Al-Assad em 2011. Ademais, há também evidências de operações do grupo na África e nas Américas.
Na conjuntura política, o Hezbollah possui influência no governo do Líbano desde 1992, quando elegeu oito de seus membros para o Parlamento. A partir de 2009, com a publicação de seu segundo Manifesto, o qual buscou evidenciar a necesside de auto-determinação do povo do Líbano e teve caráter menos islâmico, a atuação do partido cresceu. Em 2022, as eleições foram marcantes na medida que a presença do Hezbollah no parlamento manteve-se em 13 cadeiras, e o grupo e seus aliados perderam a maioria.
No que tange sua autoridade no país, o grupo opera praticamente como um governo em determinados territórios que controla, ao mesmo tempo que mantém seu pesado braço militar, sendo a única milícia proveniente da Guerra Civil do Líbano que foi autorizada a manter seu arsenal militar, controlando a maior força armada do país atualmente. De acordo com oficiais do Hezbollah, o grupo abrange cem mil combatentes, entretanto, analistas independentes estimam uma quantidade inferior de 20 a 50 mil soldados. Ademais, de acordo com Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, seu braço armado é estimado a englobar entre 120 a 200 mil foguetes e mísseis. Nesse sentido, o aparato militar e recursos do Hezbollah supera os do Hamas, o que indica uma perspectiva de conflito no Líbano possivelmente ainda mais brutal que em Gaza.
Motivações não imediatas dos conflitos
Os acontecimentos recentes decorrem das tensões entre o grupo e Israel que desenrolam-se a anos. Nesse sentido, a retirada das tropas israelitas do território libanês em 2000, que encerrou uma ocupação de dezoito anos, foi atribuída como um feito e vitória do Hezbollah, e a partir daí, o grupo xiita continuou a resistir e se opor veementemente à presença israelense nos territórios fronteiriços. A última invasão terrestre significativa de Israel no Líbano fora em 2006, sendo motivada primordialmente pelo avanço e ofensiva do Hezbollah na fronteira entre os dois países. No total, aproximadamente 1000 civis foram mortos, e o Hezbollah resistiu ao ataque e desde então procura se fortalecer perante a ameaça ao sul.
Nesse sentido, tanto a guerra em Gaza, como a ameaça direta a Israel e suas comunidades ao norte ao longo dos anos, de acordo com as Forças de Defesa de Israel (IDF), por conta da presença massiva do Hezbollah na fronteira, realçada pela presença de túneis, bunkers e outras infraestruturas militares, ao longo dos limites territoriais entre os países e na região sul do Líbano, foram fatores que, juntos, fomentaram a eclosão do cenário atual.
Além disso, além de representar uma fonte de tensão entre o Hezbollah e Israel, a guerra da Faixa de Gaza representa também uma fonte de legitimação das forças israelenses, que afirmam apresentar experiência operacional a fim de implementar um avanço efetivo no Líbano, tal como fora anunciado pelo porta-voz das Forças de Defesa de Israel em língua árabe, o coronel Avichay Adraee. Segundo ele, “Depois de meses de operações terrestres na Faixa de Gaza, as forças da divisão adquiriram as habilidades e a experiência operacional para se deslocarem para uma operação terrestre na frente norte, depois de implementarem os ajustes necessários para o combate no Líbano”.
Ademais, a estratégia de política externa de Israel pode estar relacionada a situação delicada na qual se encontra Benjamin Netanyahu, acusado por analistas internacionais a utilizar a escalada dos conflitos obtida por meio da invasão no Líbano como uma forma de esquivar-se das repercussões de suas acusações de corrupção, insatisfação, falha de segurança e outros problemas pela qual lida no momento no âmbito doméstico e internacional.
Um Estado Falido
Desde 2019, o Líbano se encontra em recorrente estado de crise como resultado de anos de acúmulo de dívida externa, a qual chegou a 150% do produto nacional, sem planos adequados para a recuperação da economia, culminando no colapso dos bancos neste ano. Sua moeda, a libra libanesa, entrou em decadência, o Produto Interno Bruto (PIB)caiu pela metade e a inflação chegou a 268% em abril de 2023. Esse cenário deixou 44% da população em estado de pobreza – chegando a 75%, em 2020 -, situação que foi agravada pela explosão no Porto de Beirute em 2020, juntamente com a crise de refugiados resultante da Guerra Civil Síria. Interligado a isso, o país se encontra também em situação de decadência política.
A máquina estatal libanesa funciona sob um regime de sectarismo oficializado, o que significa que posições governamentais e cadeiras parlamentares são pré-determinadamente distribuídas entre as principais religiões, tendo como ilustração mais clara a presidência sempre cristã maronita, o primeiro-ministro, muçulmano sunita e o líder do parlamento, muçulmano xiita. Tal configuração, associada às tensões de interesses entre as religiões, causa constantes paralisias decisórias que impedem um governo efetivo. Ademais, a cena governamental é permeada por corrupção, o poder judiciário é vulnerável à intervenção política, e vácuos de poder em cargos essenciais, como ocorreu com a presidência de 2014 a 2016 e de 2022 até os dias atuais.
A união desses fatores contribuem para a incapacidade da autoridade nacional libanesa em projetar seu poder sobre seu povo e território, mantendo, também, os limites nacionais por meio do monopólio legítimo da violência, em decorrência da atuação do Hezbollah. Nesse sentido, alguns analistas enxergam o Líbano como um Estado falido, isto é, quando um país não consegue manter as duas funções básicas de um Estado-Nação anteriormente mencionadas.
O fator Irã
Assim como o Hamas, o Hezbollah é patrocinado pelo governo do Irã, constituindo uma maneira de expansão do poderio dessa potência regional. Juntamente com outras organizações, esses grupos formam uma aliança informal denominada Eixo da Resistência. Tal proximidade tem como justificativa a oposição ao Ocidente, representado no Oriente Médio por Israel.
Isso adiciona mais uma camada de complexidade para o conflito, dado que os ataques mais diretos estão acontecendo entre Israel, um país reconhecido, e grupos paramilitares que também são partidos políticos mas não são oficialmente entidades estatais. Entretanto, essas organizações são financiadas por um Estado no qual não são baseados, constituindo uma forma indireta de agressão à Israel.
Além disso, houveram hostilidades iranianas a Israel, sobretudo por meio do lançamento de mísseis, os quais, em sua maioria foram interceptados por forças de Israel, dos Estados Unidos e de outros aliados na região. Tais ações sofreram retaliações supostamente israelenses, tal como uma ofensiva aérea que matou um dos principais comandantes do Exército dos Guardiões da Revolução Islâmica do Irã, Sayyed Razi Mousavi, na Síria, e a destruição do consulado iraniano em Damasco, também na Síria.
Entretanto, alguns analistas afirmam que os recentes problemas enfrentados pelo Irã na perda de seu líder em maio de 2024, juntamente com seu enfraquecimento militar, demonstrado pelo ataque de mísseis pouco efetivo a Israel em abril, implica uma fragilidade inerente no país que implica em uma menor capacidade do país de conduzir uma guerra com Israel, ou até mesmo auxiliar de forma eficaz o Hezbollah caso seguisse esse caminho.
Portanto, apesar da fragilidade da situação, uma guerra aberta entre os países ainda não foi iniciada. As consequências disso seriam catastróficas para o Oriente Médio dado o poderio bélico dos agentes envolvidos e a situação humanitária já precária, tendo em vista outras crises nas últimas décadas. Em razão disso, os acontecimentos recentes e a ampliação da violência, tanto na frente de Gaza quanto na frente do Líbano, intensificam a preocupação sobre o início de uma guerra total.
Reação internacional
Estados Unidos
Os Estados Unidos, aliado histórico de Israel, não surpreenderam a comunidade internacional ao declararem apoio às suas recentes ações no Líbano. Em um comunicado recente, o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, declarou que os ataques terrestres de Israel estão “em conformidade com o direito de Israel de defender os seus cidadãos e de fazer regressar em segurança os civis às suas casas”, e que o governo americano apoiará “o direito de Israel de se defender contra o Hezbollah e todos os grupos terroristas apoiados pelo Irão”.
No entanto, esse apoio norte-americano mostra-se mais frágil quando comparado com as ofensivas israelitas anteriores. Isso é exemplificado pelo fato de que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, tem manifestado certa oposição aos eventos recentes e à política externa israelense, já tendo afirmado a necessidade de um cessar-fogo na região. Somado a isso, o Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, junto da declaração de apoio ao direito israelense de defesa contra o Hezbollah, ressaltou que “uma resolução diplomática é a única forma de alcançar uma estabilidade e uma segurança duradouras na fronteira entre Israel e o Líbano”, expondo uma clara oposição ao uso da força como forma de restaurar e garantir a estabilidade e segurança no local.
ONU
Na sexta-feira do dia 10 de outubro, as Forças de Defesa Israelense (FDI) atacaram uma base da Organização das Nações Unidas (ONU), no sul do Líbano, na cidade de Naqoura, resultando em dois agentes de paz do Sri Lanka feridos. As forças israelenses confirmaram o ataque na base da ONU após ordenar que os funcionários evacuassem para um local seguro, e que mais afirmações serão apuradas. Esse ataque resultou em uma maior rejeição da ONU às operações israelenses no Líbano, o que foi evidenciado pela declaração de António Guterres, Secretário-Geral da ONU, de que o ataque do dia 10 foi “intolerável e não pode se repetir”.
União Europeia
Na terça-feira do dia 8 de outubro, Josep Borrell, chefe de política externa da União Europeia, afirmou que “A história mostra que não há soluções militares para conflitos profundamente enraizados nas estruturas de uma região como o Médio Oriente e perante a fraqueza institucional de um país”, refletindo a postura da maior parte dos governos europeus de que as intervenções militares de Israel apenas agravam a situação e fortalecem o Hezbollah como organização.
O diplomata também evidenciou a necessidade de um auxílio ao Líbano, na forma de assistência material e humanitária e maior presença da ONU nas fronteiras, a fim de fortalecer suas instituições, como seus exército nacional e seu próprio governo, de forma a enfraquecer o Hezbollah, considerado um grupo terrorista pela UE, e garantir um cessar-fogo com Israel.
Perspectiva de Guerra
Mesmo com o receio de um conflito maior, as chances de um conflito de modo mais direto entre Israel, o Líbano e o Irã não são altas.
Por um lado, um ataque mais robusto à Israel reforçaria a confiança na relação de apoio militar entre o Irã e os grupos armados. Os ataques iranianos que aconteceram até agora buscam ser justamente isso, uma demonstração de força. Isso é relevante, também, pois essas facções constituem uma ferramenta de manutenção e expansão da influência iraniana no Oriente Médio, a qual se opõe fundamentalmente à influência e intervenção ocidental na região.
Não obstante, caso isso venha a acontecer, Israel possui o apoio dos Estados Unidos, o que forneceria ampla vantagem bélica e uma enorme capacidade destrutiva. Frente a essa perspectiva, as chances de uma guerra aberta entre Irã e Israel são reduzidas. E, mesmo com o apoio e fornecimento de recursos a Israel, a Casa Branca parece manter uma postura comparativamente contida, pedindo por retaliações limitadas em relação ao Irã.
“Eles [Israel] têm o direito a responder, mas devem responder de forma proporcional” Joe Biden
Ademais, apesar de declarar sua invasão ao Líbano “limitada”, Israel pode optar por alargar suas operações com a justificativa de destruição do Hezbollah – assim como o que está ocorrendo em Gaza em relação ao Hamas. Uma mobilização popular libanesa, mesmo aqueles que não apoiam o Hezbollah, pelo fim da invasão israelense seria esperada, o que pressionaria o governo libanês – atualmente um governo provisório não eleito – a atuar de algum modo. O primeiro-ministro libanês, Najib Mikati, declarou que poderia implementar a Resolução 1701 do Conselho de Segurança da ONU, a qual permitiria o deslocamento de tropas libanesas para o sul para combater o Hezbollah e forçar a saída de Israel. Cabe avaliar a eficácia dessa atitude, considerando o paradigma interno instável do Líbano.
Nessa conjuntura, mesmo que o Hezbollah tenha se enfraquecido de forma definitiva em virtude do assassinato do líder e de outras figuras de comando relevantes no grupo libanês, somado com a fragilidade das capacidades de controle e comunicação graças às explosões de dispositivos como pagers e walkie-talkies, é de interesse do Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu evitar uma guerra prolongada no Líbano. Isso se deve, principalmente, tanto por conta da rejeição da comunidade internacional, como pelo desgaste de suas forças militares dentro da conjuntura de guerra em Gaza.
Entretanto, deve-se ressaltar que, embora a perspectiva de uma guerra total na região seja improvável, os grupos em conflito apresentam objetivos claramente incompatíveis: enquanto o Israel afirma que não deixará de realizar ofensivas contra o Hezbollah enquanto não seja seguro para as famílias israelenses regressarem à suas casas perto da fronteira com o Líbano e se manterem em segurança, o Hezbollah deixou claro que não pretende dar um fim a suas investidas contra Israel enquanto que não haja um cessar-fogo em Gaza.
A perspectiva de fim das agressões entre Israel e o Hezbollah, enfim, é altamente improvável. Pelo contrário, os fatos recentes, somados à extensa bagagem de desavenças não resolvidas na região, geram uma expectativa de escalonamento das violências e do aprofundamento da crise, afastando-se ainda mais da esperança de uma reconciliação pacífica e efetiva.
Leia mais artigos produzidos pelos nossos membros em: Artigos – Olhares Internacionais
Referências
- https://www.cia.gov/readingroom/docs/DOC_0000361273.pdf
- https://www.cfr.org/backgrounder/what-hezbollah#chapter-title-0-1
- https://www.bbc.com/news/world-middle-east-67307858
- https://www.bbc.com/news/articles/cly3x1w0595o
- https://www.bbc.com/news/articles/cj9jwkppnd1o
- https://www.bbc.com/news/articles/czxgyzq7z2ro
- https://www.theguardian.com/world/article/2024/jul/27/attack-kills-10-young-people-in-israeli-occupied-golan-heights
- https://www.aljazeera.com/news/2024/9/18/more-devices-exploding-across-lebanon-whats-happening
- https://www.cfr.org/expert-brief/nasrallah-killing-crushing-blow-hezbollah
- https://pt.euronews.com/2024/10/01/israel-inicia-ofensiva-terrestre-direcionada-contra-o-hezbollah-no-sul-do-libano
- https://pt.euronews.com/my-europe/2024/10/08/a-ue-deve-aproveitar-a-fraqueza-do-hezbollah-para-garantir-o-cessar-fogo-afirma-borrell
- https://www.itssverona.it/lebanon-a-story-of-crisis-upon-crisis
- https://www.reuters.com/markets/rates-bonds/lebanons-financial-crisis-how-it-happened-2022-01-23/
- https://www.cfr.org/in-brief/lebanon-failed-state-heres-what-numbers-say
- https://brasilescola.uol.com.br/guerras/guerras-arabe-israelenses.htm
- https://www.un.org/unispal/about-the-nakba/
- https://www.aljazeera.com/news/2024/9/18/hezbollah-and-israel-a-timeline-of-conflict
- https://www.lemonde.fr/en/international/article/2024/10/03/us-urgently-trying-to-shape-israel-s-response-to-iran_6728039_4.html
- https://www.aljazeera.com/news/2024/4/19/how-iran-israel-tensions-have-escalated-since-the-war-on-gaza-a-timeline
- https://www.bbc.com/news/articles/cj9jwkppnd1o
- https://www.vox.com/israel/375125/lebanon-hezbollah-israel-iran-invasion-gaza
- https://www.dw.com/pt-br/o-que-%C3%A9-o-eixo-da-resist%C3%AAncia-comandado-pelo-ir%C3%A3/a-70375255
Share this content: