#HistoRIando: das origens da questão palestina ao conflito Israel-Hamas de 2023
Escrito por: Isadora Prada Ratti
Todas as fontes utilizadas para a redação do texto estão explicitadas no final do conteúdo.
As origens do conflito
É fato que Israel e Palestina compartilham uma história com raízes religiosas, a qual interfere nas origens do conflito que assola o Oriente Médio até os dias de hoje. Entretanto, engana-se quem pensa que as motivações para as guerras entre essas duas nações se devem somente ao aspecto de diferença de fé entre eles, quando, na verdade, os episódios violentos que se dão no século XXI são um reflexo de um desenrolar de disputas territoriais, econômicas e influências externas que se desenvolveram ao longo de séculos no território palestino.
Indubitavelmente, no entanto, o entendimento da região em disputa como um local sagrado para mais de uma religião teve influências no estopim dessa sequência de guerras. As reivindicações religiosas pelo lugar, tanto muçulmanas, quanto judaicas, quanto cristãs, não têm fundamentos lógicos, mas sim divinos, e por esta maneira nunca poderiam ser consideradas ilegítimas. É por esse motivo que definir a posse da cidade de Jerusalém se tornou uma questão tão difícil e até hoje é causa de conflitos. Além disso, é também pela mesma razão que o povo judeu sentiu-se no direito de reivindicar tal território para se abrigar em momentos de perseguição, e que o povo árabe muçulmano sente-se no mesmo direito de lutar por permanecer habitando sua região sagrada.
Essa transição entre os povos que ocuparam a região se fez presente por muitos anos, até que na Declaração de Balfour de 1917, estabeleceu-se que, enquanto os demais antigos territórios do Império Otomano se tornariam Estados independentes, a região da Palestina ficaria administrada pelo Mandato Britânico, que expressou apoio para tornar aquele local um lar nacional para o povo judeu, mesmo o encontrando habitado por populações árabes. Essa declaração abriu precedentes para que, com o início da perseguição nazista na década de 1930, ocorresse uma imigração em massa de judeus para a Palestina, que não foram bem recebidos pelos árabes que habitavam o local e lutavam por sua independência. Incapaz de solucionar os conflitos e conter a crescente violência na região, o Reino Unido devolveu o território palestino à ONU em 1947.
A partilha da Palestina
No ano de 1948, buscando aliviar as tensões entre recém imigrados judeus e antigos residentes árabes na Palestina, a Organização das Nações Unidas decidiu convocar uma sessão especial da Assembleia Geral para criar uma proposta de partilha do território palestino entre os dois povos que o reivindicavam. É importante ressaltar que a ONU, nesse contexto, era uma organização recém criada e com bases pouco consolidadas, mas que já trazia consigo uma grande responsabilidade no que tange à resolução de conflitos e reparação de danos, o que a fazia, é claro, olhar de maneira especial para o povo judeu, que acabava de sofrer o maior genocídio da história. Por outro lado, também era função das Nações Unidas proteger os cidadãos árabes dos ataques terroristas de grupos fundamentalistas sionistas que vinham ocorrendo nas últimas décadas. Essa dualidade fez com que a Organização buscasse ser o mais justa possível na resolução dessa questão, motivo pela qual optou-se por uma Assembleia Geral ao invés de uma reunião do Conselho de Segurança, por exemplo, e que contou com tantas considerações durante as deliberações.
Os Estados presentes na Assembleia geral que apoiavam a partilha, como Brasil, Estados Unidos da América e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, viam na divisão do território a melhor maneira de sanar a crise humanitária que ocorria na região palestina e a crise de refugiados judeus na Europa, mas os povos atingidos por tal solução não compartilhavam da mesma visão positiva sobre ela. Nesse mesmo ângulo, países como Cuba, Grécia e grande parte das nações do Oriente Médio eram contra repartir a região e designar suas partes às nações, alegando que isso feria um dos princípios mais importantes da ONU: a auto determinação dos povos. Mesmo assim, as Nações Unidas decidiram por dividir a área em dois Estados independentes e não nomeados, um judeu e outro árabe, mantendo a cidade de Jerusalém em posse internacional.
Entretanto, não demorou muito para que essa proposta deixasse de ser respeitada. Após a retirada da intervenção inglesa, as Nações Unidas foram incapazes de montar uma governança com autoridade, o que permitiu que o movimento Sionista aproveitasse o momento para ocupar o máximo de território possível, mesmo que isso significasse transpassar as fronteiras do acordo da Assembleia Geral e violentar árabes para realizá-lo. Essa ação causou um grande êxodo da população palestina na região, a qual buscou refúgio nos países vizinhos. Propostas da ONU para a negociação de tréguas e abrigo dos refugiados árabes foram recebida de maneira negativa pelos sionistas. Nesse cenário de caos e violência, Israel se declarou um Estado independente, e no dia seguinte os britânicos anunciaram o fim efetivo de seu mandato.
Devido ao crescente e incessante ataque de Israel aos territórios árabes, e o deliberado descumprimento dos acordos sobre a partilha, a exemplo da invasão judaica à cidade de Jerusalém, a Liga Árabe decidiu por intervir em apoio aos palestinos. O que se pode chamar de primeira guerra do Oriente Médio acabou, no entanto, com a derrota da Liga frente à superioridade militar israelense e as forças sionistas ocuparam praticamente todo o território, à exceção da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.
Após esse conflito, esperar-se-ia que Israel sofreria represálias da comunidade internacional, mas o fato que se sucedeu foi o reconhecimento do Estado judeu na ONU, apesar de o mesmo não ter acontecido com a nação árabe palestina. Essa disparidade na legitimidade dos dois Estados é um dos motivos de alongamento do conflito entre esses povos. Sem a validação do Estado Palestino, seus mecanismos de defesa e preservação são considerados ilegais e seu povo é sub representado nas negociações internacionais, o que, além dificultar os diálogos entre essas nações, também contribuiu para a disseminação do imperialismo israelense na região palestina.
A crise de Suez
Em 1956, o Egito, país de grande relevância na Liga Árabe, nacionalizou o canal de Suez, o qual configura um ponto estratégico no Oriente Médio, uma vez que liga o Mar Vermelho ao Mar Mediterrâneo, e, por conseguinte, a Europa à Ásia. Em resposta, Israel, com apoio francês e britânico, invadiu a Península do Sinai e a Faixa de Gaza. A guerra durou duas semanas, resultando na derrota dos egípcios, e o canal só foi liberado para comércio novamente no ano seguinte. Para tentar acalmar as disputas, a ONU assumiu o controle da Península do Sinai.
A guerra dos Seis Dias
O momento que antecede a guerra de seis dias de 1967 se configura pela escalada das tensões entre Israel e os países árabes do Oriente Médio e pelo crescimento da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e do Fatah, grupos guerrilheiros que lutavam pela independência da palestina. Paralelamente, a Síria intensificava os bombardeios em vilas israelenses nas Colinas de Golã, o Egito ocupava novamente a Península do Sinai após a retirada das forças da ONU, enquanto também assinava um pacto de defesa mútua com a Jordânia.
Assim, em uma tentativa de cessar os movimentos árabes de articulação de guerra, Israel põe em prática uma operação e, em seis dias, ataca as forças aéreas egípcias, expulsa as forças sírias das Colinas de Golã, toma a Península do Sinai e a Faixa de Gaza e expulsa as forças jordanianas da Cisjordânia. Essa ofensiva levou a uma segunda diáspora palestina e à formação da Frente Popular Marxista-Leninista para a Libertação da Palestina, que, junto a outros grupos de esquerda, liderou ataques e sequestros nos anos seguintes para chamar a atenção do mundo à sua luta.
A guerra do Yom Kippur
A guerra do Yom KIppur recebe esse nome em razão do dia escolhido para o ataque egípcio e sírio à Israel: o feriado de Yom Kippur, dia do perdão e data sagrada para os judeus. Os países árabes, visando recuperar os territórios perdidos na guerra dos Seis Dias, decidem por iniciar suas ofensivas no dia 6 de outubro de 1973, imaginando que, em um feriado religioso, as forças israelenses estariam despreparadas para contra-atacar. Dividindo-se em duas frentes – sírios pelas Colinas de Golã e egípcios por Sinai -, as forças árabes aparentavam estar mais preparadas nessa guerra, tendo avançado significativamente em um primeiro momento.
No entanto, de maneira surpreendentemente rápida, Israel mobilizou suas tropas para conter os avanços dos inimigos, conseguindo partir para dentro dos territórios adversários, o que fez com que os exércitos iraquiano, saudita e jordaniano se juntassem ao fronte sírio. Após 10 dias de conflito e com a crescente vantagem israelense, os países árabes mudaram sua estratégia e decidiram atingir os países que apoiavam Israel (principalmente os Estados Unidos da América) por meio da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, suspendendo a oferta do mineral. Esse movimento, que ficou conhecido como o primeiro choque do petróleo, fez com que os Estados Unidos abandonassem o apoio à guerra, o que permitiu que Israel caminhasse para um acordo de cessar fogo.
As resoluções convergiram para que Israel se retirasse dos territórios que ocupou em 1967 e Egito diminuísse o tamanho de suas forças no Canal de Suez, além de autorizarem que forças de paz da ONU fossem estabelecidas entre os dois exércitos. Seis anos após o conflito, Israel e Egito assinaram um tratado que colocava fim ao estado de guerra entre os dois países, o principal acordo cumprido foi a formal devolução da Península do Sinai ao Egito, que, em troca, reconheceu a existência do Estado de Israel.
Guerras no Líbano
Almejando conter o desenvolvimento da OLP, Israel invadiu o Líbano em 1982. Apesar de sua vantagem significativa na guerra, o governo de Israel decidiu por traçar negociações com a OLP, a qual, por sua vez, terminou por evacuar o país sob fiscalização internacional, com medo dos intensos ataques e atraso nos diálogos pretendidos. O exército Israelense deixou o Líbano em 1985.
Em 2006, o Hezbollah, organização paramilitar fundamentalista xiita islâmica, atacou Israel, matando três soldados e sequestrando outros dois. O país judaico revidou impondo um grande bloqueio naval ao Líbano e promovendo ataques aéreos e tropas terrestres nas bases do Hezbollah, mas a organização lutou para mostrar uma paridade militar e tecnológica perante Israel. Os acordos internacionais resultaram na retirada de Israel do país, que falhou na tentativa de liquidar seu inimigo, apesar do número de mortes do Hezbollah ter sido cerca de dez vezes maior do que dos soldados israelenses.
Intifadas e tentativas de consolidar a paz
Em 1987, ocorreu o primeiro levante de cidadãos palestinos contra os abusos e violências do Estado de Israel, que ficou conhecido como a Primeira Intifada. Ao contrário dos demais conflitos, promovidos por Estados e organizações paramilitares, as Intifadas foram conflitos iniciados pela própria população árabe, que lutava por direitos básicos, como acesso à agua e terras agrícolas e liberdade.
Nos anos de 1990, iniciaram-se tentativas de promover a paz. As negociações começaram com uma conferência em Madri no ano de 1991 e culminaram no reconhecimento mútuo entre o Estado de Israel e a OLP e no “Acordo de Oslo”, assinado em 1993. Também foram estipuladas a retirada parcial de forças Israelenses, a eleição de um conselho e um presidente palestino, a libertação de alguns prisioneiros de guerra e o estabelecimento de uma auto administração palestina nas áreas ocupadas por árabes.
Mesmo assim, uma segunda Intifada ocorreu no século XXI, tendo como estopim a visita de Ariel Sharon (líder do partido de direita de Israel que é contra os acordos do país com a OLP) à Jerusalém. Nesse contexto, alegando necessidade de proteção, os israelenses iniciaram a construção de um muro entre o território judeu e a Cisjordânia em 2002, o que provocou a formação de um enclave, gerando sérios problemas de abastecimento. Quatro anos depois, a palestina promoveu eleições que proporcionaram a eleição de representantes do Hamas, organização sunita palestina armada com viés político, o que gerou fortes tensões com o Fatah, o que culminou na divisão do poder entre os dois grupos: o Hamas ficou responsável por Gaza e o Fatah, pela Cisjordânia.
Em um cenário em que as relações com Israel, aparentemente, voltavam a caminhar para um momento de tranquilidade, o Hamas tomou a faixa de Gaza, sofrendo, em retaliação, um bloqueio israelense. O conflito progrediu, gerando severas violações do direito internacional, fazendo com que o Conselho de Segurança da ONU encaminhasse suas resoluções. Entretanto, as tensões em Gaza não foram cessadas, ocorrendo ciclos de violência ao longo dos próximos anos.
Em 2012, a Palestina recebeu o título de Estado observador não-membro da ONU, após ter pedido para se tornar um membro efetivo da Organização. Oito anos depois, os Estados Unidos da América, sob governança de Donald Trump, reconheceu Jerusalém como a capital de Israel, iniciando um movimento de realocação de embaixadas para a cidade, que foi seguido por outros países. Essa declaração, atrelada ao reconhecimento deficiente da Palestina na ONU, demonstra a negligência perante os primeiros acordos de divisão do território palestino, os quais buscavam ser justos com ambos os países, e consolida privilégios israelenses na condução dessa questão, que dificulta ainda mais sua resolução.
Conflito Israel-Hamas de outubro de 2023
Ao longo da madrugada 7 de outubro de 2023, na semana em que fez 50 anos da guerra do Yom Kippur, o Hamas invadiu Israel com ataques terrestres e aéreos. Essa ação foi possível devido a uma instabilidade no sistema de inteligência israelense, devido ao recente afrouxamento das tensões, que permitiu o Estado de Israel encarar com negligência os perigos de uma ofensiva inimiga. Tal falsa percepção de desarticulação do Hamas se deu pela extrema dificuldade de Israel em descobrir o que acontece no território comandado pelo grupo – a faixa de Gaza -, uma vez que a Organização se estabelece de maneira secreta e intransigente, nunca tendo abandonado a postura de um estado de guerra.
A invasão, que contou com lançamento de foguetes, destruição de muros fronteiriços, incursões armadas por terra, entre outras ações, foi responsável pela morte de milhares de civis israelenses, além de um número ainda maior de feridos e sequestrados. Embora esse ataque demonstre um grande preparo e planejamento do Hamas, não se sabe ao certo quais são seus objetivos com ele, a não ser, é claro, demonstrar sua constante insatisfação com a tomada de território palestino por Israel, que vem cometendo violências com o povo árabe há mais de meio século.
Além disso, observa-se que a organização islâmica se aproveitou de um momento de fragilidade interna de Israel para agir, uma vez que o país judaico vêm enfrentando ameaças em seus sistemas democráticos, com riscos de concentração de poder excessivo nas mãos do primeiro ministro, o que pode também agravar a questão da palestina. Essa situação foi motivo de inúmeros protestos dentro de Israel, por parte da população preocupada com os rumos de sua política interna, o que fez com que a preparação do país para receber um ataque externo fosse significativamente menor que o normal.
Apesar disso, as retaliações israelenses foram massivas e desproporcionais ao tamanho do ataque árabe. Os bombardeios de Israel à faixa de Gaza vem aumentando o número de mortes e feridos palestinos, além da destruição do território que ocasionou o desabrigo de milhares de civis. Apesar do foco do conflito se dar em Gaza, a Cisjordânia também vem sofrendo ataques israelenses. A intenção de Israel – liquidar o Hamas – é muito difícil de ser alcançada, já que a organização sobrevive pela ideia que continuará sendo perpetuada mesmo com a destruição de líderes e bases de operação.
Entende-se, portanto, que o conflito de 2023 segue uma sequência de guerras que abarcam o Oriente Médio desde a consolidação de seus dois atores nas relações internacionais. Além disso, também é importante ressaltar que a questão palestina é também perpetuada por fatores externos, como o apoio dos Estados Unidos da América ao lado judaico e o envolvimento de diversos países da região a favor da palestina. É em razão desse motivo e de sua história tão complexa e multifacetada, que a resolução do conflito entre Israel e Palestina é uma das pautas mais desafiadoras da política global, e, por isso, deve ser tratada com a devida relevância e profundidade.
Fontes
https://www.un.org/unispal/history/
https://peacekeeping.un.org/en/mission/past/unef1backgr1.html
https://www.britannica.com/event/Arab-Israeli-wars
https://www.aljazeera.com/news/2023/10/9/whats-the-israel-palestine-conflict-about-a-simple-guide
https://www.aljazeera.com/features/2018/10/8/the-october-arab-israeli-war-of-1973-what-happened
https://www.britannica.com/event/2006-Lebanon-War
https://www.youtube.com/watch?v=UmPrpBFPK-8
https://www.youtube.com/watch?v=1XFmc-_2_w0
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