Carregando agora
×

Inglês como Língua Franca e as Relações Globais

Inglês como Língua Franca e as Relações Globais

Escrito por Sofia Lagares, seleção de imagens por André Serafim

No mundo contemporâneo, é inegável a grande disseminação da língua inglesa nas mais variadas esferas globais, tornando-a um elemento cotidiano para diferentes comunidades linguísticas ao redor do planeta. Nesse sentido, o inglês simboliza, hoje, conexão com o mundo globalizado e abre portas para a integração com pessoas, instituições e governos de diversas nacionalidades, além de concentrar a grande maioria da produção científica, das interações na Internet e das trocas diplomáticas. Ao analisarmos o número de falantes, o inglês é a principal língua da atualidade, apresentando 1,3 bilhão de praticantes, sendo 379 milhões falantes nativos e 753 milhões não-nativos, o que indica um número maior de indivíduos que aprenderam a língua inglesa tendo outro idioma como materno. Por servir majoritariamente como meio de comunicação entre falantes multilíngues, define-se o inglês como Língua Franca.

Fonte: https://time.com/3661490/coca-cola-signs/

 

O QUE É UMA LÍNGUA FRANCA?

Línguas Francas, por definição, são línguas utilizadas para facilitar a comunicação entre povos que não compartilham um primeiro idioma, tendo uma existência que data dos primeiros impérios e comunidades linguísticas. Seu conceito tem origem no árabe “lisān al-faranj”, que significa “A Língua dos Francos” ou “Língua dos Europeus”, em que faranj era o termo usado para se referir aos povos da Europa, com exceção da Grécia. No Mediterrâneo, o comércio entre árabes, europeus e turcos fez surgir uma interlíngua com predominância da gramática simplificada do italiano, com palavras emprestadas do espanhol, do árabe, do persa, do turco e do francês. A origem etimológica da expressão demonstra a interação entre grupos que se comunicam mediante uma língua que não é nativa para eles.

As rotas comerciais do Mediterrâneo medieval. Fonte: https://pin.it/6Dn0AAV4X

 

Dessa forma, ao longo da história, uma variedade de idiomas foram utilizados como francos, a exemplo da língua aramaica na Antiguidade e do grego e do latim durante o Império Romano. Em partes da Ásia, da África, da Europa e da Oceania, o árabe é língua franca desde o século VII até os dias atuais. Na África Subsaariana, o hauçá predomina atualmente como língua comercial. 

 

No mundo ocidental europeu, a partir do século XVII, o francês funcionou como língua franca e diplomática, o que se reflete ainda hoje em sua utilização em documentos e instituições da diplomacia. Ainda, o alemão, nos séculos XIX e XX, serviu como meio de comunicação em parte da Europa.

O INGLÊS

O inglês tem sido utilizado como língua franca desde a empreitada colonialista britânica que transformou a Inglaterra no maior império da história e na principal potência do mundo por mais de um século, chegando a dominar quase um quarto do planeta.

Fonte: https://www.loc.gov/resource/ppmsca.28182/

Com a derrocada da influência dos ingleses, os Estados Unidos surgiram como principal eixo de poder do século XX, período que assistiu ao processo de globalização ganhar proporções nunca vistas, devido ao estabelecimento de uma comunidade global extremamente conectada, facilitada pelo desenvolvimento das tecnologias de transporte e de comunicação. Assim, a partir da década de 50 do século passado, incentivado pela centralidade e hegemonia dos EUA no ocidente, o inglês passou a funcionar como uma língua franca global, em uma categoria completamente singular do que já havia sido visto até então. O inglês, hoje, é utilizado como principal língua intermediadora em interações internacionais, em publicações científicas, em produtos culturais e em postagens online. Mas qual é o efeito disso?

 

A LINGUÍSTICA E O PODER

A língua, enquanto elemento essencialmente cultural, que reflete e é refletida por quem a fala, é parte intrínseca da identidade de um povo. Nesse viés, é fato que também está relacionada com o exercício do poder político e a quais identidades é permitida a existência em liberdade. O uso da língua é e sempre foi político, portanto, o projeto colonialista de dominação por parte das potências europeias utilizava a imposição da língua como instrumento de supressão da cultura, dos saberes e do modo de vida nativos, além de propagarem discursos de superioridade do homem e da cultura branca ocidental.

“Começa a Escola – ‘Agora, crianças, vocês têm que aprender estas lições, querendo ou não!'” Fonte: https://www.loc.gov/pictures/item/2012647459/

No cenário atual, a expansão do inglês, principalmente com ênfase nos sotaques e nas gramáticas padrões estadunidense e britânica, demonstra o principal eixo de poder do uni-multilateralismo, que se concentra nos EUA e nos chamados países do norte global, e aponta para um domínio cultural, epistemológico e econômico que se perpetua nas marcas deixadas pela colonização. A língua inglesa e sua cultura, então, se apresentam como um passaporte para a inserção no processo de integração do mundo globalizado, ditado ainda, em sua maioria, por essas potências. 

 

Como consequência, essa língua franca é marcada pela vantagem dos falantes nativos e pela exclusão não apenas de não-falantes, mas também de conhecimentos produzidos em outras realidades linguísticas. 

 

Por fim, é interessante notar que, à medida que a China vai ganhando destaque na nova ordem mundial, pesquisadores apontam para a crescente relevância do mandarim e de seu aprendizado para a participação no cenário global, demonstrando o papel cada vez maior dos chineses enquanto potência econômica e influência.

 

O ILF

O Inglês Língua Franca (ILF) é uma denominação que estuda essa língua franca como algo que supera a língua inglesa falada nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Jamaica ou nas Bahamas, aqui o ILF adquire características próprias de um idioma que não é mais “propriedade” dos falantes nativos, mas sim de toda a comunidade linguística, que, por meio da desterritorialização do inglês, o modifica e adapta, tendo em vista a expressividade de suas próprias características culturais. Essa interpretação do ILF respeita os diferentes sotaques, os regionalismos, o modo de expressão de diferentes culturas e o modo como cada povo significa e se expressa em inglês, derrubando o mito da “natividade”, da “perfeição” e da “fluência” na língua, que implica a homogeneização e o apagamento da cultura de quem fala.

As grandes variedades do inglês pelo mundo. Fonte: https://pin.it/3SxRMld68

Apesar de não substituir a preservação do patrimônio linguístico local, a reivindicação do ILF principalmente pelos povos do sul global é parte de um processo de valorização, de revitalização e de defesa da própria identidade perante as pressões da ideologia imperialista violentamente imposta no passado.

 

CONCLUSÃO

 O uso do inglês como língua franca escancara o idioma como elemento de integração e, simultaneamente, como barreira exclusionária, firmada na imposição colonial e refletindo as dinâmicas de poder que permeiam a atualidade como resultado de um processo histórico. Assim, a consciência política em torno da língua, de seus aspectos e de sua utilização é essencial para a tomada de protagonismo do sul global.

 

Você gostou de ler este artigo? Acompanhe-nos nas redes sociais – estamos no Instagram e no Twitter. Além disso, confira nosso podcast no Spotify, O Internacionalista, produzido pelos membros da nossa equipe, estudantes de Relações Internacionais da USP. Também temos projetos de Relações Internacionais dedicados à pesquisa, educação e eventos. Se você estiver interessado em apoiar financeiramente e contribuir para a expansão e continuidade dos nossos projetos, ficaríamos muito gratos se pudesse fazer uma contribuição via PIX para a chave: laibl@usp.br

REFERÊNCIAS:

ANJOS, Flavius Almeida dos. O inglês como língua franca global da contemporaneidade: em defesa de uma pedagogia pela sua desestrangeirização e descolonização. Revista Letra Capital, v. 1, n. 2, jul./dez. 2016, p. 95-117

SIQUEIRA, R. P. P. Inglês como Língua Franca: breve panorama da produção científica de um campo de estudos plenamente consolidado. Polifonia, v. 26, n. 43, p. 209–234, 2019.

DE ALMEIDA COURA, P. M. DE C. C. L. A. C. T. DE O. F. INGLÊS COMO LÍNGUA FRANCA, O MITO DA NATIVIDADE E AS IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO/APRENDIZAGEM DA LÍNGUA INGLES. Revista Trem de Letras, v. 6, p. 1–18, 2020.

https://revistadaanpoll.emnuvens.com.br/revista/article/view/1926/1384

https://e-revista.unioeste.br/index.php/linguaseletras/article/view/20257/pdf

https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/92461

https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/ingles

https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/53985/3/JOAO%20FABRICIO%20GAVIAO%20FRAGOSO%20JUNIOR%20-%20DISCUTINDO%20A%20LÍNGUA%20INGLESA%20COMO%20LÍNGUA%20FRANCA.pdf

http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2016/2016_artigo_lem_unioeste_belizamayarariewe.pdf

https://www.scielo.br/j/rbla/a/MYDYbjDqBK4SNBvxg6DBfjS/

Share this content: