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Israel em Xeque: Estratégia, Conflitos e o Tabuleiro Geopolítico Atual

Israel em Xeque: Estratégia, Conflitos e o Tabuleiro Geopolítico Atual

Escrito por Maria Luisa Almeida e Rafael Paoliello de Ávila

Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelense na 78° sessão da Assembleia Geral da ONU

Em meio ao emaranhado de tensões e incertezas que envolvem o Oriente Médio, Israel se destaca como um ator central cuja posição estratégica molda, de maneira decisiva, a geopolítica da região e além. Ancorado em uma visão de segurança que privilegia a ação militar preventiva e a superioridade tecnológica, o país navega por um cenário onde a multiplicidade de ameaças externas e dilemas internos se entrelaçam. Os desafios não se restringem apenas aos embates diretos com facções como o Hamas ou o Hezbollah, mas se expandem para a necessidade de equilibrar alianças, sobretudo com os Estados Unidos, em meio à crescente influência de potências regionais como o Irã. Tal equilíbrio, por sua vez, demanda habilidade  de Israel em navegar essas complexidades geopolíticas será decisiva para seu futuro em um ambiente regional cada vez mais volátil e instável, para assim evitar que a busca pela segurança sob os parâmetros do estado israelense desencadeie uma escalada irreversível em um território marcado por instabilidade crônica. Manobrar nesse ambiente complexo se revela fundamental para a definição de seu papel, tanto como força militar predominante quanto como peça-chave em um tabuleiro global sempre à beira de um novo ciclo de conflito.

Entre guerras e negociações: o caminho que trilha o cessar-fogo em Gaza

O conflito com o Hamas, organização que controla a Faixa de Gaza, continua sendo uma das principais fontes de instabilidade na região. Desde a ascensão do Hamas ao poder em 2007, o confronto com Israel segue uma dinâmica de violência cíclica, caracterizada por operações militares, lançamentos de foguetes e ataques aéreos. Este conflito tem raízes históricas profundas, remontando à criação do Estado de Israel em 1948 e à subsequente disputa por território e autodeterminação. A expansão dos assentamentos israelenses na Cisjordânia, combinada com o bloqueio de Gaza, agrava as tensões, criando um ambiente propício à radicalização e ao desgaste das tentativas diplomáticas de mediação. Mais recentemente, os embates em 2021 marcaram uma nova escalada, evidenciando as dificuldades em alcançar um cessar-fogo duradouro. Os efeitos humanitários sobre a população palestina em Gaza, além da condenação internacional, tornam o conflito uma questão sensível na política externa de Israel, mas também uma prioridade em sua estratégia de segurança.

As negociações para um possível cessar-fogo na Faixa de Gaza ocorrem em meio a um contexto político e humanitário complexo, envolvendo múltiplos atores regionais e internacionais com agendas frequentemente conflitantes. Israel e o Hamas estão no centro das tratativas, mas o sucesso dessas conversas depende também da mediação de países como Egito, Catar e Turquia, além de potências globais como os Estados Unidos e a União Europeia. O Egito, devido à sua proximidade geográfica e influência histórica sobre Gaza, desempenha um papel importante como intermediário, enquanto o Catar, além de fornecer apoio financeiro à região, busca reforçar sua relevância diplomática no mundo árabe. Esses mediadores, no entanto, têm seus próprios interesses estratégicos. O Egito, por exemplo, deseja estabilidade em suas fronteiras e a contenção de movimentos radicais islâmicos, enquanto o Catar procura consolidar sua posição de influência na política regional. Simultaneamente, os Estados Unidos, com sua influência sobre Israel e apoio militar ao país, exercem um papel determinante nas decisões estratégicas, mas também enfrentam pressões internas para promover uma solução que leve em conta o aspecto humanitário do conflito.

Palestinos evacuam após ataque israelense em Sousi (Gaza)

As dificuldades nas negociações refletem demandas profundamente divergentes entre as partes. Israel condiciona qualquer acordo ao desarmamento do Hamas e à cessação dos ataques com foguetes, enquanto o Hamas exige o fim do bloqueio que Israel e o Egito impõem à Faixa de Gaza, além da libertação de prisioneiros palestinos. Essas condições são difíceis de conciliar, resultando em um ciclo contínuo de violência que mina os esforços diplomáticos. A troca de ataques e operações militares, tanto de Israel quanto do Hamas, cria um ambiente de constante tensão, no qual a possibilidade de avanços significativos nas negociações permanece remota.

Outro fator é a crise humanitária em Gaza, acentuada pelo bloqueio e pela destruição generalizada provocada pelos confrontos. A comunidade internacional, incluindo organizações como a ONU, tem pressionado por um cessar-fogo imediato para facilitar a entrada de ajuda humanitária e proteger a população civil. No entanto, a efetividade dessas pressões está condicionada à capacidade de garantir a segurança tanto dos cidadãos israelenses quanto dos palestinos, o que se torna uma tarefa extremamente difícil diante da desconfiança mútua e da continuidade das hostilidades. As negociações são profundamente influenciadas pelas dinâmicas políticas internas tanto em Israel quanto em Gaza. Em Israel, o governo enfrenta pressões de setores mais conservadores para adotar uma postura inflexível, enquanto em Gaza o Hamas busca consolidar sua autoridade perante outras facções palestinas e diante da própria população, o que frequentemente resulta em uma postura rígida nas negociações, dificultando concessões que poderiam pavimentar o caminho para um consenso. Para que um cessar-fogo duradouro e efetivo seja alcançado, decisões e estratégias precisam serem definidas para além de acordos pontuais, Faz-se necessário que as desconfianças sejam superadas e que as relações entre as partes sejam reformuladas, de modo a quebrar o  ciclo de conflito que tem perpetuado a crise na região.

Quem tem amigos tem tudo

Em um cenário de segurança marcado pela volatilidade, a aliança com os Estados Unidos emerge como um pilar estratégico essencial para Israel no complexo jogo geopolítico global. Washington, há décadas, se destaca como o principal provedor de assistência militar e diplomática, assegurando a supremacia tecnológica de Israel e oferecendo respaldo político em arenas internacionais. A influência americana também permeia as negociações de paz e os esforços de mediação regional, apesar dos contínuos insucessos desses processos evidenciarem as limitações das abordagens tradicionais. Para os Estados Unidos, a estabilidade de Israel é considerada crucial para a contenção do Irã e para a preservação de sua hegemonia no Oriente Médio. No entanto, o apoio incondicional a Israel tem colocado a diplomacia americana em situações delicadas, especialmente durante períodos de intensificação da violência, que resultam em elevadas perdas civis e amplificam as críticas no cenário internacional.

Presidente americano, Joe Biden, com Benjamin Netanyahu

Apesar do histórico de apoio ao combate israelense contra o Hamas, os Estados Unidos têm pressionado por uma resolução rápida do conflito, conscientes de que a prolongação das hostilidades acarreta danos significativos à sua imagem geopolítica. A continuidade do confronto, especialmente com o crescente número de vítimas civis palestinas e a destruição em larga escala em Gaza, alimenta críticas internacionais que questionam a legitimidade da liderança americana em temas de direitos humanos e mediação de paz. Além disso, o desgaste diplomático se intensifica à medida que aliados estratégicos dos EUA, incluindo países árabes que recentemente normalizaram relações com Israel, enfrentam pressões internas crescentes diante da escalada da violência. A percepção global de que Washington apoia operações militares que provocam crises humanitárias de forma irrestrita coloca em risco a estabilidade de suas alianças regionais e mancha sua imagem como uma potência global comprometida com a ordem internacional. Assim, a pressa americana em buscar o fim do conflito reflete um esforço para mitigar os impactos negativos sobre sua influência no Oriente Médio e preservar sua credibilidade em um cenário global cada vez mais multipolar e competitivo.

O Governo Israelense

O Estado de Israel, sob a égide de seu governo atual, tem intensificado políticas que consolidam um regime de ocupação e segregação, exacerbando a violência contra o povo palestino. As operações militares em Gaza, comumente justificadas sob o pretexto de autodefesa, frequentemente resultam em um número desproporcional de vítimas civis, sendo interpretadas por muitos analistas como parte de uma estratégia mais ampla de controle territorial e de supressão à autodeterminação palestina. Tal abordagem tem levado a comunidade internacional a debater a caracterização dessas ações como genocídio, à medida que parecem visar, de forma deliberada ou sistêmica, a destruição de um povo, não apenas por meio da violência direta, mas também pela deterioração sistemática das condições de vida e pela negação de direitos fundamentais, como o acesso à saúde, à educação e à liberdade de movimento. Neste contexto, as práticas israelenses são vistas não apenas como uma série de medidas punitivas contra insurgências específicas, mas como uma tentativa mais ampla de desmantelar a identidade e a coesão social palestina, criando um ambiente de desespero e desumanização que serve para perpetuar o ciclo de conflito.

Paralelamente, o apoio dos Estados Unidos a essas políticas israelenses não só reforça a impunidade do governo de Israel, como também contribui para a perpetuação do ciclo de violência que parece cada vez mais afastar a possibilidade de uma solução pacífica e duradoura para o conflito. Este apoio é frequentemente criticado por ignorar as violações de direitos humanos em nome de uma aliança estratégica, desconsiderando as consequências humanitárias que decorrem dessa postura. Ao sustentar um regime que muitos veem como opressor, os Estados Unidos não apenas minam os esforços de mediação e paz, mas também alimentam uma narrativa global de desigualdade e injustiça, exacerbando a radicalização e a resistência. é evidente que não negado o direito de Israel à segurança, mas questiona-se os meios pelos quais esse direito tem sido exercido, apontando para a urgência de uma mudança de paradigma que privilegie a dignidade humana e os direitos fundamentais como pilares centrais da política regional. 

Atacar para defender

Paralelamente, as operações militares de Israel além de suas fronteiras refletem a complexidade de seu entorno estratégico. A estratégia israelense de realizar ataques preventivos contra potências além de suas fronteiras é uma manifestação de sua doutrina de segurança, que visa impedir o fortalecimento de inimigos regionais que possam representar ameaças existenciais no futuro. Israel adota uma abordagem conhecida como a “doutrina Begin”, baseada na ideia de que qualquer potencial de desenvolvimento de armas de destruição em massa ou infraestrutura militar avançada em países hostis deve ser neutralizado antes que se concretize. As operações contra instalações nucleares no Iraque em 1981 e na Síria em 2007 ilustram essa lógica. Atualmente, as incursões israelenses na Síria e no Iraque, assim como os ataques contra forças iranianas e seus aliados, são motivadas pela necessidade de impedir a consolidação de um “arco de influência” iraniano que se estende do Irã até o Líbano, passando pela Síria e pelo Iraque. A presença de milícias financiadas e armadas por Teerã perto das fronteiras de Israel é vista como uma ameaça direta à sua segurança nacional, levando o país a adotar ações preventivas para desmantelar redes logísticas, estoques de armamentos e instalações de produção de mísseis. Esses ataques também servem como mensagens políticas, sinalizando a disposição de Israel em agir unilateralmente para proteger seus interesses, mesmo sob o risco de aumentar as tensões regionais.

 No Líbano, o Hezbollah, apoiado pelo Irã, representa uma ameaça direta. O ataque em Beirute, atribuído a Israel, foi uma demonstração clara de sua política de “defesa preventiva”, cujo objetivo é neutralizar qualquer potencial de ataque antes que ele se materialize. Além disso, Israel tem realizado ações clandestinas e ataques aéreos na Síria e no Iraque, visando a infraestrutura militar iraniana e seus aliados. Essa estratégia agressiva, embora eficaz em conter ameaças imediatas, corre o risco de desencadear uma guerra regional mais ampla. Um conflito generalizado poderia envolver múltiplos atores, incluindo o Irã, e transformar o Oriente Médio em um palco de confrontos entre potências regionais e internacionais, com consequências devastadoras para a estabilidade global. As tensões latentes entre Israel e o Irã, em especial, têm o potencial de escalar rapidamente, dado o apoio iraniano a grupos armados que cercam Israel por todos os lados, e o comprometimento de Teerã em desenvolver capacidades militares avançadas.

A questão iraniana

Os conflitos no Oriente Médio protagonizados por Israel vem em uma crescente escalada com uma tensão propagada a outros países após o assassinato de Ismail Haniyeh, líder do Hamas no dia 31 de julho. Autoridades iranianas afirmam que a morte foi resultado do disparo de um projétil de curto alcance em um complexo onde Ismail Haniyeh estava hospedado em Teerã. Dessa forma, a Guarda-Revolucionária do Irã atribuiu o ataque a Israel e aos Estados Unidos, e com toda a repercussão, o Irã e o Hezbollah, organização extremista do Líbano, prometeram revidar o ataque diretamente. Entretanto, Netanyahu e Israel não reconheceram nenhum tipo de responsabilidade acerca do ocorrido. Atualmente, se considera que os iranianos devem realizar um ataque combinado com drones e mísseis com aliados do Iêmen, Síria e Iraque contra alvos militares próximos a Tel Aviv e Haifa.A crescente tensão na região é consequência dos ataques que vêm sido realizados a região de Gaza por Israel. 

Acerca do histórico entre os dois países, os laços estabelecidos entre eles nunca foram muito profundos, e com a Revolução Islâmica no Irã em 1979, o país passou de potência liberal a um regime estritamente islâmico, começando a se posicionar diretamente contra os Estados Unidos e seus aliados, incluindo Israel.

Possíveis repercussões

Pelo Oriente ser uma região rica em petróleo, uma eventual resposta iraniana elevaria a escala da guerra, podendo escalar a crise para outras regiões, bloqueando o estreito de Ormuz (um território de 210 km de extensão situado entre o Irã, Emirados Árabes Unidos e o Omã, no qual diariamente passam cerca de 20 milhões de barris de petróleo por dia, valor correspondente a 30% do produto no mercado internacional), o que pode levar a um aumento exorbitante nos preços da commodity.

Netanyahu, primeiro-ministro israelense, apresenta um posicionamento muito rígido quanto à guerra, afirmando só cessar os ataques com a eliminação completa do Hamas. Apesar do apoio a Israel, Joe Biden, atual presidente americano, disse que o assassinato de Haniyeh, antigo líder do Hamas,  não ajudaria em negociações de um cessar-fogo na Faixa de Gaza. Além de declarar preocupação com aumento das tensões no Oriente Médio. De mesmo modo, o Irã também conta com o apoio de diversos países da região, como Paquistão, Síria, Jordânia, Arábia Saudita e Somália  pela proximidade ideológica e conflitos prévios com Israel.

Outra questão que surge do conflito é a escala que pode se atingir para além das alianças, com a questão nuclear, uma vez que ambos países possuem certas capacidades. Nesse sentido, A AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) alertou, em abril, sobre o risco de envolvimento atômico no conflito.  Segundo a Associação de Controle de Armas dos Estados Unidos, o Irã não possui armas nucleares. No entanto, o país tem um órgão dedicado ao assunto, a Organização de Energia Atômica do Irã, que conta com uma mina de urânio, um reator nuclear, instalações de processamento de urânio e centros de pesquisa. Em contrapartida, Israel é um dos nove países que conta com ogivas nucleares em seu armamento militar. 

Tendo todas essas questões em conta, um confronto direto entre Israel e Irã é temido, porém esperado pelos atuais posicionamentos de suas respectivas lideranças. Duas semanas após o assassinato de Ismail Haniyeh, o Irã prometeu uma retaliação a Israel, contudo isso ainda não ocorreu. Essa incerteza monta um clima de suspense e meticulosidade, com países esperando a resposta a qualquer momento, incluindo possivelmente que possa vir de representantes iranianos e não do próprio Irã a regiões militares e de não habitação civíl. O Irã afirma que um  cessar-fogo em Gaza teria um efeito cascata de diminuir tensões na região.

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Fontes Bibliográficas

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https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/biden-acordo-de-cessar-fogo-em-gaza-esta-proximo-mas-ainda-nao-chegamos-la/

https://exame.com/mundo/resposta-do-ira-a-morte-de-lider-do-hamas-vira-suspense/

https://www.poder360.com.br/poder-internacional/conflito-no-oriente-medio-escala-com-tensao-entre-ira-e-israel/

https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2024/08/14/quem-tem-mais-poder-militar-ira-ou-israel.htm 

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