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É a lei do mais forte que se aplica? O Discurso de Macron 

É a lei do mais forte que se aplica? O Discurso de Macron 

Por Raquel Zaleschi e Luiza Krueger

No dia 5 de março de 2025 o presidente francês Emmanuel Macron fez um discurso de teor nacionalista ao seu país. A fala do chefe de estado causou comoção na comunidade internacional ao abordar assuntos minados como o conflito russo-ucraniano, as medidas armamentícias e fiscais tomadas pelo presidente americano Donald Trump, e o papel que a União Europeia deve desempenhar nesses conflitos. 

“A ameaça russa existe e afeta os países da europa”

Durante os primeiros minutos do seu discurso, Emmanuel Macron classificou a Rússia como uma ameaça à Europa. Como divulgado pelo presidente, é estimado que o país do Leste Europeu destine cerca de 40% do seu orçamento para o setor militar, sendo estimado que até 2030, o exército russo irá incorporar mais 300 mil soldados, 3.000 tanques e 300 aviões de caça. 

A afirmação de Macron encontra respaldo diante do recente aumento de 25% dos gastos militares russos para o que Moscou chama de “operação militar especial na Ucrânia”. Além disso, em ocasiões, o chefe de estado do país, Vladimir Putin, não exitou em reforçar que o gigante euro-asiatico não pretende parar até alcançar “todos os seus objetivos fixados”.

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Emmanuel Macron e Vladimir Putin em dezembro de 2019. Foto: LUDOVIC MARIN / AFP

Ademais, Macron denunciou, supostas medidas intervencionistas russas nas eleições da Romênia e Moldávia, uma política de estado focada na manipulação midiática, e foi enfático ao classificar a Guerra da Ucrânia como um conflito mundial, apontando o envolvimento de soldados norte-coreanos e a presença de um equipamento iraniano no exército russo como evidências de que o conflito havia ultrapassado limitações geográficas e agora se tornava um palco para demonstrações agressivas do “projeto expansionista russo”. 

Diante desse cenário, o presidente afirma que as ambições russas não encontram limites, e declara que permanecer um espectador diante ao horror é uma loucura. Nesse sentido, o presidente evoca a unidade do continente perante ameaças externas  e destaca a necessidade de armamento do continente europeu e da formação de uma união entre os aliados. 

De forma análoga ao chefe de Estado francês, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, em discurso no Parlamento Europeu no dia 11 de março, fez um apelo bélico, evocando a necessidade de defesa e segurança do bloco. No mesmo prisma da alegação de Macron sobre a “inocência” da Europa envolvendo os últimos trinta anos – desde a queda do muro de Berlin -, von der Leyen declarou que “O tempo de ilusões terminou ” e que a Europa deveria preocupar-se com a própria defesa de maneira imediata. 

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Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. Imagem: FREDERICK FLORIN / AFP

A França é um dos exércitos mais poderosos da Europa, e sua atual posição combativa é extremamente significativa para o que o presidente do país chama de “Nova Era”. Contudo, o projeto da formação de uma frente militar organizada pode encontrar desafios, isso porque alguns países da União Europeia como a Alemanha e a Áustria adotaram políticas limitantes à militarização após a Segunda Guerra Mundial. Além disso, a dependência perene do continente europeu aos Estados Unidos no setor militar também impede a autonomia tecnológica e bélica almejada no discurso. 

“O futuro da Europa não tem de ser decidido em Washington ou em Moscou”

Em seu discurso, Macron se volta para os Estados Unidos diversas vezes, mencionando as novas tarifas alfandegárias propostas pelo presidente Donald Trump contra os produtos europeus, o que ele chama de “medidas incompreensíveis”, e sua mudança de posicionamento dentro do contexto da guerra na Ucrânia. 

O presidente francês destaca como as medidas estadunidenses, dentro do tenso contexto atual do cenário global, não ficarão sem resposta por parte das França ou do continente europeu, afirmando que deseja que os Estados Unidos se mantenha ao lado da Europa, mas que eles precisam “estar prontos caso isso não aconteça”. Nesse sentido, ele deixa claro a necessidade de independência bélica do continente perante a “agressividade sem fronteiras” russa, incentivando que os países europeus passem a desenvolver suas indústrias armamentistas para dissuadir o país euro-asiático, principalmente por não poderem mais contar com o auxílio dos Estados Unidos.  

Em uma primeira análise, as alegações do Presidente Macron referem-se às propostas de Donald Trump, já lançadas no início de seu mandato e às quais ele anunciou entrar em vigor em abril, de impor tarifas de 25% sobre carros e outros produtos europeus. 

Somado a isso, os recentes avanços estadunidenses direcionados à guerra na Ucrânia tem gerado comoção no cenário internacional, sentimento que transparece nas medidas militares severas mencionadas por Macron como necessárias. Recentemente, após uma reunião entre autoridades norte-americanas e russas acerca da guerra no dia 18 de fevereiro, Donald Trump sugeriu que a Ucrânia é culpada pela invasão russa ao anunciar que o país do leste europeu já deveriam ter “acabado” com a guerra depois de três anos, e que ele “nunca deveriam ter começado [a guerra]”. 

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Marco Rubio, Secretário de Estado dos EUA, e Sergei Lavrov, Ministro das Relações Exteriores da Rússia, se reúnem na Arábia Saudita para negociações sobre a guerra na Ucrânia. Fonte: Russian Foreign Ministry / Handout/Anadolu via Getty Images

Posteriormente, a Casa Branca anunciou no dia 3 de março, que iria suspender a ajuda militar à Ucrânia. 

“Estamos pausando e revisando nossa ajuda para garantir que ela esteja contribuindo para uma solução”, afirmou uma fonte dentro da Casa Branca.

Essa medida, somada à recente aproximação entre Trump e Putin, evidenciada pela reunião entre as autoridades na capital da Arábia Saudita no dia 18, que excluiu a Ucrânia da mesa de negociações sobre um conflito em seu próprio território, justifica a preocupação europeia envolvendo o desenrolar da guerra e as intenções norte-americanas.

“Nossa dissuasão nuclear nos protege, ela é completa e soberana”

O discurso do dia 5 se apoiou em um pilar crucial: a questão nuclear. Ao abordar o assunto, Macron celebrou a dissuasão nuclear privilegiada do país, qualificando-a como “completa e soberana”. Após a saída do Reino Unido, a França se tornou o único país da União Europeia com um arsenal nuclear e, ciente disso, o chefe do Executivo francês enxerga esse fato como uma contribuição inigualável para a segurança da França e da Europa, além de ser um importante elemento para a reafirmação da sua influência nas negociações internacionais.

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Países que possuem armas nucleares. Legenda feita pelo jornal The New York Times. Fonte: Federation of American Scientist

Durante todo o discurso, Macron se mostrou um entusiasta do nacionalismo francês. Cerrando os punhos para enfatizar, o presidente inseriu falas como o desejo de alcançar a “independência em questões de defesa e segurança” e afirmou que a dissuasão nuclear era “francesa do começo ao fim”. O francês também evocou temas conhecidos pela pátria, como “a liberdade”, e ao fim fez um apelo aos franceses e à Nação Europeia.

Contudo, a questão bélica nuclear se revela mais uma vez um tópico extremamente sensível. Após o uso de armas nucleares no Japão, a comunidade internacional passou a se preocupar com o assunto e, assim, propôs uma série de tratados supranacionais, sendo dois deles o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e o Tratado de Proibição de Armas Nucleares (TPNW).

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O Secretário de Relações Exteriores britânico Michael Stewart (terceiro da direita) assinando o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, Londres 1968. Fonte: Britannica

O TNP foi adotado em 1968 e visava reprimir a proliferação de armas nucleares, permitindo que apenas os cinco países permanentes do Conselho de Segurança da ONU — China, EUA, França, Reino Unido e Rússia — pudessem possuir armas nucleares. Já o TPNW foi adotado pela Organização das Nações Unidas em 2017 e tinha como uma de suas bases a eliminação completa das armas nucleares, seu uso e sua instrumentalização para executar ameaças. O tratado nunca foi assinado pelos membros permanentes do Conselho de Segurança.

Após a repercussão das falas de Macron, Vladimir Putin declarou que encarava a situação como um “caso que se enquadraria no TPNW, uma ‘chantagem nuclear’”. O líder do Kremlin respondeu ao presidente francês relembrando um passado glorioso da Rússia, como a derrota do ex-imperador francês Napoleão Bonaparte pelo exército russo: “Ainda há pessoas que querem voltar aos tempos de Napoleão, esquecendo como tudo terminou”. A tática é amplamente usada por Putin, que constantemente relembra a vitória do Exército Vermelho em suas falas sobre a guerra na Ucrânia, a fim de reacender o nacionalismo na população.

Referências: 

https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2024/09/30/russia-vai-aumentar-gastos-com-defesa-em-quase-30percent-em-2025-putin-diz-que-atingira-todos-seus-objetivos-na-ucrania.ghtml

https://www.youtube.com/watch?v=ghM3D8OIbgghttps://www.cnnbrasil.com.br/internacional/franca-considera-proteger-aliados-europeus-com-arsenal-nuclear-diz-macron/

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/03/06/russia-critica-macron-ameaca-armas-nucleares.ghtml

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/trump-diz-que-ucrania-nao-deveria-ter-iniciado-guerra-com-russia/

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cddy2dl948zo

https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/trump-propoe-tarifas-de-25-para-produtos-da-ue/

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2025/03/11/presidente-da-comissao-europeia-defende-rearmamento-do-bloco-e-alerta-que-tempo-das-ilusoes-terminou.htm

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