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Pacto para o Futuro

Pacto para o Futuro

Por Laura Burgos e Matheus Veríssimo

A Cúpula do Futuro

Em Nova Iorque, representantes dos 193 países-membros da ONU e lideranças jovens se reuniram para discutir um novo Pacto para o Futuro. Muitos atores internacionais vêm questionando o atual arranjo do mundo, por sua percebida incapacidade de gerenciar as crises que assolam a humanidade. Talvez em resposta à escalada de diversas tensões, essa assembleia decidiu elaborar um documento com propostas e ambições que merecem um olhar mais atento.

Entre os dias 20 e 23 de setembro, a Cúpula do Futuro congregou a representação dos membros das Nações Unidas para deliberar sobre caminhos para solucionar os paradigmas do século XXI e das gerações vindouras. Durante os trabalhos, foram ouvidas diversas lideranças jovens da sociedade civil organizada, sob o pretexto de fomentar maior participação deste público nas discussões.

Dentre os assuntos abordados, há aqueles que já são debatidos de forma extensa pela ONU, como a Paz e Segurança internacionais, o Desenvolvimento dos países e a Emergência Climática. Porém, assuntos cujo debate ainda é pouco sedimentado ganharam mais atenção, como a Inteligência Artificial e as Tecnologias Digitais, além de propostas de maior inclusão de jovens em futuros debates deliberativos.

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Discurso do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, na Cúpula do Futuro de 2024 / UN – Loey Felipe

Em verdade, bastantes aspectos dessa reunião já foram debatidos anteriormente em documentos como a Agenda 30, porém muitos dos objetivos desses acordos encontram-se preocupantemente atrasados ou absolutamente abandonados. As crises que o mundo passou nos últimos anos, como a pandemia da Covid-19 e a emergência de novas guerras, têm contribuído para a atual crise de descrédito do multilateralismo e das organizações internacionais.

Nesse sentido, este novo Pacto para o Futuro seria recomeço para a cooperação internacional ou apenas mais uma tentativa frustrada? Neste Olhar Internacional, analisaremos os principais pontos abordados pelo Pacto e buscaremos tirar algumas conclusões sobre sua viabilidade prática.

Segurança global

No contexto de aumento nas hostilidades entre os países, o Pacto versa sobre os temas de Paz internacional e Segurança mútua. O documento defende de maneira inequívoca a necessidade da diplomacia, tanto na resolução de conflitos em andamento, quanto na prevenção de futuras hostilidades. Um outro aspecto associado ao ponto anterior é um comprometimento em ampliar a representação do continente africano no Conselho de Segurança da ONU e sanar o histórico problema de sub-representação da região.

Dentre outros aspectos abordados, podemos citar a reafirmação da necessidade de proteger os civis em meio a conflitos armados, com destaque especial dado para a proteção de mulheres e outros grupos particularmente vulneráveis. O assunto do combate ao terrorismo e das organizações criminosas internacionais também faz parte dos comprometimentos do documento, assim como os temas históricos de desarmamento convencional e nuclear.

Problemáticas mais contemporâneas também são trazidas, como a necessidade de se evitar a militarização do espaço sideral, devido a temores (muito bem fundamentados, aliás) de que armas sejam instaladas em órbita. Além disso, uma preocupação com o emprego militar da IA também foi externado, com a possibilidade de armas que não dependam de operadores humanos causando compreensível preocupação nos debates.

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Créditos: UN – Isaac Billy

Fomento ao desenvolvimento

O Pacto para o Futuro também se preocupou com a questão do desenvolvimento dos países, reafirmando muitos compromissos adotados na Agenda de 30 de desenvolvimento sustentável. O sistema financeiro internacional vigente promove diversas políticas que visam associar o crescimento econômico consistente a baixos impactos ambientais, tornando necessário assim uma reforma nessa estrutura para atingir as metas estabelecidas pela ONU.

O documento propõe uma série de iniciativas nessa temática, como uma maior participação dos países periféricos nas principais instituições financeiras internacionais e uma revisão das políticas de acesso ao sistema de crédito, ambas medidas visando ampliar o acesso dessas economias aos fundos internacionais. Além disso, comprometimentos com o multilateralismo econômico e com o aumento das reservas comuns para responder a eventuais crises também foram destacados.

Em geral, os compromissos de maior flexibilização do acesso ao crédito para o mundo em desenvolvimento e de maior integração econômica entre os países podem ser vistos como uma ruptura com a histórica tutela dos países centrais dos fundos de investimento. Se cumpridas pelas partes envolvidas, essas propostas podem propiciar um crescimento conjunto das economias do mundo.

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Crédito: archistar.ai

Tecnologia em um mundo digital

O fato de vivermos em um mundo crescentemente conectado e digital também não passou despercebido pelo Pacto para o Futuro, o qual aborda muitos aspectos ligados à inovação, à ciência e à tecnologia, entendendo-os como itens essenciais para o benefício de todos. O tema da neutralidade do espaço sideral, local onde estão fixados os satélites que possibilitam o acesso às redes, foi reforçado pelo documento.

Nesse sentido, o pacto firmou um acordo de cooperação digital entre os países, visando a ampliação do acesso às redes e frisando a importância da segurança nesse ambiente, devido aos perigos apresentados pelos ciberataques e por campanhas de desinformação. Um outro aspecto vanguardista do documento foi um encaminhamento para a governança internacional da IA, levando em consideração a opinião de especialistas e a necessidade de um diálogo multilateral sobre esse tema.

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Créditos: Derasat.org.bh

Meio Ambiente

Quanto à questão ambiental, o pacto promete, em primeiro lugar, tomar ações ousadas, ambiciosas, rápidas, justas, e transformativas visando recuperar o atraso na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030. Isso pretende ser embasado por meio da resolução de alguns obstáculos observados no período entre o estabelecimento das metas para 2030 e a elaboração do Pacto para o Futuro.

Dentre essas estratégias, listam-se acabar com a lacuna financeira nos países em desenvolvimento para o cumprimento da agenda, promover o multilateralismo comercial para o desenvolvimento sustentável e reforçar ações para mitigar os efeitos da mudança climática. Ademais, pretende-se utilizar a natureza de modo a recuperá-la, protegê-la e conservá-la e planejar ações coletivas visando a implementação da Agenda 2030.

A fim de cumprir com tais proposições, é primordial que o multilateralismo seja recuperado e as paralisias decisórias, superadas. Isso gera ceticismo acerca do pacto, dado o histórico de promessas não cumpridas acerca da resolução desses problemas. 

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Conferência do Clima da ONU/Reuters

Pacto para os Direitos Humanos

É notável a ênfase conferida aos direitos humanos em todas as seções do documento, voltando-se, sobretudo, para a igualdade racial e de gênero, e ressaltando a prioridade dessas temáticas para que as metas da Agenda 2030 sejam atingidas.

Não obstante, a vagueza com que esses tópicos são abordados gera incertezas acerca da seriedade factual acerca desses temas, dado que não é fornecida nenhuma menção às origens dessas questões nem planos de ação concretos para eliminá-los.

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Declaração Universal de Direitos Humanos/ONU

Futuro e novas gerações

Um dos pontos de inovação do pacto é que ele estabelece políticas com maior direcionamento para o cuidado e integração nos processos decisórios da juventude. 

Em sua parte 4, o foco inicial é o investimento no avanço econômico e social e  asseguração do direito à saúde, educação, oportunidades de empreendedorismo de forma equitativa entre os jovens e garantia de trabalho decente. Para tal, é reforçada a noção da necessidade de respeito aos direitos humanos e o fomento à integração social por meio da luta contra discriminações de todas as variedades. Ainda com esse foco e voltando-se para a questão de gênero, o pacto defende o fim do assédio e violência contra a mulher, mencionando desaprovação de práticas de mutilação genital feminina e casamentos forçados e/ou infantis.

O pacto, ainda, esclarece o intuito de promover a participação jovem nas esferas nacional e internacional, reconhecendo a relevância de suas perspectivas no processo decisório. Isso seria estruturado por meio da criação de mecanismos de consulta e diálogos intergeracionais, além da eliminação de barreiras à sua participação efetiva e significativa e do apoio às iniciativas da juventude de desenvolvimento de capacidades.

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Participação jovem na tomada de decisões

Entre a esperança e a ilusão

Todas essas promessas são fundamentais para a garantia de um futuro mais justo, saudável e pacífico. Contudo, a euforia dos discursos logo é substituída por uma inquietação essencial: as determinações do pacto serão cumpridas? 

Essa dúvida, por mais que desesperançosa, é justa, especialmente dado o histórico de não satisfação dos acordos em questões cruciais, como mudança climática e desarmamento, da organização. De fato, uma das motivações para a elaboração do Pacto do Futuro foi a sede pela mudança da atual configuração da ONU, cujas críticas chegavam a declarações de inutilidade da organização. 

Sete países, incluindo a Rússia e o Irã, não demonstraram apoio ao pacto, introduzindo uma emenda no final do texto, que declara o processo decisório da ONU intergovernamental e livre de intervenções em questões que conduzem à jurisdição doméstica dos Estados. Contudo, o parágrafo não foi adotado, por oposição do México e da República do Congo, o que permitiu a aprovação do documento.

Além disso, os objetivos do documento prosseguem sendo vagos demais, não elaborando em formas concretas de mitigar os desafios em questão. Há declarações, ainda, de que os planos de ação são falhos por dois motivos principais: a desconexão com a realidade atual e com a capacidade de ação dos países.

De fato, a própria elaboração do pacto mostra certa coesão entre países, oferecendo esperança para um sistema internacional colaborativo. O não cumprimento de suas premissas, no entanto, causará ainda mais desconfiança nos órgãos internacionais, o que dificultaria ainda mais a colaboração global. O Pacto do Futuro, portanto, se faz um divisor de águas, constituindo tanto uma oportunidade para a superação quanto um perigo para o agravamento da crise do multilateralismo.

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Assembleia Geral da ONU/AFP

Referências

  1. https://brasil.un.org/pt-br/276588-c%C3%BApula-do-futuro#:~:text=A%20C%C3%BApula%20do%20Futuro%20reunir%C3%A1,23%20de%20setembro%20de%202024 
  2. https://www.un.org/en/unis-nairobi/press-releaseunited-nations-adopts-ground-breaking-pact-future-transform-global
  3. https://www.aljazeera.com/amp/news/2024/9/24/whats-the-uns-new-pact-for-the-future-and-why-did-russia-oppose-it 
  4. https://www.cgdev.org/blog/un-pact-future-mired-past-and-hamstrung-present
  5. https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/our-common-agenda-summit-of-the-future-what-would-it-deliver.pdf 
  6. https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/sotf-the-pact-for-the-future.pdf

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