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Reforma Judiciária no México

Reforma Judiciária no México

Por Kauan Siqueira e Lorena Parra

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Sistema Judicial do México – Fonte: Freepik.

Eleições judiciais mexicanas

Marcadas para o dia 1º de junho de 2025, os cidadãos mexicanos poderão votar nas inéditas eleições judiciais mexicanas, dentre as quais os eleitores escolherão nove juízes da Suprema Corte, dois magistrados da Câmara Superior do Tribunal Eleitoral do Poder Judiciário Federal, 15 magistrados das Câmaras Regionais do Tribunal Eleitoral do Poder Judiciário Federal, cinco membros do Tribunal Disciplinar Judicial, 464 magistrados do tribunal distrital e 386 juízes do tribunal distrital. 

Apresentada ao Congresso Nacional em fevereiro de 2024 em conjunto com o pacote de 20 reformas políticas, sociais e econômicas que visam alterar a Constituição do país, denominado de Quarta Revolução Mexicana pelo o então presidente esquerdista Andrés Manuel López Obrador, do partido Morena, a proposta gerou debates acalorados no Legislativo e na sociedade civil, além de ser extremamente controversa no âmbito jurídico mexicano.

No que consiste a Lei aprovada?

A mudança no Judiciário compreende a eleição de juízes e magistrados da esfera federal por voto popular. Nesse sistema, os candidatos serão indicados pelos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, por meio de listas para que os votantes possam escolher seus representantes. As eleições, todavia, serão coordenadas e fiscalizadas pelo Instituto Nacional Eleitoral (INE), entidade independente.

Haverá também redução do tempo de magistratura, de 15 para 12 anos, e um corte na quantidade de ministros presentes na Corte, de 11 para 9. Já as eleições acontecerão bienalmente, à exceção desta do ano de 2025, sendo a próxima prevista para 2027. Nesse cenário, os juízes, desembargadores e ministros da primeira instância que já ocupam cargos no sistema judiciário teriam que renunciar a tais posições a fim da realização das eleições, podendo escolher concorrer novamente.

Outra grande mudança foi o encerramento do Conselho de Justiça Federal, órgão que mantinha funções administrativas e disciplinares dentro do Poder Judicial. Agora, tais funções foram repassadas para uma nova instituição chamada Tribunal de Disciplina Judicial a qual operaria de forma autônoma em relação ao processo judicial, composta por cinco magistrados com cargos de até 6 anos, dentre estes, um será nomeado pelo Executivo, outro pelo Senado e os três restantes pela Suprema Corte. Os magistrados escolhidos também ficarão encarregados do planejamento orçamentário e das carreiras judiciais, já que está previsto ainda o reajuste de pensões e remunerações. 

É importante ressaltar que tais alterações na Constituição mexicana dizem respeito apenas à organização federal de justiça, não comprometendo esferas locais, como promotorias. Nesse sentido, especialistas exploram a criação de emendas que ajam também nesse âmbito local, onde mais ocorrem os casos de corrupção.

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Sessão no Congresso Nacional mexicano – Fonte: AP Photo.

Defesa do Governo à reforma

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Andrés Manuel López Obrador (AMLO), ex-presidente do México – Fonte: AFP.

Diante das duras críticas à reforma do sistema judicial mexicano, Obrador defendeu que as modificações visavam combater a corrupção, a influência das elites e de cárteis de drogas nos tribunais, os supersalários e as pensões vitalícias dos juízes. Em adição a isso, iria promover uma maior aproximação da população com a justiça, oferecer serviços jurídicos para a população mais carente a partir da criação do Instituto Nacional da Defensoria Pública e propiciar celeridade à resolução de processos judiciais.

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Obrador, ex-presidente mexicano e Claudia Sheinbaum, sua sucessora política – Fonte: Henry Romero/Reuters.

Primeira presidenta do México desde 1º de Outubro de 2024, a ex-chefe de governo da Cidade do México e sucessora de Obrador, Claudia Sheinbaum (Morena) é uma entusiasta da eleição do poder judiciário e recentemente fez um apelo à população mexicana: “Que ninguém se esqueça: 1º de Junho é o dia da eleição para o Poder Judiciário, é muito importante que todos participemos […] é uma eleição histórica e também é um exemplo para o mundo que o povo decida quem serão seus juízes, é a única maneira de limpar o Judiciário”.

Tramitação na Câmara e no Senado

Em meio a diversos debates acalorados, adiamentos devido à greve dos juristas, protestos e até uma invasão à Casa Alta, sede do Senado mexicano, a lei foi votada pela maioria em ambas instâncias. 

No Senado, 86 dentre os 127 votantes estiveram a favor da proposta, que venceu por maioria qualificada. Não foi um desafio tão penoso para o Morena, partido que encabeça o projeto, mesmo com a mudança repentina de lado de um de seus opositores, a família Yunes do Partido de Ação Nacional (PAN), que acabou por favorecer a campanha de Obrero apesar de suas duras críticas. 

Em verdade, o que mais comoveu a votação na Casa Alta foram as manifestações que ocorreram do lado de fora do prédio. A oposição conseguiu invadir o Senado e ocupar as cadeiras do plenário, o que acarretou na prorrogação da sessão e substituição da sede temporariamente. 

Já na Câmara, também houveram protestos em frente ao Congresso, não somente de civis, mas como de integrantes do Judiciário, os quais demandavam a adesão desses parlamentares à greve dos juristas. Sem precedentes, a Corte Suprema acatou a paralisação e, novamente, o local da sessão foi mudado por causa do bloqueio dos manifestantes. Independentemente da confusão, a proposta foi aprovada com larga vantagem: 357 contra 130.

Finalmente, a emenda foi promulgada com a ratificação de 17 estados do país, número mínimo requerido por lei, mais os resultados do Congresso, Câmara e Senado.

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Invasão de manifestantes durante sessão no Senado –  Fonte: AP Photo.

Críticas da oposição e réplicas

As maiores críticas dos opositores do Morena se concentram no medo que essa alteração na Constituição possa dar abertura para que grupos organizados, como cartéis, consigam financiar campanhas eleitorais de juízes, e consequentemente, exercer influência sob tais juízes “apadrinhados”. Nesse quesito, também poderia haver riscos de maior atuação de movimentos ideológicos e sua centralização, ou de processos fraudulentos dado a possíveis intervenções externas. 

A oposição ainda pontuou que a Lei discutida poderia debilitar a democracia no país já que a reforma reduziria a independência do Poder Judicial, elemento crucial de um  sistema político democrático. 

Ao que Obrador e Sheinbaum replicaram que essa mudança, na verdade, traria maior democracia em razão da ampliação do protagonismo popular e, portanto, haveria maior “accountability”, ou seja, maior sensação de que os votantes podem cobrar os elegidos por seus erros e/ou pela realização das propostas colocadas nas campanhas.

Ainda que juízes tenham usado da ordem de renúncia enquanto forma de protesto contra o projeto, a oposição não teve chance contra os discursos emocionantes de Sheinbaum numa coletiva no dia 05/11/24:

“Isso é contra a corrupção. Que não se esqueçam: a Reforma do Poder Judiciário que hoje faz parte da Constituição não saiu do nada, saiu de uma luta contra a corrupção e os privilégios que imperam no Poder Judicial da Federação […] Às maneiras do povo”. (tradução própria)

Além disso, ela fez uma crítica à influência do nepotismo no sistema jurídico mexicano, referenciando a polêmica investigação em 2018 que expôs mais de 500 juízes e magistrados em todo México que trabalhavam em casos de familiares ou que privilegiaram a entrada de filhos, esposas etc, no Judiciário: 

“O nepotismo é corrupção no Poder Judiciário”. (tradução própria)

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Protesto contra os privilégios presentes no sistema Judiciário – Fontes: AP Photo.

Repercussão Internacional

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Sede da Corte Suprema de Justiça no México – Fonte: Crusoé.

Em um relatório, a organização de direitos humanos Human Rights Watch apresentou uma visão contrária a reforma, expressando que ela prejudica seriamente a independência judicial e viola os padrões internacionais de direitos humanos que visam que todos tenham uma audiência justa perante os tribunais: “as mudanças aumentam o risco de que candidatos judiciais tentem agradar os eleitores ou seus patrocinadores de campanha para aumentar suas chances de reeleição, em vez de tomar decisões baseadas exclusivamente em normas e padrões judiciais”.

Em consonância com a Human Rights  Watch, a Relatoria Especial das Nações Unidas sobre a Independência dos Juízes e Advogados pediu a reversão da reforma para proteger o equilíbrio entre os três poderes, os freios e contrapesos da democracia mexicana e a independência do Judiciário.

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Protesto contra a reforma judicial mexicana – Fonte: Eduardo Verdugo/AP Photo.

Em meio às tensões que cercavam o projeto de lei, juízes e magistrados enviaram uma carta ao Congresso em que afirmavam que a reforma do Judiciário não estava de acordo com as normas do tratado comercial entre México, Estados Unidos e Canadá (T-MEC), em que era necessário estabelecer e manter “tribunais independentes para a resolução de controvérsias trabalhistas”.

Somou-se à polêmica interna a declaração da Embaixada dos Estados Unidos no México, que definiu a proposta como um risco para a democracia que poderia ameaçar o T-MEC, que deve ser revisado em 2026. De acordo com o embaixador estadunidense no México, Ken Salazar: “ Creio que as eleições populares para juízes representam um grande risco para o funcionamento da democracia mexicana […] as relações comerciais entre EUA e México dependem da confiança dos investidores no arcabouço legal mexicano”.

Após críticas da Embaixada dos Estados Unidos e da Embaixada do Canadá acerca da reforma judicial, o governo mexicano anunciou um congelamento temporário das relações do país com as embaixadas estadunidense e canadense. 

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Exportações mexicanas com destino aos Estados Unidos – Fonte: German Centres.

Investidores também manifestaram preocupações com a reforma aprovada, afirmando que a medida pode prejudicar o setor empresarial, causar insegurança jurídica, aumentar a percepção de risco e, consequentemente, afugentar investimentos de médio a longo prazo. Com a incerteza do mercado sobre as futuras consequências da reforma no ambiente interno e externo de negócios, aliado à eleição de Claudia Sheinbaum, o peso mexicano sofreu forte desvalorização frente ao dólar estadunidense e houve uma queda na Bolsa de Valores Mexicana.

Nesse cenário, o país pode se tornar mais vulnerável e perder um dos seus maiores atrativos para a captação de investimentos, o “nearshoring”, que busca aproveitar as condições logísticas e geopolíticas que o México oferece para abastecer o mercado norte-americano, diminuindo o ritmo de relocalização de empresas da Ásia para o México, o que pode desacelerar o seu crescimento a longo prazo.

Fontes

https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2024/09/11/senado-aprova-reforma-que-implementa-eleicao-popular-de-juizes-no-mexico.ghtml

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/09/04/camara-dos-deputados-mexico-aprova-reforma-judiciario.ghtml

https://politize.org.mx/reforma-judicial-que-es-y-cuales-son-sus-cambios/

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c7v5g994jz3o

Mexico: Proposed Constitutional Changes Threaten Rights | Human Rights Watch

https://www.dw.com/pt-br/m%C3%A9xico-aprova-pol%C3%AAmica-reforma-judicial-que-prev%C3%AA-elei%C3%A7%C3%A3o-de-ju%C3%ADzes-por-voto-popular/a-70192927

🔴 ¿QUÉ ES LA REFORMA AL PODER JUDICIAL?

Após aprovação no Senado, entenda sequência da reforma judicial no México | CNN Brasil

O que é a reforma do Judiciário discutida no México? | CNN Brasil

Reforma judicial no México é “grande risco” para a democracia, diz embaixador dos EUA

Senado do México aprova reforma judicial em vitória de López Obrador | Agência Brasil

Es muy importante que todos participemos en la elección del Poder Judicial: presidenta Sheinbaum – Presidenta de México

Quais são os riscos das reformas propostas por Claudia Sheinbaum no México? | CNN Brasil

Reforma Judicial

Como a reforma judicial impactará a economia mexicana?

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/09/04/camara-dos-deputados-mexico-aprova-reforma-judiciario.ghtml

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/juizes-da-suprema-corte-do-mexico-renunciam-apos-reforma-judicial/

https://www.gob.mx/presidencia/prensa/reforma-al-poder-judicial-es-la-lucha-del-pueblo-de-mexico-contra-la-corrupcion-y-el-nepotismo-presidenta-claudia-sheinbaum

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