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Sul Global: A Ascensão de uma Nova Perspectiva de Poder?

Sul Global: A Ascensão de uma Nova Perspectiva de Poder?

Escrito por Maria Luísa Almeida

Nos últimos anos, o conceito de “Sul Global” tem ganhado relevância no debate internacional, representando um grupo heterogêneo de países que compartilham legados históricos de exploração e dominação, além de desafios econômicos e políticos distintos. Ao mesmo tempo, o Sul Global surge como uma força de resistência ao poder consolidado do Norte Global, buscando novas dinâmicas de cooperação e defendendo uma governança multilateral que, na prática, possa oferecer alternativas à ordem mundial ainda centrada nas potências ocidentais.

 Nesse contexto, despontam organizações e alianças que buscam não apenas desafiar o status quo, mas também construir novas vias de poder e influência global. Um dos principais expoentes desse movimento é o BRICS, grupo de países que se formou como uma resposta às instituições dominadas pelo Ocidente. Composto inicialmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o BRICS transcende as noções convencionais de bloco econômico ao defender uma proposta de integração que ultrapassa a lógica financeira e adentra a arena política e cultural. É uma coalizão que, em essência, representa a tentativa de forjar uma nova narrativa global, onde as nações historicamente marginalizadas pela ordem internacional possam atuar de maneira mais autônoma e assertiva. Esse esforço, no entanto, não é um desafio trivial. Ele confronta diretamente estruturas de poder fortemente arraigadas e exige uma articulação diplomática delicada, em que o Sul Global busca fortalecer a cooperação entre países que, mesmo com contextos variados, compartilham o anseio por uma maior justiça e equilíbrio nas relações internacionais.

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Uma questão de identidade

O Sul Global não é um conceito geográfico, mas político e econômico. Ele representa uma pluralidade de nações que compartilham mais do que uma condição econômica similar; representam, em grande medida, uma experiência histórica de colonialismo e exploração. Essa identidade comum, no entanto, não é sinônimo de homogeneidade. Países do Sul Global variam consideravelmente em termos de desenvolvimento econômico, estrutura política e recursos naturais, o que lhes confere necessidades e estratégias de desenvolvimento específicas. Assim, essa construção identitária não é fixa, mas, ao contrário, está em constante transformação, adaptando-se ao cenário internacional e buscando afirmar sua autonomia de modo que as vozes de cada um de seus membros possam coexistir e, coletivamente, alcançar maior expressão e reconhecimento.

Estratégias e alternativas ao Hegemonismo Ocidental

O BRICS, inicialmente composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, ganhou importância ao consolidar uma aliança que visa criar alternativas ao sistema internacional dominado pelo Ocidente. Com a recente inclusão de países como Argentina e Arábia Saudita, o BRICS amplia seu potencial geopolítico e econômico, reforçando o discurso de uma nova ordem multipolar. Essa expansão gera controvérsias: enquanto o Sul Global vê o BRICS como uma oportunidade de fortalecer sua influência coletiva, o Ocidente teme o crescimento de um bloco que desafia os pilares das instituições financeiras ocidentais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Essa evolução do BRICS ilustra uma busca por soberania econômica e política, simbolizando um esforço para quebrar as assimetrias de poder que moldaram a economia mundial ao longo do século XX.

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A cooperação Sul-Sul, por outro lado, emerge como uma estratégia fundamental para fortalecer o desenvolvimento sustentável no Sul Global, baseada na solidariedade e troca de conhecimentos entre países com experiências históricas semelhantes. A iniciativa vai além da transferência de recursos financeiros, abrangendo o compartilhamento de políticas bem-sucedidas, tecnologias apropriadas e soluções inovadoras para problemas comuns, como segurança alimentar, mudanças climáticas e infraestrutura. Essa cooperação também reflete uma nova visão de desenvolvimento que prioriza as necessidades locais e considera a diversidade de contextos culturais, econômicos e ambientais. Exemplos notáveis incluem a cooperação agrícola entre Brasil e países africanos, que buscam adaptar tecnologias e práticas agrícolas bem-sucedidas no Brasil para o solo e o clima africanos.

O multilateralismo é um princípio-chave para o Sul Global, que vê nele uma oportunidade de exercer pressão por mudanças em instituições globais, como a Organização das Nações Unidas (ONU). No entanto, a realidade é que o atual sistema multilateral ainda reflete uma ordem mundial obsoleta, onde o poder de veto e a influência dos países desenvolvidos prevalecem, reduzindo o impacto das vozes do Sul Global. Líderes como o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, têm reiterado a importância de uma reforma na ONU, pedindo um Conselho de Segurança mais inclusivo e representativo. Essa luta pela reformulação do multilateralismo não é apenas uma questão de representatividade; é também uma demanda por mais justiça e legitimidade na tomada de decisões que impactam diretamente o desenvolvimento e a segurança global.

O Dilema da Parceria com Potências Não-Ocidentais


As potências ocidentais tradicionais, como Estados Unidos e os países da União Europeia, historicamente preferiram manter as nações do Sul Global sob sua influência econômica e política, estruturando o sistema internacional de forma a perpetuar sua supremacia. Desde o colonialismo, essas potências moldaram as regras do jogo econômico, financeiro e até cultural, buscando consolidar sua centralidade e limitar a emergência de polos alternativos de poder. A recente intensificação da cooperação entre países do Sul Global — incluindo esforços conjuntos de nações da África, Ásia e América Latina — e o fortalecimento de blocos como o BRICS, representam uma ameaça a essa hegemonia, pois criam uma rede que desafia a dependência e subordinação ao Ocidente. Para as grandes potências ocidentais, essa união pode desestabilizar sua posição de liderança e questionar normas globais estabelecidas, gerando preocupação sobre o impacto dessas novas alianças em áreas estratégicas, como comércio, segurança e meio ambiente.

Esse cenário ganha contornos ainda mais complexos com o apoio, ou a neutralidade,  de alguns países do Sul Global à Rússia em situações como a guerra na Ucrânia. A Rússia, ao longo dos últimos anos, tem construído uma relação sólida com vários países do Sul, oferecendo cooperação em segurança e energia e se posicionando como uma alternativa ao sistema financeiro dominado pelo Ocidente. Para o Sul Global, essa aproximação tem um aspecto pragmático: representa uma chance de diversificar parceiros e reduzir a dependência de acordos que frequentemente impõem condições desvantajosas. No entanto, ao se aliar a uma potência envolvida em conflitos que desafiam diretamente a ordem internacional, os países do Sul precisam lidar com uma série de dilemas, incluindo o receio de serem vistos como apoiadores de violações internacionais. Esse equilíbrio revela a complexidade da posição do Sul Global, que busca uma autonomia geopolítica que lhe permita navegar entre múltiplas alianças sem comprometer seu desenvolvimento ou sua imagem no cenário global.

Uma Ponte entre o Norte e o Sul

O Brasil ocupa uma posição singular no Sul Global, especialmente sob a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, cuja trajetória diplomática promove um diálogo inclusivo e uma crítica ponderada ao hegemonismo ocidental. Como líder natural do bloco, o Brasil exerce um papel estratégico ao propor-se como uma “ponte” entre o Norte e o Sul, posicionamento que beneficia tanto seus interesses econômicos quanto seu protagonismo diplomático. Lula, ciente das demandas e vulnerabilidades dos países emergentes, utiliza a plataforma brasileira para promover uma diplomacia em prol de uma ordem internacional mais equitativa, ao mesmo tempo em que reforça o compromisso com os direitos humanos e a sustentabilidade.

Esse papel de ponte é vantajoso para o Brasil não apenas por razões ideológicas, mas também como estratégia de desenvolvimento: ao atuar como articulador de coalizões de cooperação Sul-Sul, o Brasil obtém acesso a novos mercados, diversifica suas parcerias econômicas e fortalece sua segurança energética e alimentar. Além disso, o engajamento brasileiro no BRICS e em outras instituições multilaterais aumenta seu poder de barganha, criando alternativas para se distanciar da dependência exclusiva do Ocidente. Essa liderança, contudo, exige um equilíbrio entre o compromisso com a justiça social e a necessidade de não se alienar completamente das potências ocidentais, com as quais o Brasil também mantém laços profundos.

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A posição brasileira, portanto, está longe de ser simples: envolve um processo contínuo de negociação entre os interesses nacionais e os desafios que o país enfrenta internamente. Embora limitado por dificuldades econômicas e políticas, o Brasil, na liderança de Lula, desponta como uma voz influente que representa tanto o anseio por transformação do Sul Global quanto o desejo de construir uma ordem mundial menos desigual, com respeito mútuo e cooperação entre nações.

Um Novo Paradigma em Construção

A discussão em torno do Sul Global, do BRICS e da cooperação Sul-Sul aponta para uma nova fase das relações internacionais, marcada pela busca por alternativas às estruturas de poder que dominaram o mundo desde a era colonial. A ascensão do Sul Global representa não apenas um desafio à hegemonia ocidental, mas também uma oportunidade de reimaginar a governança global. Essa transformação não está livre de obstáculos, mas, ao menos, indica a possibilidade de um mundo mais equilibrado, onde a diversidade de perspectivas e interesses possa, enfim, ocupar um lugar de destaque nas decisões internacionais.

Neste cenário dinâmico, a luta pela autonomia e pela voz própria do Sul Global não é apenas uma questão econômica ou política, mas também uma busca por dignidade e respeito no palco internacional. O Sul Global desafia, com vigor e persistência, as estruturas que o relegaram a uma posição subalterna, abrindo caminhos para uma ordem mundial mais justa, inclusiva e, sobretudo, plural.

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