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Sul Global: em busca de seu espaço

Sul Global: em busca de seu espaço

Escrito por Maria Luísa Almeida e Guilherme Viana

Afinal, o que é o Sul Global?

20240401_mapa-norte-sul-global Sul Global: em busca de seu espaço

Ao contrário do que se pode presumir, o Sul Global pouco se refere à Geografia propriamente dita. Em seu sentido mais restrito, este termo insuspeito denota uma configuração geopolítica composta pelo mundo das economias periféricas – incluindo, países da América Latina, Ásia e África. Embora apresentem características únicas, esses Estados estão interligados pelos resquícios sombrios de passados marcados pelo colonialismo e pela submissão aos padrões culturais, econômicos e sociais das potências do Norte. O Sul Global se defronta, hoje, com os resultados de um processo histórico de exclusão e privação de direitos equivalentes às potências globais, fator determinante para que não tenham acompanhado a promessa distante de “progresso”, difundida por essas mesmas potências ao fim do processo de colonização.   

“Terceiro Mundo”; “Pobreza”; “Subdesenvolvimento”. Em um primeiro contato, o Sul Global pode ser imprecisamente taxado como sinônimo de expressões deliberadamente pejorativas e vazias de profundidade analítica e histórica. Por isso, é mais comum pensar que o Sul Global tem adotado um papel reinventado na contemporaneidade: gradualmente, por meio do reconhecimento da secundarização e da exploração sistemática enfrentadas por estes países, hoje é premente a opção pelo afastamento em relação às pressões tradicionais exercidas por potências. Como resultado desse fenômeno recente, tanto “emancipação” quanto “desenvolvimento conjunto” são noções que estão muito mais atreladas ao entendimento das complexidades do Sul Global do que uma história única simplificada.

Grosso modo, o mundo testemunha uma divisão em três blocos majoritários: o Ocidente tradicional – representado pelos países desenvolvidos e liderados pelos Estados Unidos – o Oriente emergente – protagonizado pela China, Rússia – e o Sul Global – formado pela maioria esmagadora dos países em desenvolvimento. Devido a enorme diversidade político-cultural do Sul Global, é natural que nos deparemos com uma multiplicidade de aspirações: enquanto alguns países buscam esquivar-se do receituário ocidental de desenvolvimento, desafiando modernas formas de imperialismo, outros preferem recorrer à subordinação no contexto internacional como forma de sobrevivência.

“Juntos somos mais fortes”.

Este ditado popular é capaz de sintetizar o comportamento da maior porção das nações que atualmente constituem o bloco do Sul Global: elas formam um “mundo majoritário” – 80% da população mundial, que se vê historicamente sujeitada aos desígnios das potências ocidentais. Contudo, a partir do reconhecimento dos mecanismos de exploração impostos ao Sul Global, abrimos a possibilidade de analisar criticamente diversos desafios partilhados por seus membros. Torna-se indispensável que, utilizando esse conceito como âncora, entendamos em camadas as questões brasileiras, latino-americanas e até do bloco como um todo. Em síntese, está intrinsecamente ligada à ideia de Sul Global uma realidade política, econômica e social complexa e interconectada, que carrega cicatrizes comuns de diversas formas de desigualdade e exclusão.

Apesar das inegáveis diferenças, essas unidades políticas tendem, gradualmente, a uma realidade compartilhada: assertividade e independência (e interdependência) efetiva no cenário internacional.

Um mundo fragmentado

Historicamente, sabe-se que os países submetidos à lógica imperialista nunca tiveram voz ou expressão significativa nos fóruns e nas decisões em âmbito global. Tal realidade começa a mudar ao fim da segunda guerra mundial, ganhando corpo nas décadas de 50 e 60, com a descolonização afro-asiática, para enfim se fazer ouvir no início da década de 70, aproveitando-se do enfraquecimento das potências ocidentais, que entraram em estagnação com a crise do petróleo de 73, para realizarem seus processos de emancipação e luta contra a ingerência ocidental em sua política, economia e território. Na década de 1990, com o fim da guerra fria e, por consequência, da ordem bipolar, a ruptura do vínculo com as potências centrais acentua-se e o multilateralismo abre espaço para a maior independência nas relações internacionais, permitindo que os países, até então pertencentes ao terceiro mundo, pudessem relacionar-se de forma mais vantajosa, assertiva e de acordo com seus propósitos de soberania e desenvolvimento.

A diminuição do controle da ocidental e da hegemonia estadunidense passa também pelas diversas guerras que os Estados Unidos empreenderam a partir de então, como a guerra do Golfo, a guerra contra o terror até as incursões no Afeganistão, Iraque e Líbia, bem como a intervenção na política, econômica e social em diversos países periféricos, sempre em busca de beneficiar-se das relações de comércio, influência e poder.

O pós-guerra fria também assistiu a ascensão chinesa e o reposicionamento da Rússia, nações que viram na ordem multipolar a oportunidade de expandirem suas esferas de influência. A China, que já crescia exponencialmente desde a abertura econômica dos anos 70, introduziu alternativas ao mercado global, apresentando-se como alternativa à hegemonia comercial estadunidense.  A Rússia, por sua vez, apostou na exploração de suas fontes de energia, haja vista a extensão de seu território, que apresenta enormes reservas de combustíveis fósseis.

Ambas as estratégias ressoaram junto ao continente europeu, estreitando os laços euroasiáticos.  Sob tais conjunturas, o mundo racha em três blocos principais, o Ocidente global, o Oriente global, e o Sul global.

O que o sul global busca?

Unidos em torno de vários interesses comuns e buscando protagonismo no cenário mundial, os países do sul global procuram alternativas de desenvolvimento, de modo a organizarem-se com o objetivo de mudar as estruturas internacionais impostas há décadas por potências do Ocidente. A narrativa do protagonismo tem como alicerces primordiais a emancipação das antigas dinâmicas coloniais e afirmação de suas identidades e interesses próprios, para assim emergir uma nova visão de um mundo multipolar e diversificado. Entre as metas desses países, identificam-se a busca por maior representatividade nos fóruns e organizações mundiais e centralidade no espaço de decisão das relações internacionais. Uma reivindicação recorrente das ex-colônias é pelo fato de que nenhuma delas tem uma cadeira fixa no Conselho de Segurança da ONU, apenas rotativas. Envolver-se diretamente em tais organizações é essencial para que esses países possam participar como atores, e não expectadores, nos debates mundiais para resolução de questões comuns a seus países, que atualmente são ignorados pelo norte global, como o alívio das dívidas, estabelecimento de direitos, democracias e realidades econômicas, além de acessar recursos globais de saúde, incluindo vacinas e medicamentos para combater epidemias. Nos últimos anos, devido à sua relevância comercial, a China tem conseguido romper essas barreiras restritivas e intensificar sua presença junto a organismos internacionais que têm impacto no processo decisório de uma maneira mais direta, com apoio dos demais países do Sul Global. 

Outra meta ambicionada é a realização de projetos regionais e intercontinentais de desenvolvimento que usem, por exemplo, moedas locais ao invés do dólar para comércio e reservas. Acordos financeiros e sistemas de pagamento alternativos têm sido estabelecidos com o objetivo de construir uma política monetária independente, que não esteja submetida à volatilidade do dólar, permitindo a diversificação de suas reservas internacionais junto a outras esferas, como a zona do euro, o yuan chinês e o iene japonês. A modernização da economia também é conhecida como “desdolarização”, que representa um processo de fortalecimento da soberania financeira e política para os países do sul visando tomadas de decisões econômicas mais interessantes e certeiras, além de não ficarem à mercê das decisões da Reserva Federal dos Estados Unidos. O Novo Banco de Desenvolvimento, ou o Banco dos Brics, tem adotado políticas mais inclusivas e facilitadoras para o avanço das economias emergentes, de maneira a se distanciar da política econômica estabelecida pelo FMI. Na questão Ucraniana, por exemplo, o NBD posiciona-se contra as sanções impostas pelos Estados Unidos, e atua oferecendo acesso fácil ao crédito e empréstimos.

A cooperação Sul-Sul é um pilar fundamental para o crescimento desses países. O sonho de uma maior independência comercial possibilitou que as iniciativas do Cinturão e Nova Rota da Seda fossem desenhadas. Liderados pela China, esses projetos visam promover a conectividade e cooperação econômica em larga escala entre a Ásia, Europa e África, eles envolvem a construção de uma rede de infraestrutura, que inclui estradas, ferrovias, portos, gasodutos e linhas de transmissão de energia, bem como a promoção de projetos de cooperação em áreas como comércio, investimento, finanças, cultura e intercâmbio educacional. Combinado com o desenvolvimento da Visão 2030 da Arábia Saudita, uma rede de plataformas de petróleo e gás natural será criada para que o sul global possa se integrar cada vez mais e com melhor custo-benefício para todos os membros. 

Tanto a “desdolarização” quanto a abertura de novas rotas comerciais fazem parte de um reposicionamento que permeia as tomadas de decisões desse grupo, a questão da soberania. De fato, reduzir a dependência ocidental, é uma prioridade que implica em negociações coletivas que buscam compensação das armadilhas de dívidas históricas, o legado de colonialismo de alcance muito maior e das consequências que chegam à atualidade, como o excesso de orçamento de carbono. Cabe também criar barreiras à intervenção ocidental, que incluem as movimentações militares e o colonialismo digital, criadores de condições para o aumento da vigilância da inteligência dos EUA.

Buscando garantir sua autodeterminação e resistir à intervenção externa, o sul global segue uma política externa independente e não-alinhada, focada em reunir os diversos países periféricos para forjar novas alianças, estabelecer redes multilaterais e criar um novo sistema de cooperação internacional. A ascensão do Sul Global desafia as estruturas de poder tradicionais e oferece oportunidades para uma redefinição mais inclusiva na ordem mundial, onde as vozes e perspectivas dos países em desenvolvimento são reconhecidas e valorizadas.

As manchetes apontam que…

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Junto aos veículos de comunicação mais relevantes do cenário internacional, é cada vez frequente a menção aos BRICS, grupo que abrange Brasil (B), Rússia (R), Índia (I), China (C) e África do Sul (S). São países que, ao longo do século XXI, passaram a constituir um proeminente bloco para as Relações Internacionais contemporâneas. Pode-se dizer que esta coalização deve sua existência à crescente necessidade de autonomia e crescimento acelerado de nações periféricas. Uma parcela do protagonismo mundial, assim, é reivindicada por essas economias emergentes, que têm buscado elevar o grau cooperação entre si de modo a promover interesses comuns.

Em 2024, a proposta de expansão do bloco, encabeçada pelo Brasil, busca a ampliação definitiva do alcance e de representatividade do grupo. Desde sua criação em 2006, com a adição da África do Sul em 2010, o BRICS se constitui em um importante fórum das principais economias emergentes. É nessa lógica que países como o Egito, a Indonésia, o México, a Turquia e a Coreia do Sul já são mencionados nas negociações mais recentes.

Ao proporcionar o aumento da sua abrangência tanto geográfica quanto econômica, a consolidação do BRICS impõe um contrapeso à esfera dos aos países desenvolvidos na comunidade internacional. Parece que, de fato, juntos somos mais fortes.

Mas e o Brasil?

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A volta do governo Lula em janeiro de 2023 trouxe mudanças para a agenda diplomática brasileira. O objetivo principal da nova liderança é realocar a presença do Brasil nas relações internacionais, a fim de conquistar respeito, relevância e influenciar discussões essenciais, vide questões sobre meio ambiente, taxação de grandes corporações e o combate à pobreza. Para a mudança de status, o país tem tomado decisões assertivas. Ao se posicionar claramente contra a ofensiva Israelense na Faixa de Gaza ou não criticar unilateralmente apenas as atitudes Russas no âmbito da guerra contra a Ucrânia, a despeito da posição dos EUA e dos países europeus, a diplomacia brasileira busca ser agente protagonista no cenário internacional, colocando-se como uma liderança para o Sul Global.

Referências:

https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/o-brics-a-possivel-integracao-do-sul-global/

https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/announcement/view/577

https://fpabramo.org.br/focusbrasil/2022/04/03/brasil-lideranca-do-sul-global/

https://noticiabrasil.net.br/20240417/que-america-do-sul-nos-queremos-lula-critica-os-eua-e-afirma-que-o-continente-e-colonizado-34152405.html

https://noticiabrasil.net.br/20240412/foco-no-sul-global-lula-diz-que-pais-deve-se-aliar-aos-mercados-que-precisam-do-brasil-video-34064153.html

https://noticiabrasil.net.br/20240408/por-que-um-brasil-forte-assusta-washington-33972310.html

https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/retrato-do-sulglobal-este-desconhecido/

https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2024/03/02/sul-global-nao-pode-abrir-mao-de-pressionar-por-mudancas

https://www.cartainternacional.abri.org.br/Carta/article/viewFile/404/159

https://periodicos.pucminas.br/index.php/fronteira/article/download/14650/12458/

https://noticiabrasil.net.br/20240506/brics-nao-para-de-crescer-e-ja-representa-35-do-pib-mundial-mas-o-que-o-brasil-ganha-com-isso-34438741.html

https://noticiabrasil.net.br/20240502/multipolaridade-a-brasileira-quais-os-principais-aspectos-da-visao-brasileira-sobre-o-tema-34370760.html

https://noticiabrasil.net.br/20240429/brics-usam-diplomacia-cultural-para-difundir-valores-do-grupo-para-o-ocidente-dizem-analistas-34324142.html

https://noticiabrasil.net.br/20240424/ocidente-e-um-leao-acuado-com-a-ascensao-do-sul-global-diz-pepe-escobar-a-sputnik-brasil-34251382.html

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