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Tuvalu: o país que está desaparecendo

Tuvalu: o país que está desaparecendo

Por Lorena Parra, Maria Clara Santos e Maria Luísa Cordeiro

Contexto Geral de Tuvalu

O país, atualmente, passa por um dos momentos mais assustadores de sua história, com a possibilidade de sumir do mapa. Em decorrência das mudanças climáticas, o país não deve resistir ao aumento do nível do mar, o qual está crescendo progressivamente ao longo dos anos, sobretudo por causa da ação antrópica sobre o meio ambiente. Nesse sentido, o pior cenário e último estágio dos efeitos das mudanças climáticas no território em questão seria a sua submersão total, assim como o desaparecimento de sua cultura, tradições, valores, vivências e existência.

Localizado na Oceania, na área conhecida como Polinésia, ao sul do Oceano Pacífico, Tuvalu é o quarto menor país do globo, com seus 26 km² e cerca de 10 mil habitantes, sendo a capital, Funafuti, a região que mais concentra população. O país tem o inglês e o tuvaluano como línguas oficiais, mas o primeiro é o mais utilizado no cotidiano dos habitantes, e também diversos tipos de dialetos, haja vista as variações que as diferentes ilhas exercem sobre a língua. Já em relação à religião em Tuvalu, predomina o protestantismo, mas o bahaísmo e as Testemunhas de Jeová também estão presentes. Ademais, há algumas curiosidades sobre a vida cotidiana no país: apenas Funafuti recebe energia elétrica regularmente; não há jornal no país, apenas um boletim informativo breve, publicado pelo governo; o país detém o domínio capitalizado do sufixo “TV”, código para Tuvalu e também o diminutivo de televisão; e há somente uma estação de rádio.

Com elementos da vivência da população nativa e, ainda, com aspectos de povos advindos da Micronésia e da Polinésia, a cultura do povo tuvaluano é diversificada e rica. Diversas danças (como os ritmos fakanau, fatele e fakaseasea) e artesanatos, mantêm ativa a cultura do país por meio de muitos festivais feitos no território de Tuvalu e de outros países da região, como a Nova Zelândia. No que diz respeito à gastronomia nacional, coco, frutos do mar, vegetais e hortaliças (como as folhas de taro) são amplamente utilizados nos preparos. A maioria da população vive em aldeias, onde vivem centenas de habitantes, pesca em canoas artesanais e cuida de suas hortas. Além disso, os esportes mais populares são o vôlei, o futebol e o críquete. Sob esse contexto, nota-se que há uma base tradicional forte em Tuvalu e uma valorização, dentro de sua cultura, da identidade de sua comunidade, apesar da modernização crescente no contexto global. 

Historicamente, o local recebeu imigrantes de arquipélagos próximos, como Tonga e Samoa, mas foi colonizado pelos britânicos a partir de 1819 – embora seu primeiro contato com europeus tenha sido através de expedições espanholas no século XVI. Durante essa colonização, portanto, houve uma redução de 20.000 pessoas que compunham a população para cerca de 3.000, devido, sobretudo, às doenças trazidas pelos europeus e pelos sequestros feitos. Parte do povo tuvaluano, com esse domínio britânico, foi forçada a trabalhar em Queensland (na Austrália) e na Ilha de Fiji. Foi somente no dia 1 de outubro de 1978 que o país conquistou sua independência e, desde 1986, passou a ser uma monarquia parlamentarista independente, com seu chefe de Estado sendo o monarca do Reino Unido. Após essa emancipação, a nação buscou instaurar uma boa infraestrutura, mesmo que para o pequeno tamanho que sua população representa, e uma assistência internacional que permitisse a independência política simultaneamente à viabilidade econômica. 

Assim, todos esses elementos são cruciais para a existência e história do povo tuvaluano. Porém, tais aspectos estão sendo afetados pela ação humana sobre o meio ambiente e estão correndo risco, desse modo, de serem totalmente perdidos. Nessa lógica, nota-se que se trata de uma historiografia completa, uma cultura inteira e uma vivência de um povo todo que estão sendo ameaçados. Há um grande risco da população tuvaluana ver-se perdida em meio a imensidão do mar.

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Festival tuvaluano na comemoração do 37º Aniversário de Independência – Fonte: Juliet Thomas.
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Mapa político de Tuvalu – Fonte: OnTheWorldMap.

Problemas Ambientais e suas Causas

Por se tratar de um arquipélago de atóis e ilhas baixas, a apenas 3 metros do nível do mar local, o efeito do aquecimento global representa um grave risco para a população residente que teme por sua sobrevivência. A questão que fica é, por que o aumento do nível do mar cresce em larga escala ao ponto de ameaçar a existência da ilha?

Especialistas da EARTH.org explicam que os oceanos absorvem 90% do calor emitido pelo efeito estufa, fenômeno natural de aquecimento do planeta. No entanto, esse mecanismo tem alcançado níveis exorbitantes de calor em razão do aumento da emissão de gases como carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O) e vapor de água. A Física demonstra que quanto maior a temperatura da água, maior o seu volume e, assim, o nível do mar tem subido preocupantemente ao longo dos anos, atingindo a marca de 0,59 metros em 2024. 

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Gráfico da medição do nível do mar de 1993 até Jan/2025 – Fonte: Nasa/GSFC/PO.DAAC.

A água mais quente, por sua vez, leva ao derretimento das calotas de gelo e dos icebergs, conhecidos como permafrost – grandes massas de gelo antigas que carregam em si grandes quantidades de GEE (gases efeito estufa), contribuindo, portanto, para o aquecimento do globo e para o maior volume dos oceanos. 

Os países da bacia do Pacífico ainda têm que lidar com outros problemas advindos da mudança climática, como o branqueamento de corais, as inundações, a erosão costeira, o depósito de sedimentos e salinização, a diminuição dos reservatórios de água potável e a proliferação de agentes vetores de doenças. Ademais, outros eventos climáticos extremos têm ocorrido, cada vez mais frequentes e intensos, como os ciclones e os tsunamis, por causa de ondas mais fortes e marés mais altas, conhecidas popularmente como “marés-rei” justamente por seus tamanhos.

Caso ações preventivas e remediativas não sejam tomadas pela sociedade internacional, todo esse quadro crítico terá um impacto muito maior na segurança alimentar, na saúde, na agricultura e na aquacultura. É certo que tal quadro conduz o país à instabilidade financeira e governamental, especialmente devido ao iminente deslocamento em massa de pessoas. Previsões dizem que países insulares do Oceano Pacífico estarão debaixo da água até 2050, demonstrando, dessa maneira, a urgência do tema.

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Crianças tuvaluanas brincam em uma área costeira protegida por sacos de areia – Fonte: Unicef/Lasse Bak Mejlvang.
 

Medidas Preventivas que Tuvalu tem feito

Durante décadas, Tuvalu tem chamado a atenção do sistema internacional para a causa do aumento do nível do mar e da possibilidade de países insulares afundarem e deixarem de existir fisicamente em todo o mundo, mas principalmente no Oceano Pacífico. Atualmente, o que os tuvaluanos têm feito é pensar em como impedir que sua nação seja esquecida, mesmo que sua terra esteja coberta pelo mar.

Nesse contexto, surge uma importante pergunta: se não houver território, Tuvalu ainda será um país? De fato, esse é um debate na Academia, o qual conceitos são utilizados para definir a constituição de um Estado: como delimitá-lo, quem o integra, onde se localiza. No Direito Internacional, tem-se que “um país é definido como um sujeito de direito com população permanente, território definido, governo efetivo e capacidade para estabelecer relações com outros Estados”. Segundo essa premissa, como estabelecer tal definição com o arquipélago afundado e sua população dispersa por outros países? De que maneira Tuvalu poderia se firmar enquanto país nessas condições?

A resposta está no mundo digital. Pode parecer fantasia, mas o governo tuvaluano, com mapeamento 360° por drones e GoPros, vem construindo uma cópia digital do país que mostra suas casas, seu povo, sua natureza e seus direitos, em back-ups. A esperança das autoridades de Tuvalu é perpetuar suas tradições através do ambiente virtual, para que as gerações futuras saibam de sua nação. Essa iniciativa faz parte do projeto “Future Now”, apresentado na COP28 em Dubai, que apresenta uma visão pragmática das mudanças climáticas e incentiva a diplomacia internacional a buscar adaptações para o futuro. O governo ainda ofereceu aos habitantes a possibilidade destes colocarem itens próprios na nuvem, como fotografias das famílias, vídeos de histórias pessoais ou danças populares, de modo a guardar heranças sentimentais, já que “os arquivos foram criados para representar a verdadeira alma de Tuvalu”, segundo o Ministro da Justiça, Comunicação e Relações Exteriores, Simon Kofe, em 2022.

Sobre a questão da afirmação de um Estado, Tuvalu tem trabalhado na confecção de passaportes digitais, os quais servirão como um espaço virtual para o próprio governo registrar certidões de nascimento, casamento, óbito e até realizar eleições. Os governantes esperam abrir um precedente no Direito Internacional para o reconhecimento de sua condição e para a garantia de seu pertencimento enquanto Estado, mesmo que, em parte, online. 

Existe certo ceticismo sobre essa nação digital por parte da população. No entanto, o governo tem realizado investimentos concretos, como a adição de terras nas costas de Funafuti e Fogafale – para servirem como barreiras contra inundações – e o aumento da superfície habitável, num projeto de adaptação costeira.

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Site da Nação Digital – Fonte: Simon Kofe/Youtube.

A Percepção dos Tuvaluanos Sobre a Realidade do País

Muito se fala sobre a possibilidade de mudança para outros países, da transformação de Tuvalu em um país digital e das medidas que podem ser tomadas para a adaptação. Apesar disso, a prioridade deve ser os tuvaluanos e as provisões que eles necessitarão nessa realidade próxima em que seu lugar de origem não mais existirá.

Em 2023, Tuvalu e Austrália assinaram o Tratado de Falepili, em que a Austrália se comprometeu a investir 11 milhões de dólares no restauro da orla costeira e, mais importante, oferecer vistos anuais para 280 tuvaluanos se tornarem residentes permanentes na Austrália. Todavia, apesar da importância do acordo, fica claro que, quando analisada a gravidade da conjuntura, o que os tuvaluanos realmente precisam é que as grandes potências comprometam-se a diminuir a emissão de GEE de forma que se permita uma sobrevida à nação tuvaluana. Nesse sentido, Richard Gorkrun, diretor executivo da Tuvalu Climate Action Network, ainda afirma que “A melhor coisa que a Austrália pode fazer para apoiar países como Tuvalu é travar as suas indústrias de combustíveis fósseis”.

Quanto aos esforços para digitalizar o país, existe, na língua tuvaluana, a palavra “fenua”, que se refere à terra, no sentido material, e ao sentimento de pertencimento enraizado na identidade de cada pessoa. Em Tuvalu, a terra é propriedade coletiva e transmitida hereditariamente. Os tuvaluanos enterram os seus antepassados em mausoléus ao lado da porta das suas casas. Nesse universo, a terra contém os seus parentes, sua história e tradição, fazendo com que seja impensável abandoná-la. O tuvaluano Fenuatapo Mesako, funcionário do programa The Tuvalu Family Health Association, expressa muito bem aquilo que a grande maioria da população sente: “Não queremos ser tuvaluanos noutro país. Queremos ser tuvaluanos em Tuvalu”.

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Protesto da população para a comunidade internacional – Fonte: Tuvalu Climate Action Network’s Facebook page.

Repercussão Internacional

Apesar de ser uma das nações com a menor pegada de carbono per capita, Tuvalu é o país que mais sofre as consequências do aquecimento global. Além disso, a nação ainda precisa lutar para que o resto do globo atente-se para a sua situação e tome providências. 

Estados insulares como Tuvalu vêm convocando ações climáticas globais concretas há mais de 30 anos. Em 1990, as nações insulares do Pacífico formaram a Aliança de Pequenos Países Insulares, AOSIS, uma aliança diplomática com outras do Caribe, como Antígua e Barbuda, e do Oceano Índico, como as Maldivas. O objetivo era criar uma frente comum nas negociações sobre mudanças climáticas. Contando com 39 membros, ela tornou visível o grave impacto do aquecimento global nos países em desenvolvimento. A insistência da AOSIS foi crucial, por exemplo, para uma referência no Acordo de Paris em 2015 à importância de lidar com os chamados “perdas e danos”, que destacavam a compensação por danos climáticos irreversíveis aos quais não é possível adaptar-se. Na COP26, porém, foi bloqueada uma proposta que previa criar um fundo monetário para compensar tais “perdas e danos”.

A meta, não só de Tuvalu mas também de outros países insulares, é que sua luta seja vista e eficientemente amparada. Em 2009, por exemplo, os países ricos como Japão, EUA e União Europeia, prometeram dar às nações em desenvolvimento US$100 bilhões anuais até 2020 para ajudar na transição para economias de baixo carbono e na adaptação às mudanças climáticas. Em 2021, a promessa ainda não havia sido cumprida e até hoje não se sabe se a meta foi alcançada nos anos que se seguiram, devido à falta de transparência.

Além disso, Tuvalu, em conjunto com Antígua e Barbuda, reivindicam aos países que mais contribuíram para o aumento de gases do efeito estufa uma compensação por “perdas e danos” causados ​​pela mudança climática. Essa “coalizão” já existe há alguns anos, porém é ineficaz, sendo deixada de lado nas discussões globais.

As nações insulares afirmam que “estão cansadas de palavras vazias e compromissos vagos e agora querem usar o Direito Internacional para repensar toda a questão das mudanças climáticas”. Infelizmente, o país encontra-se numa posição muito frágil mundialmente. Seu tamanho, em conjunto com sua economia e população, não alcançam as potências mundiais, responsáveis pelas decisões que impactam todo o globo. Apesar disso, o povo tuvaluano segue lutando por reconhecimento e não medindo esforços para que sua fenua ainda exista, em consonância com o que afirmou Simon Kofe, em uma entrevista à BBC Mundo em 2021:

Continuaremos a defender e exortar outros países a mudar o curso e reduzir suas emissões. Mas também temos que ser proativos em nível nacional. Essa é parte da razão pela qual estamos nos preparando para o pior cenário possível. Portanto, temos duas abordagens, uma é continuar a ação a nível internacional e, por outro lado, fazer a nossa parte a nível nacional. Acho que isso é tudo que você pode fazer. Não tenho certeza se posso fazer mais nada do que isso.

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Ministro de Tuvalu em discurso na COP 26 sobre a emergência climática – Fonte: Reuters.

Referências

https://brasilescola.uol.com.br/geografia/tuvalu.htm#:~:text=Tuvalu%20%C3%A9%20um%20pa%C3%ADs%20de,como%20consequ%C3%AAncia%20das%20mudan%C3%A7as%20clim%C3%A1ticas.&text=Tuvalu%20%C3%A9%20um%20pa%C3%ADs%2Darquip%C3%A9lago,regi%C3%A3o%20da%20Polin%C3%A9sia%2C%20na%20Oceania.

https://www.britannica.com/place/Tuvalu/History

https://earth.org/tuvalus-sinking-reality-how-climate-change-is-threatening-a-small-island-nation/

https://www.economist.com/asia/2021/08/07/pacific-countries-face-more-complex-problems-than-sinking

https://earth.org/sea-level-rise/

https://sealevel.nasa.gov/understanding-sea-level/key-indicators/global-mean-sea-level

https://www.economist.com/asia/2023/10/12/tuvalu-plans-for-its-own-disappearance?utm_medium=cpc.adword.pd&utm_source=google&ppccampaignID=19495686130&ppcadID=&utm_campaign=a.22brand_pmax&utm_content=conversion.direct-response.anonymous&gad_source=1&gad_campaignid=19495464887&gbraid=0AAAAADBuq3IbOMZ3GHO85nU2rMm4D5uHb&gclid=EAIaIQobChMIzd6IupWtjQMVL59aBR1j7yy_EAAYASAAEgLr8fD_BwE&gclsrc=aw.ds 

https://www.bbc.com/future/article/20241121-tuvalu-the-pacific-islands-creating-a-digital-nation-in-the-metaverse-due-to-climate-change

https://epocanegocios.globo.com/Um-So-Planeta/noticia/2021/12/mudancas-climaticas-o-pais-que-se-prepara-para-desaparecer.html

https://www.nationalgeographic.pt/meio-ambiente/esta-nacao-insular-pacifico-esta-desaparecer-que-ira-acontecer-seguir_5236

https://cetesb.sp.gov.br/proclima/wp-content/uploads/sites/36/2014/08/cop16.pdf

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