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Um ano da morte de Prigozhin, líder do Grupo Wagner

Um ano da morte de Prigozhin, líder do Grupo Wagner

Quem é o Grupo Wagner 

Em meio a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2014, emergiram boatos de que o empresário Yevgeni Prigozhin, conhecido por seus laços com Putin, estava associado a uma companhia militar que lutava ao lado dos soldados russos na região de Donbass. Foi apenas em setembro de 2022 que Prigozhin assumiu seu papel de liderança e sua relação com o grupo mercenário Wagner. 

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Membros do grupo wagner em Rostóvia de Dom. Fonte: Stringer/ AFP


O Grupo Wagner, fundado em 2014, era uma organização paramilitar que atuava na África, Ásia e Ucrânia, muitas vezes em prol dos interesses russos. Embora grupos mercenários sejam ilegais na Rússia, Wagner foi registrado como uma “companhia militar privada” em 2022. Entretanto, em virtude da brutalidade associada às atividades nos países em que o grupo realizou operações, muitas nações o consideravam uma organização terrorista. 

Cabe destacar que embora seja tratado e considerado como um grupo mercenário, o Grupo Wagner não cumpre os requisitos da Convenção de Genebra para para tal classificação, sendo Empresa Militar Privada a denominação mais precisa. 

Dentre os serviços ofertados pelo grupo, destaca-se operações de combate, tal como era observado na Ucrânia, suporte de segurança e treinamento a regimes vulneráveis, e campanhas de desinformação, as quais objetivam espalhar informações falsas mundialmente a serviço de interesses específicos. Nesse sentido, Prigozhin declarou ser também o dono da Internet Research Agency (IRA), uma fábrica de trolls sediada em São Petersburgo, em fevereiro de 2023. Uma fábrica de trolls é um grupo que procura interferir na opinião política do público a fim de influenciar o resultado de tomada de decisões, principalmente por meio de redes sociais. A Internet Research Agency foi sancionada pelo governo estadunidense por interferir nas eleições de 2016.

Hoje, o Grupo Wagner não existe mais, mas muitas de suas operações continuam sob outros comandos ou denominações.

Relembrando as circunstâncias da morte do líder 

No dia 23 de agosto de 2023, um jatinho que levava Prigozhin e mais nove pessoas, inclusive membros do Grupo Wagner, tal como Dmitry Utkin, co-fundador do grupo, e Valery Chekalov, assessor de Prighozin, caiu nos arredores da vila Kuzhenkino, ao norte de Moscou. Embora apenas oito corpos tenham sido encontrados, todos a bordo da aeronave que fazia o trajeto de Sheremetyevo, uma cidade próxima de Moscou, até São Petersburgo foram dados como mortos pelo governo russo. Mesmo após um ano do incidente, não se sabe exatamente o que causou a queda do jato particular que levava Prigozhin, e a investigação das autoridades russas não forneceu conclusões definitivas.


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Local da queda do avião onde encontrava-se Prigozhin. Fonte: Getty Images

Rebelião contra Putin e a marcha para Moscou 

Exatamente dois meses antes de sua morte, em 23 de junho de 2023, Prigozhin, que lutava na Ucrânia ao lado das tropas russas junto de seu grupo, compartilhou vídeos e áudios rejeitando as ordens de Putin e expondo tensões com militares do alto escalão russo, afirmando que ele lideraria uma “marcha pela justiça” a fim de parar o “mal” que representava a ditadura russa. No dia seguinte, o líder do grupo Wagner declarou ter cruzado a fronteira com a Ucrânia e atravessado o território russo em direção à Moscou, sendo posteriormente avistado na cidade Rostóvia de Domo, onde Prighozin e seu grupo tomaram controle do quartel-general do Distrito Militar “sem disparar uma bala”, nas palavras do líder. No mesmo dia, Putin fez um pronunciamento público no qual acusa Prigozhin de “traição”, prometendo esmagar a marcha do Grupo Wagner em direção a Moscou. 

Ainda no dia 24, após ameaças do Kremlin e seus aliados e comoção internacional, na qual Zelensky afirmou que a rebelião liderada por Wagner era um sinal claro da fraqueza de Putin e sua invasão à Ucrânia, foi oferecido anistia aos combatentes do Wagner em troca de sua redenção rápida. Em seguida, o presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, aliado de Putin, afirmou que fez um acordo com Prigozhin, que aceitou depor suas armas e deixou Rostóvia de Domo ao lado de seus associados. Naquela época, estava acordado que Prigozhin passaria a viver na Bielorrússia junto de seus combatentes, sem acusações por parte do governo russo, e que aos membros do Grupo Wagner que não participaram do motim seriam oferecidos contratos militares. Mesmo que tenha fracassado, esse episódio mostrou-se como uma das maiores crises do governo de Putin e ameaçou diretamente seu poder e autoridade.

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Crise na Rússia por conta do motim do grupo Wagner. Fonte: Reuters 

Motivos da “traição” de Prigozhin 

Meses antes do motim do Grupo Wagner, o líder do grupo e seus combatentes já encontravam-se em uma conjuntura de tensões com os soldados do exército russo e seus generais. Prigozhin acusava o Ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu e o general russo Velary Gerasimov de incompetência, alegando que o fornecido de munição e suprimentos para o grupo não era suficiente, entrando muitas vezes em conflito com as autoridades russas.

A rivalidade de Sergei Shoigu não era recente a rebelião. Há indícios de problemas de distribuição de recursos econômicos entre os grupos comandados por esses dois homens em 2016 para uma operação na Síria. Alguns especialistas analisam que essa situação pode ser entendida como uma política de Putin de estimular rivalidade entre seus subordinados, permanecendo em uma posição imperial. 

Yevgeny Prigozhin apostou a sua reputação e seu exército na captura de Bahkmut, na Ucrânia, buscando influência em Moscou. Segundo a BBC, Prigozhin esperava que seus soldados atuassem de forma mais efetiva que o exército russo. Isso colocou Bahkmut como palco da disputa política entre essas duas figuras ligadas a Putin. 

Antes do motim, o “chef de Putin” acusou o ministério liderado por Shoigu de “roubar a vitória do Grupo Wagner e diminuir seus méritos” e se manifestou enfaticamente contra o ministro da defesa pela falta de apoio, culpando-o pelos fracassos russos e cobrando, aos berros, munições e armamentos.


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Prigozhin, líder do grupo Wagner. Fonte: Reuters/PMC

Suspeitas atribuídas a Putin 

Por conta do motim do Grupo Wagner, que antecedeu a morte do seu líder e de outros membros importantes, o presidente da Rússia, Vladimir Putin tornou-se rapidamente suspeito de ter sido o responsável pelo incidente perante, inclusive, a comunidade internacional. Em um pronunciamento no dia seguinte à queda do jato, o atual presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, declarou que seu país não tinha qualquer relação com o ocorrido, mas que “Todo mundo sabe quem tem algo a ver com isso”, insinuando que o Kremlin seria responsável pelas mortes. 

Do amor ao ódio: como era a relação de Prigozhin e Putin 

Como Prigozhin tornou-se o “Chefe de Putin”

Yevgeny Prigozhin nasceu na cidade natal de Putin, São Petersburgo, no dia 1 de junho de 1961. Ele possuía antecedentes criminais desde seus 18 anos, recebendo sua primeira condenação em 1979 por furto. Somado a isso, ele foi sentenciado a 13 anos de prisão posteriormente, tendo cumprido nove. 

Apesar de seu histórico criminal, Prigozhin abriu uma rede de barracas que vendiam cachorros-quentes em São Petersburgo logo após ser liberado do cárcere, até que, na década de 1990, os negócios evoluíram e ele abriu restaurantes na cidade russa. Um deles, chamado New Island, destacou-se por ser onde Prigozhin supostamente conheceu o líder da Rússia, que costumava frequentá-lo, em 2000, e posteriormente criou uma intimidade. Dessa relação surgiu o apelido do antigo líder do Wagner, “Chefe de Putin”, em vista também dos contratos firmados entre o Kremlin e sua empresa de fornecimento de alimentos, que passou a vender também para militares e escolas estatais.

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Prigozhin como o “Chefe de Putin”. Fonte: Reuters

Como o grupo beneficiava Putin e seu governo 

O Grupo Wagner é composto por uma rede complexa de grupos mercenários e empresariais, não sendo apenas uma entidade. Nesse sentido, desde sua criação ele vem auxiliando o governo russo a defender seus interesses políticos e econômicos fora de seu território, especialmente na África, estando bem próximo dos militares e da inteligência russa. Além das fábricas de troll que eram administradas por Prigozhin, que visavam espalhar visões anti-ocidentais e a favor do presidente russo, e das operações no território ucrâniano, o Wagner era de extrema importância para Putin na medida que possibilitava a negação plausível das ações que promoviam seu governo. Ou seja, por ser uma entidade plural e não associada formalmente ao governo, sendo uma organização privada, as ações do Grupo Wagner eram atribuídas como unicamente de sua responsabilidade, e as operações sensíveis as quais eles atuavam internacionalmente não podiam ser legalmente associadas a Moscou.

Exemplificando de forma simples como essa complexidade e a associação a outras empresas pode funcionar, Prigozhin é dono da M-Invest que é uma empresa guarda-chuva para uma série de outras empresas de segurança e energia, através das quais o líder do grupo faz acordos para acessar recursos naturais em nome do Kremlin. O Grupo Wagner protege os locais para extração de recursos para posterior divisão dos lucros entre as empresas, as nações locais e o governo russo. Devido a esse caráter não centralizado, a ausência de transparência e a atuações ilegais, muitas vezes ocorre uma carência de informações precisas sobre as atividades da empresa.

Outro benefício da utilização da empresa para o Kremlin é o menor custo, já que não há despesas com formação, aposentadoria e salários a longo prazo, por exemplo. 

Operações do Grupo Wagner ao redor do mundo

Ucrânia 

Da fundação a atualidade 

Ainda em 2014, seu ano de fundação, o Grupo Wagner participou de duas operações na Ucrânia: a anexação da Crimeia e o apoio a grupos separatistas ucranianos pró-Rússia em Donetsk e Lugansk. Porém, a ação mais expressiva desse grupo militar na região vem sendo a Guerra entre Rússia e Ucrânia iniciada em 2022. 

Guerra russo-ucraniana

O conflito tem seu estopim após a Ucrânia ameaçar aderir a uma aliança militar cujos interesses dos Estados membros são conflitantes em relação aos russos, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Esse movimento levou Vladimir Putin a anunciar ataques ao território ucraniano. Nesse contexto, o Grupo Wagner foi de extrema importância na defesa dos interesses de Moscou. 

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Membro do Wagner em Bahkmut. Fonte: RIA Novosti/SNA/IMAGO

A empresa militar ajudou a suprir a necessidade de mais combatentes, devido a baixa capacidade de reabastecimento das unidades ainda no início do conflito. Com grandes perdas de contingente que chegavam a 20% em algumas unidades nos primeiros meses de guerra, segundo o Instituto para Estudo da Guerra (ISW), a Rússia recorreu ao grupo armado em um “sinal de desespero” para manter o apoio da população que protestou contra a invasão conforme analisou Jason Blazakis, pesquisador sênior do Soufan Centre, um centro de estudo de segurança sediado nos EUA. 

Houve uma diminuição das restrições para participação – a exemplo dos antecedentes criminais que antes eram um impedimento para a operação como mercenário– o que se refletiu em um baixo profissionalismo dos combatentes. Os mercenários receberam mensagens pelo Telegram com um apelo “àqueles com antecedentes criminais, dívidas, banidos de grupos mercenários ou sem passaporte externo” para se candidatarem, convocando também “àqueles das áreas ocupadas pelos russos nas repúblicas de Lugansk e Donetsk e da Crimeia”. Para Moscou, essa situação contribuiu para manter “o número de mortos baixo porque eles são usados como bucha de canhão” nas palavras de Blazakis.

As novas unidades recrutadas não estavam mais sob o nome de Wagner, mas sim outros, como The Hawkes, devido a sua reputação já afetada por atuações anteriores. Além das mensagens, ocorreu uma campanha pública na Rússia para recrutar mercenários.  No entanto, empresas do gênero são proibidas pela legislação russa, e Putin negou relação com essas. 

Em contato com a BCC, jornal britânico, mercenários em atividade afirmaram que recrutas eram integrados a unidades sob comando de oficiais da unidade de inteligência militar do governo russo e que eram treinados em Mol’kino, cidade no sul da Rússia.

Sanções

Nesse contexto, a liderança do grupo mercenário, assim como a Rússia, receberam sanções da União Europeia. Violetta e Lyubov Prigozhina, mãe e esposa de Yevgeni Prigozhin, foram banidas da União Europeia e tiveram seus bens bloqueados.

As sanções pessoais não impediram a forte atuação da empresa militar em uma das mais simbólicas conquistas russas em território ucrâniano: Bahkmut, no leste do país, onde ao menos 10 mil dos 16 mil mortos na batalha, conforme alegado por Prigozhin na época, eram ex-detentos. Os combatentes foram empregados de forma suicida, tendo prevalecido pelo maior número após sete meses de batalha. Após a vitória, o controle da cidade foi passado ao exército russo, mesmo que os mercenários tenham permanecido no local.

Pós-motim

Após a morte de Prigozhin e a mudança de liderança, o grupo mercenário, que foi fragmentado, continuou no plano de batalha de Putin dentro da “zona da operação militar”. 

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Combatentes de Wagner em Rostov-do-Don, no sul da Rússia. Fonte: Reuters

Operação na África 

Rússia disputa por influência

O continente africano tem sido palco de disputas por influência entre Rússia e Ocidente. Em suas tentativas de aproximação, Moscou alega agir sempre visando respeito, estabilidade, autodeterminação, confiança e boa vontade em acordos que beneficiem ambos os lados, enquanto os ocidentais acusam o país de “tirar proveito” das situações conturbadas e de atrapalhar o andamento da democracia no continente. 

Essas tensões se intensificaram com a Guerra na Ucrânia devido ao interesse russo de conseguir apoio geopolítico especialmente depois das sanções recebidas no início da guerra. Outro ponto de destaque são as riquezas minerais que acentuam a disputa por influência, principalmente na região do Sahel, área abundante em urânio, calcário e fosfato. 

Além dos laços diplomáticos oficiais entre a Rússia e o continente africano, há a presença de companhias militares privadas, como o Grupo Wagner, que interferem nesse contexto a favor de Moscou. 

As atividades da empresa militar tiveram abrangência em diversos países como Sudão, Mali, República Centro-Africana (RCA), Níger e Moçambique. 

Como o Grupo Wagner opera

No início a presença da força militar privada era apenas um rumor, no entanto a atuação se tornou cada vez mais expressiva. Nathalia Dukhan –investigadora sênior da organização investigativa The Sentry, a qual pesquisa sobre o tema há muitos anos– diz que a atividade da companhia mercenária se concentra em quatro pilares: político, econômico, militar e de informação, desinformação e propaganda. Isso evidencia a evolução do grupo de uma empresa unicamente de serviços militares para uma rede de negócios com os países e empresas africanos, atuando, muitas vezes, a partir de empresas de fachada. 

Seja para conter rebeldes, garantir estabilidade ou diminuir a influência de outros grupos ou nações em seu território, chefes de países africanos recorrem a Wagner. No Mali, por exemplo, o grupo Yèrèwolo se aproximou dos mercenários devido a instabilidades políticas, ameaça jihadista, insatisfação com as forças da ONU e suposta interferência francesa que remete ao passado colonial, em contraste com a interferência russa que remete ao relacionamento com a União Soviética em prol da independência maliana. 

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Retrato do presidente russo Vladimir Putin durante manifestação para comemorar retirada das tropas francesas do Mali em fevereiro de 2022. Fonte: Getty Images

Tendo poucos recursos financeiros para pagar pelos serviços, os governos africanos muitas vezes dão concessões à companhia, permitindo a exploração de recursos naturais e acesso ao mercado da região. Na República Centro-Africana, o governo de Bangui deu uma concessão irrestrita para extração de madeira em um área de mais de 180 mil hectares e revogou a concessão de uma empresa de mineração canadense em favor de uma empresa ligada ao grupo Wagner. Além disso, a rede russa também tem influenciado o mercado de açúcar e de bebidas alcoólicas da região. 

Entidades ligadas a Wagner também influenciam a política local e realizam campanhas de desinformação em redes sociais e outros meios de comunicação. Muita propaganda pró-Rússia e anti-ocidente é realizada, retratando a Rússia e a força armada privada como incentivadoras da paz. 

Percepção da população local 

Ao contrário do Ocidente, que é visto com desconfiança e aversão, símbolos do Wagner e da Rússia costumam ser bem recebidos nas áreas de atividade mercenária na África. Uma das explicações para o fenômeno é o entendimento e o discurso do Kremlin e dos mercenários como promotores da libertação da influência colonizadora e terrorista e da autodeterminação. 

“A população sofre. E esse é o [motivo do] amor pelo PMC [empresa militar privada] Wagner, essa é a alta eficiência do PMC Wagner. Porque mil soldados do PMC Wagner são capazes de estabelecer a ordem e destruir os terroristas, evitando que eles prejudiquem a pacífica população dos estados.” afirmou Prigozhin no ano passado. 

A presença dos mercenários russos trouxe, na perspectiva de muitos moradores, paz, à medida que a interferência militar e política trouxe ordem e certa estabilidade. No Mali, a Minusma (Multidimensional Integrated Stabilization Mission), missão da ONU em território malinês, foi considerada como um fracasso e foi duramente criticada por Yérèwolo, que pediu a retirada das tropas e se aproximou de Wagner, colocando o último em posição de eficiência em contraste com a presença de tropas francesas e da ONU, a qual vem enfrentando um declínio político também em outras partes da África. 

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Monumento no centro de Bangui de tropas russas protegendo uma mulher e seus filhos com buquês em homenagem à morte do líder do grupo Wagner. Fonte: BBC


Na República Centro-Africana, um líder religioso disse logo após a morte de Prigozhin “Nós, os centro-africanos, estamos muito felizes porque os russos estão aqui hoje e na frente da segurança, bem, há paz. […] Há paz na República Centro-Africana. Já faz cinco anos que vivemos em paz, sem guerra.”. Na capital do país há uma estátua em homenagem às tropas russas onde foram deixados buquês com mensagens a Yevgeny Prigozhin em agosto do ano passado em ocasião de seu falecimento. 

No entanto, essa opinião não é homogênea em toda a sociedade. Seus críticos ressaltam os abusos dos direitos humanos e o terror gerado pelos mercenários. Além disso, é lembrado o perigo que a dependência em diversas esferas pode causar já que há permissão para que a empresa se infiltre no país.

Reformulação após morte de Prigozhin 

Após o motim, pensava-se que haveria uma diminuição do poder de Wagner na região, todavia o que ocorreu foi uma reorganização do grupo. 

Mesmo que o modo de operação seja semelhante, a atuação Wagner foi substituída por um grupo denominado Africa Corps, em referência a um batalhão militar nazista. A estrutura também foi alterada: as atividades agora são de caráter oficial, ligada diretamente ao governo russo e sob direção do Ministério da Defesa. 

De certa forma, a relação da Rússia com os países africanos não só não foi rompida, como se oficializou e se aprofundou. 

Operação em Estados Árabes 

Síria

Em 2011, protestos marcaram a cidade de Deraa na Síria expressando a insatisfação popular contra desemprego, corrupção e o autoritarismo do governo de Bashar al-Assad. Essas manifestações se espalharam pelo país, sendo reprimidas pelo governo e gerando uma repercussão mundial. Nesse contexto, o posicionamento das nações e o choque de narrativas entre ocidente e oriente escalaram as tensões e culminaram em resoluções armadas. 

O Irã e a Rússia, por possuírem laços com a Síria há décadas, apoiam o lado governista. Em meio a guerra, as empresas –Moran Security Group e Slavonic Corps Limited – Slavic Corp– que compuseram o “rascunho” do que seria Grupo Wagner tiveram participação apoiando Bashar al-Assad, porém com insucesso. Nos anos posteriores, a companhia já nomeada de Wagner volta a atuar efetivamente na guerra a favor dos interesses russos.

Em 2015 a Rússia enviou forças militares para ajudar o governo de Assad. Desde essa época, Wagner tem envolvimento em missões de combate e segurança em instalações de petróleo. Nas vésperas do motim contra a Rússia, Bashar al-Assad contava com as forças da empresa militar privada –que foram reduzidas devido à Guerra na Ucrânia– e pretendia aumentar o número de soldados, fortalecendo a aliança com Prigozhin. 

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Membros do grupo Wagner na Síria. Fonte: Folha de São Paulo

Durante o motim, temendo que a revolta repercutisse entre soldados em seu território, Damasco cortou comunicação dos combatentes e exigiu que os combatentes assinassem contratos diretamente com o governo russo, que enviou oficiais militares para controlar e  assumir comando das forças Wagner rapidamente. 

Após esses acontecimentos, o governo Sírio reafirmou o relacionamento com o governo russo, com quem passou a negociar diretamente após a reestruturação da companhia e incorporação desta ao Estado russo. 

Líbia

Guerra, enchentes e ausência de um caminho democrático viabilizaram a presença de milícias estrangeiras na Líbia. Desde 2018, o Grupo Wagner se tornou presente no país.

“Os objetivos do Wagner na Líbia têm sido principalmente obter acesso às receitas do petróleo, de forma mais ou menos indireta, através do apoio às forças armadas de Hiftar, mas também garantir um acesso mais amplo ao continente africano”, afirmou Tim Eaton, investigador sênior no think tank londrino Chatham House.

Sob o comando de Andrei Averyanov, os mercenários foram rebatizados de “Corpo Expedicionário”, estando agora ligados ao Kremlin. 

Os combatentes do Wagner continuaram autorizados a usar o país para trânsito de armas e drogas e a gerir três bases aéreas líbias. Sendo essa última relevante para permitir o transporte do ouro extraído na Líbia para a Rússia, além de outros produtos. 

Hager Ali, pesquisadora do think tank alemão GIGA German Institute for Global and Area Studies, destacou para o jornal alemão DW a capacidade do Grupo de impossibilitar a transição democrática na Líbia. Segundo ela, “O Grupo Wagner realiza campanhas de desinformação online” e pode interferir nos preparativos eleitorais, intimidar os eleitores através da violência e até ajudar a fraudar as eleições.

Operação na Venezuela

O continente americano não sai ileso da atuação mercenária. Entre 2018 e 2019, o Grupo Wagner cuidou da segurança de Maduro, que enfrentava protestos pela democracia e treinou unidades de combate venezuelanas e milícias pró-Maduro. Além disso, a companhia trabalhou ao lado da Venezuela para proteger refinarias de petróleo. O governo de Nicolás Maduro deu acesso às minas de tório venezuelanas para o Irã e a Rússia. 

Depois do motim contra a Rússia, o ditador venezuelano chamou o evento de “grave episódio de traição” e elogiou a abordagem de Putin para a resolução. 

Violação de direitos humanos: percepção da comunidade internacional 

O Grupo Wagner realizou operações em áreas comuns a atuação de missões de paz da Organização das Nações Unidas (ONU), principalmente na África, e em vários momentos representantes da ONU acusaram o grupo de cometer violações severas e sistemáticas aos direitos humanos e às leis internacionais nesses territórios.

Em uma matéria de outubro de 2021, especialistas da ONU procuraram chamar a atenção da comunidade internacional acerca dessas violações, afirmando que civis, jornalistas, voluntários e minorias estavam sendo violados, assediados e intimidados por membros do Grupo Wagner na República Centro-Africana (RCA). Naquela época, combatentes do Wagner atuavam como suporte militar ao exército da RCA, o FACA, e à polícia, prendendo indivíduos que na maioria das vezes careciam de acesso à justiça, perpetuando uma série de abusos à população. Os especialistas que publicaram a matéria também afirmaram que oficiais do Grupo Wagner cometiam violências sexuais contra mulheres e crianças, clamando ao governo da RCA que “interrompesse sua relação com o pessoal militar e de segurança privada, em particular o grupo Wagner”.

Ademais, em janeiro de 2023, os Estados Unidos designou o grupo como “Organização Transnacional Criminal”, reconhecendo formalmente o grupo como uma entidade que participa de atividades criminosas e representa uma ameaça à segurança internacional. Essa ação permite que o governo americano aplique sanções mais extensivas contra o grupo paramilitar, objetivando prejudicar e dificultar suas operações. 

Somado a isso, em maio de 2023, a Assembleia Nacional francesa havia adotado uma resolução apelando à União Europeia a classificação do Grupo Wagner como um “grupo terrorista”, principalmente em virtude da atuação do grupo paramilitar na Ucrânia na época. Zelensky respondeu a adoção da resolução agradecendo e afirmando que “Isto é algo que deve ser adotado por todo mundo – todas as manifestações de terrorismo devem ser destruídas e todos os terroristas devem ser condenados”. A Ucrânia já havia reconhecido o grupo como uma organização criminosa em fevereiro do mesmo ano, e apelava para que o mesmo fosse feito em outros países. 

Um grupo sem líder: O que aconteceu com os membros

De acordo com Jack Watling, especialista em guerra terrestre do Royal United Services Institute (Rusi), “foi realizada uma reunião no Kremlin pouco depois do motim de Prigozhin, na qual foi decidido que as operações do Wagner na África ficariam diretamente sob o controle da inteligência militar russa, o GRU”. Desde então a empresa foi desmembrada e reestruturada, passando a responder mais diretamente ao governo.

Assim, Moscou acaba com a possibilidade de alegar não envolvimento nas atividades  de modo plausível e oficializa ações que antes eram atribuídas à empresa privada. Todavia, as “forças expedicionárias”, como estão sendo chamadas, estão operando com os mesmos aparelhos e, aparentemente, com os mesmos objetivos. 

O controle das operações foi entregue ao general Andrey Aveyanov, que visitou os locais de operação de Wagner ao redor do mundo. Nesses encontros, o novo líder procurou mostrar que a morte de Prigozhin não significava o fim dos negócios.  

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Andrei Averyanov, terá sido encarregue de supervisionar as operações mercenárias da Rússia em África. Fonte: Getty Images

Um ano depois da queda do avião onde estava Prigozhin, ainda não é claro o destino de todos os membros do Wagner. Os canais do Telegram usados para recrutar esses homens continuam ativos publicando anúncios para ida a lugares “distantes” indeterminados.

Os combatentes do grupo foram incorporados às forças armadas russas, porém alguns mostraram resistência em se juntar às forças do governo. A inteligência militar russa construiu uma rede mercenária inspirada em Wagner chamada de Redut, que seria uma empresa de fachada administrada por parte do governo da Rússia. 

Alguns destinos para esses soldados são a Crimeia, Burkina Faso, Mali, Chechênia e Belarus. 

Significado para o cenário internacional

As empresas militares privadas têm se mostrado uma peça geopolítica importante, estando presentes outros países além da Rússia.

“No âmbito da ONU, houve várias iniciativas para criar um tratado vinculativo sobre as empresas militares privadas. Elas foram bloqueadas principalmente por EUA, Reino Unido, África do Sul e Israel, que são os quatro países que mais utilizam esses serviços”, afirma a Katharina Stein, pesquisadora do Instituto de Direito Público da Universidade Albert Ludwigs de Freiburg.

A emergência dessas forças evidencia a multiplicidade e complexidade da ordem mundial contemporânea, que não se resume mais apenas aos atores estatais oficiais. 

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Referências:

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  4. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/prigozhin-o-que-se-sabe-sobre-queda-de-aviao-que-transportava-o-chefe-do-grupo-wagner/
  5. https://veja.abril.com.br/mundo/zelensky-diz-que-ucrania-nao-tem-nada-a-ver-com-a-morte-de-prigozhin
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  7. https://www.bbc.com/news/world-60947877
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  10. https://www.ohchr.org/en/press-releases/2021/11/car-russian-wagner-group-harassing-and-intimidating-civilians-un-experts
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  12. https://pt.euronews.com/2023/05/10/franca-quer-que-ue-classifique-o-wagner-como-grupo-terrorista
  13. https://www.dw.com/pt-br/os-tent%C3%A1culos-do-grupo-wagner-pelo-mundo/a-66033321 
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  27. https://www.gov.br/defesa/pt-br/arquivos/ensino_e_pesquisa/defesa_academia/cadn/artigos/xvi_cadn/aa_armaduraa_invisivela_aa_utilizaaoa_daa_empresaa_militara_privada.pdf 
  28. https://www.aljazeera.com/news/2023/7/7/syria-cracked-down-on-wagner-after-mutiny-in-russia-report 
  29. https://www.dw.com/pt-br/as-novas-incurs%C3%B5es-do-grupo-wagner-na-l%C3%ADbia/a-68409738 
  30. https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/protecao-a-maduro-treinamento-mineracao-como-o-grupo-wagner-atua-na-venezuela/
  31. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/06/lider-mercenario-acusa-russia-de-mentir-em-motivo-para-invadir-ucrania.shtml 
  32. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/09/putin-prepara-a-volta-do-grupo-wagner-para-a-guerra-da-ucrania.shtml 
  33. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/12/putin-diz-que-concentracao-militar-e-resposta-a-ameaca-da-otan-na-ucrania.shtml 
  34. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/02/veja-a-lista-de-sancoes-a-russia-que-o-ocidente-impos-pela-invasao-da-ucrania.shtml 
  35. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/03/guerra-na-ucrania-como-a-russia-esta-recrutando-mercenarios.shtml 
  36. https://aovivo.folha.uol.com.br/mundo/2022/03/31/6113-acompanhe-as-principais-noticias-sobre-a-guerra-da-ucrania.shtml#post416335 
  37. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/01/russia-anuncia-conquista-de-cidade-na-ucrania-e-abre-crise-com-mercenarios.shtml 
  38. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/03/putin-diz-que-russia-sofreu-ataque-inedito-e-cancela-viagem.shtml 
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  41. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/05/mercenarios-transferem-posicoes-em-atual-epicentro-da-guerra-da-ucrania-para-exercito-russo.shtml
  42. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/06/general-russo-conhecia-planos-de-rebeliao-do-grupo-wagner.shtml
  43. https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgxzjxd5j1lo 
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