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Protestos em Bangladesh: queda de Sheikh Hasina

Protestos em Bangladesh: queda de Sheikh Hasina

Por Luiza Krueger e Maria Isadora Castelli Dias

Fim de uma era

Protestos que movimentaram as ruas das maiores cidades de Bangladesh, mas principalmente a capital Dhaka, resultaram em violência e mortes de mais de 300 pessoas, um derramamento de sangue que abalou gravemente o país asiático. Os manifestantes eram compostos majoritariamente por estudantes universitários, e sua exigência por reformas no sistema de cotas para cargos públicos transformou-se em demandas pela queda da primeira-ministra, Sheikh Hasina, e de seu gabinete, que governavam o país há quinze anos, após a escalada de violência dos protestos. 

Como resultado, no dia cinco de agosto, Sheikh Hasina fugiu do país em meio a conjuntura de caos político e social, o que levou a celebrações de milhares de pessoas por conta da demissão da premiê.

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Sheik Hasina. Fonte: GETTY IMAGE, BBC News Brasil.

Por que protestar?

Os protestos iniciaram no dia 1º de julho e inicialmente exigiam o fim do sistema de cotas à empregos públicos, as quais reservavam um terço dos cargos à descendentes dos veteranos da guerra de independência de Bangladesh contra o Paquistão em 1971, ou então, reformas nesse sistema. De acordo com os manifestantes, os cargos públicos deviam basear-se no mérito, e as cotas associadas aos veteranos de guerra eram utilizadas como um instrumento que beneficiava o partido de Hasina, a Liga Awami, que comandou o processo de independência do país. As cotas haviam sido abolidas em 2018, entretanto foram restabelecidas por uma decisão do Tribunal Superior em junho. 

Inicialmente, as manifestações eram pacíficas, englobando o bloqueio de estradas para a capital e outras grandes cidades e de trilhos de trem. A resposta do governo foi incisiva: não haveria mudança no sistema de cotas. No começo de julho, a primeira-ministra afirmou que os estudantes estavam “perdendo seu tempo”.

Aproximadamente na metade de julho, os protestos tornaram-se violentos, e os estudantes passaram a confrontar as forças governamentais e militares, levando ao uso de instrumentos letais contra os manifestantes, tais como gás lacrimogêneo e balas de borracha. Somado a isso, o governo baniu o acesso a internet. Ademais, de acordo com a imprensa local, as mortes superavam 200 pessoas ao longo do mês de julho, enquanto que o governo declarava 150 mortes. 

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Fonte: EPA.

Escalada nos conflitos

No domingo do dia 4 de agosto, o Supremo Tribunal de Bangladesh suspendeu a maior parte das cotas destinadas a cargos públicos como resposta aos protestos, reservando 93% dos postos com base no mérito, e o restante para membros de minorias étnicas, pessoas com deficiência e transexuais, sendo que a reforma também manteve uma quota, ainda que reduzida, para os descendentes de veteranos. 

A princípio, Hasina e seu governo acreditaram que as manifestações seriam interrompidas, entretanto, os estudantes continuaram a protestar, clamando pela retirada da primeira-ministra a fim de fazer justiça pelas centenas de mortes. Somado a isso, o posicionamento de Hasina acerca do sistema de cotas, o qual utiliza de uma narrativa de dicotomia entre forças a favor e contra a independência de Bangladesh para fortalecer seu governo, junto de uma politização do espírito de guerra, agravou a crise e acentuou o descontentamento dos estudantes.

Nessa conjuntura, as mortes resultantes dos protestos no mesmo dia da reforma do Supremo Tribunal chegou a, pelo menos, 95 pessoas de acordo com os meios de comunicação locais, tornando-se o dia mais letal desde o começo dos conflitos entre a polícia e os manifestantes, e a internet, que havia sido liberada, foi novamente restringida pelo governo. Entretanto, os protestantes continuaram a todo vigor, incendiando veículos e prédios associados ao governo, além de um ataque a um hospital público. 

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Incêndio em Emissora Estatal. Fonte: Getty Images.

A expansão dos protestos foi acompanhada do maior envolvimento de partidos de oposição no apoio aos estudantes, e de acordo com a Liga Awami, a demanda pela saída de Hasina do poder era justificada pela liderança desses partidos nos protestos, os acusando de fomentar a violência. A resposta pública da oposição foi que em nenhum momento eles lideraram os ataques ou protestos, mas apoiavam a causa. 

Como consequência da constante insatisfação de grande parte da população do país direcionada a atuação de Hasina e seu partido, exposta por meio da escalada nos conflitos apesar da reforma no sistema de cotas para cargos públicos e em meio à pior crise sofrida pela líder, a primeira-ministra demitiu-se e fugiu de Bangladesh na segunda-feira (05/08).

Fraudes, censura e corrupção? Como se situava o governo de Sheikh Hasina antes dos protestos

As eleições de 2024

Sheikh Hasina foi eleita pela primeira vez ministra do governo de Bangladesh no ano de 1991, ocupando o cargo por cinco anos. Em 2006, a política foi eleita novamente, e, desde então, governa o país, acumulando diversos mandatos consecutivos. Assim, em janeiro de 2024 o cenário político nacional manteve-se inalterado, com Hasina obtendo vitória em eleições marcadas por controvérsias, acusações e pelo fortalecimento de grupos opositores.

Tendo isso em vista, a conjuntura política do Estado gerou alarme em diversas instâncias, isso pois, apesar do partido de Hasina, a Liga Awami, ter conquistado maioria parlamentar, com 225 das 300 cadeiras ocupadas por seus integrantes, a participação eleitoral da população mostrou-se extremamente baixa, de modo que dados oficiais apontaram um comparecimento de somente 40% do eleitorado. Tal fato contrasta com os relatórios eleitorais anteriores em 2018, por exemplo, o comparecimento eleitoral foi de cerca de 80%, quase o dobro do número referente ao atual ano. 

Ademais, cabe destacar a ocorrência de  severas acusações contra Hasina, haja vista que a prevalência de um mesmo líder no poder por um período tão extenso de tempo ampliou as preocupações no que tange à própria segurança da democracia no país. Nesse sentido, percebe-se o baixo comparecimento eleitoral como resultado de um boicote promovido pela própria população, revoltada com o caráter autoritário do governo, que promovia censura à imprensa, e perseguições a grupos opositores.

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Fonte: Zabed Hasnain Chowdhury/NurPhoto via Getty Images, CNN Brasil.

Partido Nacionalista de Bangladesh (BPN): boicote e oposição

Em Bangladesh, o principal partido de oposição à Liga Awami é o chamado Partido Nacionalista de Bangladesh (BPN), grupo de liderança no mandato anterior ao de Hasina, entre os anos de 2001 e 2006. Em um período anterior às eleições de 2024, manifestações promovidas por esse grupo foram alvo de grande repressão, sendo que seus integrantes sofreram prisões em massa e atos de extrema violência. 

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Fonte: REUTERS, BBC News Brasil.

Em resposta à isso, o Partido Nacionalista de Bangladesh solicitou a criação de um governo interino neutro para presidir o processo eleitoral de 2024, alegando que a Liga Awami vinha comportando-se de forma não democrática. Contudo, o partido de Hasina recusou-se a atender as demandas expostas, e, alicerçados na alegação de que quaisquer eleições sobre aquelas circunstâncias trariam resultados ilegítimos, o AL convocou um boicote ao processo eleitoral. Como resultado principal desse atrito, observa-se justamente o baixo comparecimento da população, já mencionado anteriormente. 

A opinião pública

Ao longo do extenso mandato da ministra Sheikh Hasina houve inúmeras convergências no que diz respeito à qualidade de suas políticas. Nesse sentido, cabe destacar que a premiê contava com um profundo apoio de grupos de diversos âmbitos da sociedade, principalmente pela estabilidade política garantida por seu governo. Além disso, Hasina recebia de seus apoiadores um grande crédito pelo alto desenvolvimento econômico de Bangladesh nas últimas décadas, tal marca é exemplificada pelo fato de que mais de 25 milhões de indivíduos foram retirados da pobreza no país ao longo dos últimos 20 anos, conforme divulgado por um relatório do Banco Mundial.

Todavia, a imagem de otimismo econômico vinha se desgastando em Bangladesh nos últimos anos, já que, desde meados de 2022, o país enfrenta uma desaceleração econômica, resultado de um cenário de alta inflação e da necessidade de empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI). A conjuntura descrita contribuiu para a queda do índice de aprovação do governo, além de fortalecer os discursos de oposição. Deste modo, muitos indivíduos passaram a afirmar que o crescimento no início do século ocorreu apesar dos mandatos de Hasina, e não devido a eles, portanto, estaria mais relacionado a fatores externos regionais do que à política interna da ministra. 

A violência e a comunidade internacional

Potência Regional: o papel da Índia

Diante da intensificação dos protestos e do alto número de mortes de civis, houve diversas reações da comunidade internacional, incluindo notas de apelo por respeito aos direitos humanos e à democracia. Assim, é de suma importância marcar a posição da Índia frente aos eventos, já que o Estado se configura como uma potência no Sul asiático, mantendo historicamente relações de grande proximidade com Bangladesh. 

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Encontro de Hasina e primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, em junho.  Fonte: Getty Images.

O histórico amigável entre as duas nações remonta ao movimento de independência de Bangladesh em relação ao Paquistão, em 1971. Nesse período, a Índia forneceu auxílio militar à Força de Resistência Bengali, suporte fundamental para a futura conquista da soberania do país. Contudo, o percurso amigável entre eles não se limita às questões econômicas, de modo que ambos compartilham traços culturais, étnicos e linguísticos, apesar de contarem com diferenças religiosas, já que a Índia possui maioria Hindu, enquanto Bangladesh apresenta maioria muçulmana. Em suma, observou-se ao longo dos mandatos de Hasira a manutenção desse contato entre os Estados, uma vez que ambas as partes obtiveram benefícios. 

No que diz respeito aos interesses da Índia, destaca-se o usufruto da localização estratégica de Bangladesh tanto para questões geopolíticas de segurança (devido à proximidade de grandes potências como a China), quanto para fins de transporte e abastecimento de suas sete províncias à nordeste, de maneira que mercadorias indianas têm livre passagem por rodovias, ferrovias e flúvio vias do país vizinho.

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Fronteira Índia/ Bangladesh.

Já para Bangladesh, a Índia tem um papel relevante no financiamento de obras infraestruturais e atividades econômicas, assim, o valor total destinado ao país nos últimos 20 anos passa a marca dos 7 bilhões de dólares. Entretanto, há grupos no território que criticam tal proximidade, elencando parcialidade política por parte das lideranças da Índia ao apoiarem, repetidamente, a ministra Sheikh Hasina. Em uma entrevista recente, o líder do partido de oposição BNP afirmou que o governo indiano não teria interesse em uma democracia em Bangladesh, apenas na manutenção do poder nas mãos de indivíduos favoráveis a eles. 

Desta forma, com o surgimento dos protestos no mês passado, o governo do país vizinho foi duramente criticado ao não emitir declarações que condenassem os atos violentos de repressão. Inicialmente, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Índia afirmou que tal fenômeno era um assunto interno de Bangladesh. Porém, em entrevista futura, admitiu que o Ministro de Relações Estrangeiras monitorava pessoalmente a situação, enfatizando que a Índia não teria a pretensão de permanecer distante dos assuntos de territórios próximos.

Atualmente, frente à renúncia da ex-premiê, indivíduos na Índia demonstram temor de um possível avanço de grupos extremistas islã em Bangladesh. A preocupação surge tendo em vista que entre os anos de 2001 a 2006, período no qual a oposição governava, o país enfrentou um grande avanço de grupos jihadistas, sendo eles responsáveis pela tentativa de assassinato de Sheikh Hasina, e perseguições contra a minoria Hindu presente no país.

Outras respostas

Diante do grave cenário político em Bangladesh, outras nações influentes e Organizações Internacionais também se manifestaram acerca da violência cometida pela polícia contra a população nos protestos. Um exemplo é a postura adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), que expressou preocupação com a abordagem repressiva da ex-ministra e fez um apelo por uma transição política transparente, responsável e inclusiva depois de Hazina abdicar do cargo.

Ademais, os Estados Unidos (EUA) emitiram uma nota no dia 6 de agosto, ordenando o retorno de seu pessoal diplomático não essencial e suas famílias, devido ao alto risco de segurança. Paralelamente, após se refugiar na Índia, a ex-premiê acusou em uma de suas declarações públicas que os EUA tiveram parte no processo que levou à sua queda, argumentando que essa seria uma resposta à sua resistência em ceder a soberania do Golfo de Bengala à grande potência, fato que não foi dado como verídico. 

Origens de Bangladesh: como o passado do país é refletido nos dias atuais

A fim de entender a atual conjuntura caótica do país, deve-se analisar a história e as raízes de Bangladesh, objetivando uma melhor compreensão de como Sheikh Hasina e a Liga Awami estiveram no poder do país por mais de uma década. 

Um país separado ao meio… literalmente

Em 1947, no contexto do pós-guerra, a Grã-Bretanha declarou oficialmente a independência da Índia, entretanto, embora os britânicos tenham negociado a libertação do país, a região passou posteriormente por um dos processos mais violentos vistos na Índia, conhecidos como a Partição. Na época, a população da Índia era predominantemente hindu, todavia, cerca de 25% era muçulmana, além de outras religiões minoritárias, como budistas e sikhs. Essa divisão religiosa era algo marcante para os indianos desde a dominação inglesa sobre o território, visto que a Grã-Bretanha utilizou, em certos momentos, a religião como instrumento de controle ou intervenção dos costumes da população. 

Baseado nisso, em meio a independência indiana, um movimento separatista ganhou apoio de muitos indianos mulçumanaos, que temiam um governo controlado pela maioria hindu no país. Esse movimento foi liderado por Muhammad Ali Jinnah por meio da Liga Muçulmana, e exigia a criação de um estado independente mulçumano como condição das negociações com a Grã-Bretanha pela independência da Índia. Na época, a divisão parecia simples aos ingleses, que aceitaram o acordo e desenharam um novo mapa da região. Precisamente, Cyril Radcliffe, um funcionário público britânico, ficou responsável por traçar as novas fronteiras, separando a Índia do então criado Paquistão.

Entretanto, mesmo que ele tenha dividido a Índia baseando-se na distribuição geográfica das respectivas religiões, muitas comunidades muçulmanas estavam localizadas no território delimitado como hindu e vice-versa. Como consequência, cerca de 15 mil pessoas se deslocaram a fim de cruzar as recém-criadas fronteiras. Além das centenas de quilômetros que muitos foram obrigados a atravessar com suas famílias e pertences, esse processo rapidamente tornou-se violento, e muitos indivíduos foram expulsos de suas casas de forma agressiva, tal como ocorreu em 1946, no episódio que ficou conhecido como Assassinatos de Calcutá, no qual aproximadamente duas mil pessoas foram mortas. No meio desse contexto conturbado, no qual a atuação de milícias e grupos terroristas foi responsável por até mesmo criar campos de refugiados, dezenas de milhares de mulheres, de ambas as religiões foram brutalmente violentadas, e estima-se que cerca de um milhão de pessoas perderam suas vidas, e 15 milhões foram desalojadas. 

Foi então, nessa conjuntura, que o Paquistão foi formado, tornando-se um país com dois territórios divididos ao meio pela Índia, o Paquistão Oriental e Ocidental, e contendo uma população majoritariamente muçulmana. Desde então, a Índia e o Paquistão são rivais em suas políticas internacionais, fenômeno evidenciado pelo atual conflito na Caxemira e pelo apoio da Índia na Guerra de Independência de Bangladesh. 

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Resultado da Partição da Índia de 1947. Fonte: BBC News Brasil.

Após todo esse processo, em 1971, o Paquistão Oriental anunciou sua independência sobre o nome de Bangladesh, ou República Popular de Bengala, com a capital em Dhaka, e em 1974, essa independência foi reconhecida pelo Paquistão. Foi nessa Guerra de Independência que o pai de Sheikh Hasina, Mujibur Rahman, foi responsável por levar a Liga Awami ao poder e enaltecer seu papel na tão desejada independência do povo da região. 

Guerra de Independência de 1971

Antecedentes da guerra 

Dentre as principais causas responsáveis pelo desejo de autonomia do Paquistão Oriental sobre o parceiro localizado a oeste da vizinha Índia, destacam-se as diferenças étnicas, culturais e identitárias entre os povos, sendo o islamismo uma das únicas semelhanças entre eles, o maior poder político e econômico nas mãos do Paquistão Ocidental, evidenciado por ele conter a sede do governo e apresentar uma qualidade de vida superior a dos habitantes do Paquistão Oriental, o que acarretava em menores investimentos estatais e maior negligência governamental na região, e também as diferenças linguísticas.

Ademais, cabe citar alguns precedentes da Guerra de Independência de Bangladesh que fomentaram o ressentimento dos habitantes do Paquistão Oriental sobre o Ocidental e estimularam o desejo por libertação. Primeiramente, em 1948, o governo do Paquistão confirmou que a língua oficial do país passaria a ser Urdu, ou seja, todos os assuntos oficiais do Estado seriam tratados neste idioma. Entretanto, grande parte dos povos que habitavam o Paquistão Ocidental não falavam Urdu, e sim, Bengali, e a língua declarada oficial foi imposta sobre esses indivíduos. Como resposta, o Movimento da Língua Bengali foi formado e posteriormente reprimido pelo governo central em 1952. 

Além disso, a falta de recursos destinados ao Paquistão Oriental foi exemplificada pela forma que o governo respondeu aos desastres causados pelo ciclone de Bhola em 1970. Estima-se que as mortes alcançaram entre 300.000 a 500.000 pessoas, além de prejuízos materiais que abalaram profundamente a economia da região. A forma pela qual o governo lidou com a destruição sem precedentes, causada duas semanas antes das eleições do Paquistão, gerou uma profunda insatisfação, em vista de que os esforços por auxílio na região, tanto na reconstrução física como em medidas de assistência à população e distribuição de recursos, foram mínimos. 

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Catástrofe causada pelo ciclone de Bhola. Fonte: Banco Mundial

O Bangabandhu  

Por fim, as eleições de 1970 foram emblemáticas e marcaram o início do processo de independência na medida que elegeram Mujibur Rahman e o partido Liga Awami, os quais desejavam maior liberdade para o Paquistão Oriental. Rahman ganhou com maioria simples, visto que que a população do Paquistão Oriental era superior à do Paquistão Ocidental. Todavia, o governo central em Islamabad, a capital do Paquistão, e o presidente do período, o militar Agha Muhammad Yahya Khan, não aceitaram os resultados e anularam a eleição.

Isso resultou no famoso discurso enunciado por Mujibur Rahman, que ficou conhecido como Bangabandhu, ou “Amigo da Nação Bengala”, no qual ele declarou uma República Popular de Bengala independente. O líder foi preso logo depois pelas forças do governo. Isso gerou uma onda de protestos, os quais o Paquistão Ocidental procurou ao máximo reprimir, sendo que, em março de 1971, o exército do Paquistão Ocidental invadiu o Paquistão Oriental. A guerra foi brutal e seguiu-se por nove meses, e o número de mortes é estimado entre 500 mil a 3 milhões de pessoas, além de milhões de refugiados que seguiram principalmente para a Índia, que ofereceu suporte e soldados.

Em 16 de dezembro de 1971, o Paquistão Ocidental rendeu-se, no dia que ficou conhecido como “Dia da Vitória”. Pouco tempo depois, Mujibur Rahman foi solto e assumiu o governo de Bangladesh. 

O Legado de Bangabandhu 

Sheikh Hasina foi nomeada líder da Liga Awami em 1981, seis anos após o assassinato de seu pai e em meio a uma conjuntura política instável envolvendo golpes militares, na qual Bangladesh passava por mudanças rápidas e violentas no poder. Desde então, Hasina utiliza o legado de seu pai como “Pai da Nação” a seu favor, instrumentando as ações e imagem do pai na guerra para moldar sua política e legitimar seu poder.

Os nacionalismos evocados e associados a uma ideologia e um simbolismo que glorificavam a guerra de 1971, assim como Mujibur Rahman, eram usados por Hasina para promover a unidade e o desenvolvimento nacional. A construção de monumentos em homenagem a seu pai ao longo de seus mandatos, ou até mesmo museus, tal como o “Museu Memorial Bangabandhu”, localizado em Dhaka, além da promoção das políticas de seu pai pelo nome de “Mujibismo”, tornando-se um guia a suas próprias políticas governamentais, exemplificam esse fenômeno. Análogo a isso, a própria criação das cotas destinadas a descendentes de veteranos da Guerra de Independência para cargos públicos evidencia esse processo.

Por fim, o discurso expresso pela líder em julho como resposta ao desejo dos estudantes de acabarem com esse sistema de cotas, no qual ela afirmou que “Se os netos dos lutadores pela liberdade não recebem cotas, então os netos de Razakars [colaboradores paquistaneses] deveriam receber cotas?”, expõe uma dicotomia de forças pautada na criação de um inimigo comum que auxiliou Hasina a manter-se no poder ao longo de seus quatros mandatos. Entretanto, essa narrativa foi duramente criticada pelos estudantes que protestaram ao longo das últimas semanas e indivíduos da nova geração, que preocupam-se mais em enfrentar problemas mais urgentes que assolam o país como desemprego e corrupção, acusando Hasina de enfatizar de forma excessiva a glorificação de sua família.  

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Busto de Mujibur Rhaman em Dhaka

Nova liderança e perspectivas para o futuro.

O vácuo de poder.

Com a fuga de Hasina e sua irmã para a Índia na última semana, surgiu, em meio a um caos político, um vácuo de poder em Bangladesh. Mas, apesar da renúncia da ministra, inúmeros atos de protesto continuaram a reivindicar justiça pelos cidadãos mortos pelas mãos das forças armadas ao longo das manifestações. Autoridades divulgaram a ocorrência de saques e violência, direcionados principalmente a prédios públicos ou das forças policiais.

Em meio a esse cenário, a polícia de Bangladesh declarou greve, afirmando temer pela segurança de seus integrantes. Tal conjuntura rendeu inúmeras cenas inusitadas, como a mobilização estudantil para organizar o trânsito das principais vias de centros urbanos e permitir o retorno parcial às atividades cotidianas. 

Quem é Muhammad Yunus?

Diante do mencionado vácuo de poder, o presidente de Bangladesh promoveu Muhammad Yunus ao cargo de primeiro-ministro. Yunus é um economista renomado ganhador do prêmio Nobel da Paz no ano de 2006, após criar a primeira instituição financeira de microcréditos do mundo, banco que atuava a taxas de juros mais baixas e acessíveis, beneficiando pessoas de baixa renda. 

Com o anúncio de Yunus como novo governante, muitos cidadãos veem o futuro do país com otimismo, já que a decisão atende a reivindicação dos grupos manifestantes em não promover um indivíduo com ligações ao exército. Além disso, por possuir especialidade na área, também se espera que ele contribua positivamente para a redução da dívida internacional de Bangladesh, reduzindo a crise econômica que permeia o Estado atualmente. Em suma, Bangladesh passou por um período de extrema violência nas últimas semanas, porém, carrega agora a possibilidade de melhora dos índices democráticos e econômicos.

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Encontro de Muhammad Yunus com liderança estudantil. Fonte: REUTERS/Mohammad Ponir Hossain

Fontes:

  1. https://www.bbc.com/portuguese/articles/c20776jznneo
  2. https://www.bbc.com/news/articles/cpv3kn5v565o
  3. https://pt.euronews.com/2024/08/05/primeira-ministra-do-bangladesh-demite-se-e-deixa-o-pais-avanca-a-imprensa-local
  4. https://www.bbc.com/news/world-asia-67889387
  5. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/numero-de-mortos-em-protestos-em-bangladesh-sobe-para-300-manifestantes-convocam-marcha/
  6. https://www.bbc.com/news/articles/c8dpjgrr3vdo 
  7. https://www.bbc.com/news/articles/c39kkkdjkzwo
  8. https://www.bbc.com/news/world-asia-india-67860458
  9. https://g1.globo.com/economia/noticia/2024/08/08/muhammad-yunus-quem-e-o-economista-nobel-da-paz-que-vai-assumir-bangladesh.ghtml
  10. https://www.megacurioso.com.br/artes-cultura/124447-ciclone-de-bhola-o-desastre-natural-que-fez-um-novo-pais-nascer.htm
  11. https://pt.euronews.com/2024/08/05/o-que-precisa-saber-sobre-os-violentos-protestos-que-estao-a-assolar-o-bangladesh
  12. https://www1.folha.uol.com.br/banco-de-dados/2021/03/1971-guerra-civil-estoura-no-paquistao-oriental-que-deseja-independencia.shtml 
  13. https://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/16-de-dezembro-de-1971-bangladesh-finalmente-consegue-independencia-10068884#ixzz8iyetyVzA 
  14. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62546859
  15. https://www.nationalarchives.gov.uk/education/resources/the-independence-of-bangladesh-in-1971/

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