Carregando agora
×

Big Techs: As Empresas Coloniais do Século XXI?

Big Techs: As Empresas Coloniais do Século XXI?

Escrito por Matheus Veríssimo e Raquel Zaleschi

O que são as Big Techs?

No nosso mundo de economia global, onde a lógica produtiva é guiada pelos meios técnico-científico-informacionais, as tecnologias informacionais desempenham um papel de enorme relevância perante a comunidade internacional. Decerto essas tecnologias, por sua grande relevância na gestão de fatores produtivos e na integração dos atores de mercado, têm enorme importância estratégica no desenvolvimento econômico das nações.

Dado esse contexto, estabeleceu-se um mercado autenticamente trilionário ao redor dos meios informacionais, no qual algumas empresas estabeleceram um domínio sobre esse setor estratégico, as chamadas Big Techs. As Big Techs são empresas de grande participação no mercado da informação, concentrando enormes fatias de ramos consolidados, como o armazenamento, a segurança e o processamento de dados, bem como de áreas vanguardistas, tal qual a pesquisa por inteligências artificiais.

Apesar das particularidades do mundo globalizado, as grandes empresas não são um fenômeno exclusivamente contemporâneo. Grandes empresas do passado, analogamente, também influenciaram o cenário internacional de forma que paralelos possam ser traçados com as atuais gigantes da tecnologia. Seriam as Big Techs as Empresas Coloniais do Século XXI?

Mapa que ilustra as rotas comerciais da Companhia das Índias Orientais

Ilustração feita por Simeon Netchev

O que foram as Empresas Coloniais?

Estabelecidas na Era Moderna, as Empresas Coloniais foram criadas no contexto do surgimento do Estado Moderno e do capitalismo comercial, dirigido pela política mercantilista. Precipuamente, elas tinham por objetivo concretizar as aspirações imperiais das nações europeias, isso através de monopólios privados concedidos pelos Estados aos quais serviam.

Contudo, as Empresas Coloniais acabaram por extrapolar seu papel meramente subserviente e passaram a ocupar uma posição central nas questões econômicas e políticas devido ao seu acúmulo de influência, formando, assim, um Império dentro de um Império.

Apesar de aparentemente longínquo, esse passado se faz cada vez mais presente ao se observar os paralelos desse embate entre criatura e criador. Assim como a Companhia Britânica das Índias Orientais e o Parlamento Britânico se enfrentaram no século XIX, Big Techs e agentes reguladores se enfrentarão no século XXI?

 

A força econômica das Big Techs

Enquanto no passado as Empresas Coloniais européias dominavam o comércio de produtos como o ouro, os tecidos e as especiarias, as Big Techs de hoje dominam a informação e a comunicação para que o comércio ocorra. A força econômica dessa influência é demonstrada quando consideramos que 7 das 10 maiores empresas do mundo, em valor de mercado, são gigantes da tecnologia.

Nesse sentido, a Alphabet, empresa proprietária da Google, é um ótimo exemplo de como uma empresa de tecnologia informacional consegue influenciar o comércio em grande escala. Através da plataforma de pesquisa Google, com bilhões de usuários diários, a empresa comercializa marketing digital direcionado através de seu famigerado algoritmo.

O algoritmo da Google, ao coletar dados indicadores das preferências de seus usuários através de suas pesquisas na plataforma e diversas outras métricas, consegue direcionar propagandas para o “público ideal” da empresa impulsionada. Como resultado da eficiência mercantil do algoritmo, não é difícil entender a ascensão meteórica do comércio eletrônico nos últimos anos, com o crescimento e consolidação de empresas como Amazon, AliExpress, Shein e tantas outras.

Os Algoritmos (disponível em: depositphotos.com; créditos: agsandrew)

Devemos nos preocupar com monopólios?

Além disso, um paralelo pode ser traçado também no caráter monopolista e da relevante influência estatal na criação das Empresas Coloniais e das Big Techs. Enquanto as primeiras foram gestadas através da concessão de monopólios por coroas europeias, as posteriores surgiram, em sua esmagadora maioria, de políticas de fomento estatal e mantêm um monopólio na prática.

A respeito da participação estatal, o apoio dos EUA na gênese do Vale do Silício através da concessão de incentivos fiscais e subsídios é incontestável. Ademais, Washington também oferece apoio direto às instituições financeiras que apoiam empresas e startups no setor de tecnologia.

No que tange os receios quanto a monopólios, pode-se lembrar o histórico de ascensão de Mark Zuckerberg. Criador da rede social Facebook, em conjunto com seus colegas de quarto de faculdade, seu empreendimento foi crescendo e adquirindo um número cada vez maior de empresas no ramo, como Instagram e Whatsapp, convertendo-se na atual gigante Meta.

O caso fez com que a Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos iniciasse um processo em 2020 contra a empresa por violar leis antitruste. Todavia, como esperado quando se trata de uma empresa de faturamento bilionário, o caso sequer foi a julgamento até a presente data. 

Foto por Jim Watson/AFP 

 

A influência política das Big Techs

Um outro eixo de comparação possível entre as gigantes da tecnologia e as Empresas Coloniais é o de sua influência em assuntos de política interna das nações. Nesse sentido, as Empresas Coloniais, valendo-se de seu poderio econômico, ativamente interferiram na política interna de reinos africanos e asiáticos, chegando, em seu auge, a administrar territórios inteiros.

Apesar de não exercerem um nível tão elevado de ingerência política nos estados nacionais até o momento, fato é que a atuação das Big Techs tem gerado instabilidades nas democracias ao redor do mundo. Seja pelo cometimento direto de ilegalidades, seja por grave negligência, as donas das redes sociais têm agravado conflitos políticos pelo globo.

No caso do cometimento de ilegalidades, pode-se citar a venda ilegal de dados sigilosos dos usuários do Facebook à Cambridge Analytica. Essa venda irregular forneceu dados à empresa de consultoria que os teria utilizado, supostamente, de modo a beneficiar a campanha presidencial de Donald Trump à Casa Branca em 2016, além de denúncias do mesmo vazamento ter beneficiado o movimento do Brexit.

Donald Trump em sua campanha presidencial de 2016 – Fonte: Britannica

A irresponsabilidade das Big Techs

Sobre a negligência das empresas, de acordo com a tese do Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, as Big Techs não assumem responsabilidade sobre o uso de suas redes por milícias digitais. Em resumo, grupos extremistas têm utilizado as redes para disseminar notícias falsas e discurso anti-democrático, um grande fator desestabilizador do Estado Democrático de Direito.

O posicionamento do Ministro acerca da necessidade de imposição de deveres civil-administrativos para as Big Techs culminou no recente conflito público com Elon Musk. O proprietário do X (antigo Twitter) veio abertamente questionar pedidos de bloqueio de contas investigadas no âmbito do inquérito das milícias digitais e ameaçou descumprir futuras medidas do Poder Judiciário nacional, o que representaria um desafio flagrante à soberania do Estado brasileiro.

O ministro Alexandre de Moraes e o empresário Elon Musk

Créditos a Marcelo Camargo/Agência Brasil e REUTERS/Gonzalo Fuentes – Fonte: CNN.

 

Quem controla as Big Techs?

Tendo por base toda a discussão anterior sobre o impacto, econômico e político, das Big Techs no cenário global, uma grande questão é suscitada: A quem as gigantes da tecnologia respondem? Que órgãos supervisionam e regulam as suas atividades?

Muitos imaginariam que esse controle fosse exercido pelo Norte Global, um mundo em que a legislação desse polo regulasse firmemente as atividades dessas empresas. Porém, o que se observa na prática é uma legislação insuficiente ou severamente obsoleta. Um caso disso é o da Lei de Privacidade de Comunicação Eletrônica dos EUA, formulada há quase 40 anos!

A resposta à pergunta, portanto, é simplesmente aterradora: em grande medida, as Big Techs acabam seguindo as suas próprias normas, as notórias “diretrizes da plataforma”. Essa constatação explicita uma realidade preocupante, devido ao infame histórico de falta de transparência das plataformas e de arbitrariedade de muitas regras impostas ao usuário.

Os CEOs das Big Techs em 2021: Mark Zuckerberg (Facebook), Jeffrey Bezos (Amazon), Sundar Pichai (Google) e Jack Dorsey (Twitter) – Fonte: CNN

Perspectivas de regulação

Todas essas práticas de ética questionável vêm suscitando debates por uma regulação incisiva sobre as empresas de tecnologia. O Parlamento Europeu, por exemplo, já está trabalhando em um arcabouço legal para enfrentar as práticas monopolistas adotadas pelas Big Techs, através de sua Lei dos Mercados Digitais, e também buscando formas de proteger os usuários das plataformas, por meio da Lei dos Serviços Digitais.

Contudo, o enfrentamento mais simbólico, e por enquanto ainda não concretizado, seria uma legislação aprovada pelo Congresso dos EUA. O presidente da nação berço das gigantes da tecnologia, Joe Biden, já veio a público pedir à casa legislativa que tome medidas para regulamentar as plataformas digitais com a finalidade de coibir e penalizar seus abusos.

Esse movimento de regulamentação pode ser visto como um eco do confronto entre os Estados europeus e as Empresas Coloniais. A partir da Lei de Regulação de 1773, Londres iniciou um processo de nacionalização da Companhia Britânica das Índias Orientais, concluído em 1858. O fim do Império da outrora poderosa companhia ocorreu com sua dissolução formal no plenário do Parlamento Britânico em 1874.

Discussão no parlamento Britânico – Fonte: Britannica

Em suma, esses paralelos históricos auxiliam a compreensão do cenário atual e a encontrar caminhos para o enfrentamento dos paradigmas do mundo contemporâneo. Conforme Mark Twain já dizia: “A História não se repete, mas frequentemente rima”.

 

Referências:

  1. https://www.imf.org/en/News/Articles/2021/06/16/sp061721-bigtech-in-financial-services
  2. https://brasilescola.uol.com.br/historiag/quarta-revolucao-industrial.htm 
  3. https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-20958/companhia-das-indias-orientais/
  4. https://www.moneytimes.com.br/paulo-gala-como-o-governo-americano-ajudou-na-criacao-do-google-e-do-vale-do-silicio/ 
  5. https://exame.com/invest/guia/as-10-maiores-empresas-do-mundo-2022/
  6. https://support.google.com/adsense/answer/6242051?hl=pt-BR
  7. https://www.businessinsider.com/how-facebook-was-founded-2010-3#we-can-talk-about-that-after-i-get-all-the-basic-functionality-up-tomorrow-night-1 
  8. https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2012/04/facebook-anuncia-compra-do-instagram.html 
  9. https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/02/facebook-compra-o-aplicativo-whatsapp-por-us-16-bilhoes.html 
  10. https://www.nytimes.com/2020/12/09/technology/facebook-antitrust-monopoly.html 
  11. https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/entenda-o-escandalo-de-uso-politico-de-dados-que-derrubou-valor-do-facebook-e-o-colocou-na-mira-de-autoridades.ghtml
  12. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/04/veja-o-que-diz-tese-de-moraes-sobre-milicias-digitais.shtml 
  13. https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2024/04/09/elon-musk-volta-a-atacar-moraes-e-diz-que-vai-tirar-funcionarios-do-x-do-brasil.ghtml
  14. https://bja.ojp.gov/program/it/privacy-civil-liberties/authorities/statutes/1285#:~:text=The%20ECPA%2C%20as%20amended%2C%20protects,conversations%2C%20and%20data%20stored%20electronically.  
  15. https://www.europarl.europa.eu/topics/pt/article/20211209STO19124/a-lei-dos-mercados-digitais-e-da-lei-dos-servicos-digitais-da-ue-explicadas
  16. https://www.cnnbrasil.com.br/economia/biden-pede-congresso-regulacao-big-techs/ 

Share this content: