Discurso do Lula na 79ª Assembleia Geral da ONU
Por Maria Luísa Almeida
No dia 24 de setembro de 2024, o presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva subiu à tribuna da Assembleia Geral da ONU para abrir a 79ª sessão. Conforme costume do governante, foram abordadas questões de disparidades sociais e os problemas centrais no cenário contemporâneo, além dos compromissos tradicionais. Seu discurso evocou uma crítica velada às estruturas globais de poder que perpetuam a desigualdade e o imperialismo econômico. Lula, ciente das forças neocoloniais que moldam o cenário mundial, abordou questões como a emergência climática, a fome, a desigualdade social e capítulos de guerras, ao mesmo tempo que desafiou a hipocrisia das potências ocidentais e seu controle sobre as instituições multilaterais.
Multilateralismo e Reforma da Ordem Global
Na frente geopolítica, Lula articulou uma visão de um mundo multipolar, onde a hegemonia do Norte Global, especialmente representada pelos Estados Unidos e seus aliados, foi contestada. Ao defender a reforma do Conselho de Segurança da ONU, Lula criticou a concentração de poder nas mãos das antigas potências coloniais, chamando por uma representatividade mais justa para as nações do Sul Global. Esta demanda vai além da diplomacia tradicional; ela é uma acusação contra o sistema imperialista que perpetua a marginalização dos países em desenvolvimento nas decisões globais.
Lula também criticou a estrutura do Conselho de Segurança da ONU, enfatizando a ineficiência desse órgão ao manter o poder de veto concentrado nas mãos de apenas cinco países. Para ele, essa concentração de poder é uma distorção que impede soluções globais democráticas e reflete o imperialismo latente nas instituições multilaterais. Além disso, o presidente destacou o fato de a ONU nunca ter tido uma mulher como secretária-geral, sugerindo que uma verdadeira reforma deve incluir a equidade de gênero em suas posições de liderança.
A Emergência Climática
O presidente brasileiro responsabilizou diretamente as potências históricas pelo caos ambiental atual. A transição para uma economia verde, embora essencial, foi retratada como um caminho que deve ser pavimentado pelas nações industrializadas, responsáveis por séculos de devastação ambiental em nome do desenvolvimento capitalista. Enquanto o presidente brasileiro pressionava por uma ação acelerada, deixou claro que o ritmo lento da descarbonização global é uma falha política do Norte Global, que continua a lucrar às custas dos países em desenvolvimento.
Ao enfatizar a promessa de zerar o desmatamento ilegal até 2030, Lula destacou a liderança do Brasil, mas também apontou a hipocrisia dos países ricos que, enquanto criticam o Sul por desmatamento, continuam a financiar indústrias altamente poluentes. Ao lembrar os desastres climáticos em seu próprio país, como as enchentes no Rio Grande do Sul, ele demonstrou como as comunidades periféricas são as mais impactadas, expondo a injustiça climática que marca o sistema internacional. A COP30, que será sediada no Brasil, emergiu não apenas como uma plataforma de diálogo, mas como uma oportunidade de expor os interesses imperialistas travestidos de “preocupação ambiental”. Ele também foi enfático ao acusar as potências globais de não cumprirem os compromissos assumidos em cúpulas internacionais para enfrentar as crises climáticas, afirmando que o tempo de promessas inconsequentes deve acabar.
Bioeconomia e Povos Indígenas
Outro ponto essencial foi a defesa das florestas tropicais e dos povos indígenas, tratados por Lula para além da limitação costumeira que os enquadra em pautas ambientais, mas como resistência à exploração moderna. A defesa da bioeconomia brasileira e a centralidade dos povos indígenas na preservação ambiental foram destacadas como contrapontos à narrativa de “ajuda internacional”, muitas vezes proposta pelas potências que buscam controlar os recursos naturais do Sul Global em nome da sustentabilidade.
Lula argumentou que a soberania ambiental do Brasil está intrinsecamente ligada à luta dos povos indígenas contra o saqueamento de suas terras, reforçando que o país não se submeterá às imposições externas disfarçadas de preocupações ecológicas. A mensagem foi clara: a proteção da Amazônia não será uma moeda de troca no cenário internacional, mas sim uma demonstração de resistência contra o imperialismo ambiental.
Lula não hesitou em denunciar a fome e a desigualdade social como produtos diretos do capitalismo global, que concentra riqueza em poucas mãos enquanto milhões permanecem na miséria. A proposta de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que será formalizada no G20, se mostrou como uma crítica contundente à ordem econômica neoliberal, que mantém intactas as dinâmicas de exploração.
Ao atacar a tributação desigual, que favorece os ultra-ricos, expôs a manipulação sistêmica que permite aos capitalistas globais escapar de suas responsabilidades. O discurso trouxe uma crítica fundamental ao sistema que permite que fortunas cresçam enquanto o planeta sofre, e ressaltou que sem uma redistribuição de recursos, a desigualdade social continuará a ser uma ferramenta de controle geopolítico. Além disso, mencionou o “crescimento defasado” da América Latina, alertando para o risco de uma nova “década perdida”, como foi a crise econômica da década de 1980, caso não haja uma mudança estrutural no desenvolvimento da região.
A questão da Inteligência Artificial
Ao tratar do tema da inteligência artificial, o governante denunciou a concentração de seu desenvolvimento e controle nas mãos de poucos países e corporações. Segundo o presidente, essa nova fronteira tecnológica, que deveria ser usada para melhorar as condições de vida de todos, tem se tornado uma ferramenta de exclusão e manutenção das desigualdades globais. Ao questionar o monopólio da inteligência artificial, Lula instou por uma governança global inclusiva e equitativa, que garanta que os benefícios dessa tecnologia sejam amplamente distribuídos, sobretudo entre as nações em desenvolvimento.
Um Novo Paradigma
O discurso de Lula na ONU não foi apenas um apelo por multilateralismo ou uma tentativa de posicionar o Brasil como um líder global. Foi uma crítica feroz à estrutura desigual que define o sistema internacional, onde os interesses do capital global prevalecem sobre a justiça social e ambiental. Seu chamado à ação foi, na essência, um desafio às potências dominantes para reestruturarem as bases de um mundo que privilegia poucos à custa de muitos.
Longe de ser apenas um discurso de boas intenções, Lula traçou uma linha clara entre os países do Norte e do Sul, entre aqueles que lucram com a crise global e aqueles que sofrem suas consequências. O Brasil, sob sua liderança, aparece como um defensor de um novo paradigma — um mundo não de cooperação passiva, mas de confronto direto contra as forças imperialistas que ameaçam a sobrevivência do planeta e de seus povos mais vulneráveis. Este novo capítulo na política externa brasileira reflete a luta por soberania, justiça e, acima de tudo, uma ordem mundial que não mais perpetue as desigualdades forjadas pela era colonial e seus desdobramentos contemporâneos.
Fontes:
- https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/discursos-e-pronunciamentos/2024/09/discurso-do-presidente-lula-na-abertura-da-79a-assembleia-geral-da-onu-em-nova-york
- https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/09/24/leia-a-integra-do-discurso-de-lula-na-assembleia-geral-da-onu.ghtml
- https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/09/24/lula-discursa-na-assembleia-geral-da-onu-veja-principais-pontos.ghtml
- https://www.bbc.com/portuguese/articles/c99vpmp38nxo
- https://www.nexojornal.com.br/expresso/2023/09/19/clima-desigualdade-e-geopolitica-o-discurso-de-lula-na-onu
- https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/fiori-a-estrategia-internacional-de-lula/
Share this content: