A queda de Bashar al-Assad
Por Raquel Zaleschi e Luiza Krueger
Após treze anos de guerra, a ascensão formada pela coalizão de rebeldes teve um levante meteórico, que em menos de doze dias, resultou na queda do regime de ferro de Bashar al-Assad, que permaneceu no poder por 24 anos.

O início
Os primeiros sinais da guerra civil síria surgiram em 2011, no auge da Primavera Árabe, um movimento que foi consistido por uma onda de protestos que tomou o mundo árabe entre 2010 e 2013, desafiando as normas sociais e políticas da região. No país, manifestantes saíram às ruas contra o regime autoritário de Bashar al-Assad, o primeiro herdeiro de uma dinastia autocrática, e questionaram a legitimidade do seu governo. Em resposta, Assad reprimiu violentamente as manifestações, o que resultou em grande número de vítimas civis. A brutalidade do governo levou desertores do exército e milícias a se unirem ao movimento, militarizando os protestos e, por consequência, dando início à guerra civil síria.

O líder
A dinastia dos Assad estava no poder por 53 anos, e teve início no golpe de estado de 1971, liderado por Hafez al-Assad, pai de Bashar. Hafez, então comandante das forças armadas sírias, instaurou um regime autoritário e centralizado na sua figura.

Ao assumir o poder no dia 10 de julho do ano 2000, o governo de Bashar al-Assad foi marcado pela repressão violenta às revoltas civis. Em 2011, durante os protestos da Primavera Árabe, o regime respondeu com extrema brutalidade, resultando em mais de 3.000 mortos nos sete meses iniciais de confronto. A violência com a qual o herdeiro respondeu aos protestos gerou indignação em parte da comunidade internacional, levando muitos países a questionarem a legitimidade do governo sírio. Ao longo de mais de uma década de guerra na região, cerca de 300 mil civis foram mortos, de acordo com informações da ONU. No entanto, Assad foi reeleito em 2014, com 88,7% dos votos, em uma eleição amplamente considerada fraudulenta pela comunidade internacional, incluindo potências como os EUA, Reino Unido, França, Alemanha e Itália.
Apesar do predomínio do juízo de valor das potências ocidentais na geopolítica, as forças do herdeiro foram potencializadas com a contribuição de potências externas. A Rússia forneceu um apoio crucial para o regime de Bashar al-Assad, especialmente através da doação de aviões para a força aérea do governo, já o Irã e o grupo paramilitar Hezbollah contribuíram com um apoio terreno, ajudando com a repressão direta dos rebeldes e possibilitando a continuação do governo sírio.

Com a cavalaria montada, o governo al-Assad conseguiu sobreviver a mais de uma década de guerra civil, mas o ano de 2024 trouxe uma reviravolta inesperada. Após uma ascensão da coalizão de movimentos rebeldes liderada pelo grupo Hay’at Tahrir al-Sham (HTS), o regime finalmente ruiu. O herdeiro, vendo o fim iminente de seu governo e o desmoronamento de sua dinastia, fugiu para Moscou com sua família, onde recebeu refúgio, marcando o fim de 53 anos de domínio familiar sobre a Síria.
A oposição
Em uma declaração para o jornal britânico The Guardian, o líder militar do HTS, Abu Hassan al-Hamw, revela que a queda de Bashar al-Assad foi planejada durante um ano. O Abu Hassan afirma a existência de uma operação chamada “dissuadindo a agressão”, a qual se apoiava em uma diplomacia de guerra unificada, onde facções rebeldes avançariam simultaneamente em direção a Damasco. A “repaginação” do movimento foi efetiva, visto que, com a conquista de Aleppo, foi dada a largada na ação relâmpago contra o governo autoritário, que encontrou o seu fim no dia 8 de Dezembro com a fuga de Assad.
Dentro do movimento rebelde, há 3 grupos que se destacam: O Hayat Tahrir al-Shar (HTS), o Exército Nacional Sírio (ENS) e as Forças Democráticas da Síria (FDS).

O HTS foi considerado o grupo líder da ofensiva contra Assad, liderado por Abu Mohammad al-Jolani. No seu passado, o grupo, era conhecido como Frente al-Nasra, e era considerado o “braço direito” da Al-Qaeda na Síria, porém, em 2016 o grupo anunciou que estava rompendo a sua ligação com a organização, devido a discordância com as ambições jihadistas globais. Contudo, a ONU, os EUA e a Turquia não reconhecem o como independente, e ainda consideram o HTS como uma organização terrorista. Além disso, o próprio Mohammad al-Jolani foi alvo de sanções americanas, ainda sendo classificado como líder terrorista.
O ENS nasce de uma preocupação turca com fatores como suas fronteiras do sul, o aumento do número de refugiados sírios, e a questão curda. Com isso, o país inicia uma onda de apoio a diversas lideranças militantes da Síria. O grupo paramilitar ainda engloba organizações menores e, apesar de lutar contra a dinastia Assad, o ENS não deixa de combater outro grupo que lutou pela mesma causa, as Forças Democráticas Sírias (FDS).
As FDS consistem em uma coalizão de milícias étnicas e se baseia nas Unidades de Proteção do Povo, grupo militante curdo apoiado pelos EUA. A coalizão adotou uma postura singular ao conflito, tentando estabelecer uma “legitimidade internacional “ sobre os territórios dominados,nos quais abriga bases militares russas e americanas. O FDS também trava uma luta árdua contra o Estado Islâmico.
Razões para a vitória
Após onze anos de Guerra Civil, os rebeldes, agora mais alinhados, conseguiram se aproveitar das enormes fraquezas que o governo sirio apresentava no final do ano de 2024.

Sucedendo os eventos de 2011, o regime de Bashar al-Assad passou a contar com o apoio fundamental de aliados como a Rússia, o Irã e o Hezbollah, que forneceram recursos militares e apoio estratégico. Contudo, as minas de ouro do governo autoritário começaram a secar.
A Rússia, a partir de 2015, ano que lançou uma campanha militar aérea, se tornou um agente indispensável para Assad, contribuindo, principalmente, com a defesa ativa do regime, contudo, desde 2022 o país começa a enfrentar desafios logísticos na manutenção de seu apoio à Síria. A Guerra na Ucrânia, iniciada no dia 24 de fevereiro de 2022, com a invasão russa no território ucraniano, reconfigurou algumas questões orçamentárias ligadas ao setor militar do país, comprometendo a capacidade de apoio constante a Assad.
O Hezbollah, que por sua vez, contribuía com o apoio tático, muitas vezes direto, ao exército sirio, também se encontra em um momento delicado. O desgaste das forças paramilitares e a pressão interna no Líbano acabaram por desgastar um aliado vital para o governo no campo de batalha.
No contexto do Eixo de Resistência, é impossível não relacionar as recentes derrotas do Irã em Gaza com o desmantelamento do aparelho de ajuda ao governo de Assad. Os interesses da potência xiita em manter o governante estavam concentrados no fato de que a Síria é o principal ponto de trânsito de armamentos que Teerã envia para o Hezbollah, no Líbano. Todavia, a dizimação das milícias apoiadas pelo Irã após anos de guerra com Israel fez com que o mais tradicional aliado do governo autoritário sirio se encontrasse de mãos atadas no fim de 2024.

Simultaneamente, o regime de Bashar al-Assad também lidava com as consequências financeiras causadas pela duradoura guerra civil. Desde 2011, estima-se que o produto interno (PIB) da Síria tenha caído em 85%, as Nações Unidas também denunciaram que 90% da população vivia abaixo da linha da pobreza, e mais da metade do país passava por uma insegurança alimentar. Dito isso, é possível apontar que o declínio da economia síria comprometeu a manutenção das forças armadas e da infraestrutura governamental. Dessa forma, resultando em uma constante desmobilização e desmoralização do exército, o qual concomitantemente, lidava com os ataques israelenses.
Perspectivas de um novo futuro
Ahmed Hussein al-Sharaa,, também conhecido como Mohammad al-Jolani, líder do HTS, declarou na quarta-feria do dia 11 de dezembro para a agência Reuters que “dissolveria as forças de segurança do regime anterior e fecharia as notórias prisões”, fazendo referência ao regime de Bashar al-Assad.
As forças rebeldes nomearam ministros e estabeleceram uma nova administração temporária na cidade de Damasco, capital da Síria, na forma de um governo interino, que deve permanecer atuando até março de 2025, de acordo com alegações do novo primeiro-ministro, Mohammad Al-Bashir.
O governo interino declarou, no final de janeiro, que Shaara foi estabelecido como presidente, representando a nova administração da Síria perante a comunidade internacional, além de anunciar a suspensão da Constituição, do Parlamento e de todas as mílicias armadas, incluido o HTS, enquando o governo de transição operar. Previamente, em entrevista à BBC, em dezembro, o presidente interim declarou que haveria um comitê de especialistas que escreveriam a nova constituição da Síria.
Em estrevista a jornalistas estrangeiros, também em dezembro, Shaara afirmou que a prioridade era a reconstrução da Síria, e que, para isso ser possível, as sanções internacionais impostas sobre o país, assolado pela guerra, deviam ser levantadas.
“Nós pedimos ajuda à comunidade internacional para processar os criminosos do regime de Assad e recuperar o dinheiro roubado dos Sírios”

No que tange sua designação como terrorista por países ocidentais como Inglaterra, França e Estados Unidos, ele negou ter alvejado civis em suas oprações militares, operadas pelo HTS, o que, segundo o presidente interim, seria o real significado de terrorismo. No entanto, ele enfatizou que “não importa se estou sob sanções e em uma lista de terroristas. O importante é suspender as sanções à Síria”.
Além de Bashir como primeiro-ministro, os cargos de ministro da Defesa e ministro das Relações Exteriores também foram ocupados por indivíduos atrelados ao grupo, Murhaf Abou Qsara e Asaad Hassan al-Shibani, respectivamente, o que evidencia o esforço do HTS em garantir sua influência dentro do novo governo na Síria.
Murhaf Abou Qasra atuou como chefe militar do HTS, sendo uma peça importante na ofensiva lançada em 27 de novembro, que levou à queda de Assad. Sua principal tarefa dentro do novo governo como ministro da Defesa será unir as fragmentadas forças rebeldes dentro do território sírio, em conflito desde a eclosão da Guerra Civil. Sua intenção é formar uma instituição militar unificada abrangendo todas as facções.
Já Asaad Hassan al-Shibani foi nomeado para o ministério de Relações Exteriores em grande parte por possuir relações com agências e diplomatas estrangeiros previamente em virtude de suas atividades em um enclave rebelde localizado na província de Idlib, em que Chibani auxiliou no gerenciamento de ajuda humanitária.
Em sua viagem para a Arábia Saudita, primeira dentre os membros da nova administração, Shibani afirmou que o novo governo em Damasco deseja englobar todas as partes da sociedade síria. Esse posicionamento é parte do esforço do governo de transição de assegurar à comunidade internacional que sua administração não possui vínculos com a Jihad mulçumana.
“Especificamente porque somos islâmicos, garantiremos os direitos de toda a população e de todos as religiões na Síria”, afirmou Mohammed al Bashir, premiê do governo de transição, em uma entrevista a um jornal italiano.

Na mesma entrevista, Bashir urgiu aos sírios refugiados no exterior que voltem para a Síria, a fim de “reconstruirem” o país. No total, aproximadamente seis milhões de sírios fugiram do país desde a eclosão da guerra em 2011.
Também sobre os milhares de refugiados e deslocados sírios espalhados pelo globo, Ahmed Hussein al-Sharaa afirmou que a primeira preocupação no que tange a reconstrução de uma máquina estatal pautada em eleições será o retorno da população a suas casas.
Referências:
https://www.bbc.com/news/world-middle-east-15304741
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/05/130501_hezbollah_siria_pai
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c0q01vd77l7o
https://www.thetimes.com/article/syria-war-live-assad-rebels-hts-latest-news-kwmlk9f2w
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/entenda-quem-sao-os-grupos-rebeldes-da-siria/
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43764607
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